De filho de pescador muçulmano ao primeiro bispo de rito latino da Turquia: Monsenhor Antuan Ilgıt se preparou para a visita papal histórica.
O bispo turco convertido Antuan Ilgıt, o primeiro
turco de rito latino, recebeu o Papa Leão XIV na Anatólia para o jubileu de
Nicéia, representando a ponte entre o Islã e o Cristianismo.
Sala de Imprensa (24/11/2025 Gaudium Press).
"Somos herdeiros do Credo Niceno, um legado que lembramos ao mundo inteiro
daqui”, declara Monsenhor Antuan Ilgıt, Administrador Apostólico do Vicariato
da Anatólia. Falando antes da primeira viagem apostólica do Papa Leão XIV à
Turquia (27 a 30 de novembro), o jesuíta de 53 anos recebeu o Pontífice, que se
uniu ao Patriarca Ortodoxo Bartolomeu para celebrar o 1.700º aniversário do
Primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia, o encontro de 325 que produziu a
profissão de fé ainda recitada em todas as missas.
Numa entrevista exclusiva, o primeiro bispo de rito
latino nascido na Turquia – ordenado na Igreja de Santo Antuan, em Istambul, em
25 de novembro de 2023, na presença do Patriarca Bartolomeu e de líderes
ortodoxos armênios e siríacos – compartilhou a extraordinária jornada que levou
um ex-muçulmano dos cais de Mersin ao episcopado.
P: Monsenhor Ilgıt, o Papa Leão XIV chega à Turquia
esta semana para sua primeira viagem apostólica, juntando-se ao Patriarca
Ortodoxo Bartolomeu para celebrar o 1700º aniversário do Concílio de Nicéia. O
que significa este aniversário aqui na Anatólia?
R: Somos herdeiros do Credo Niceno, um legado que
lembramos para o mundo inteiro aqui. Esta é a Terra Santa da Igreja — a terra
de onde a mensagem de Cristo partiu para alcançar todos os povos. Em 325, antes
que a ferida da divisão marcasse a comunidade cristã, os bispos se reuniram e
nos deram a profissão de fé que ainda recitamos em cada missa. Celebrar isso
aqui, com o Papa e o Patriarca Ecumênico, é uma graça extraordinária.
P: O senhor mesmo é um exemplo vivo de continuidade
e novos começos: o primeiro cidadão turco a se tornar bispo de rito latino na
Turquia. Como começou essa jornada?
R: Nasci em 1972 na Alemanha, filho de pais pobres
da Cilícia. Voltamos para Mersin quando eu tinha seis anos porque meu pai havia
se tornado alcoólatra. A vida era difícil — quando não havia peixe, não
comíamos. Depois, quando eu ainda era menino, minha mãe foi diagnosticada com
câncer aos 35 anos e morreu pouco depois. Eu perguntei: “Por que Deus permite
esse sofrimento?” O islamismo com o qual cresci não me deu respostas. Um imã
disse: “Tudo vem de Deus; você deve aceitar”. Isso não foi suficiente para mim.
P: Então, como você encontrou a resposta?
R: Anos depois, durante um estágio em Istambul,
entrei na Igreja de Santo Antuan. Estavam celebrando missa em turco. Ouvi falar
de um Deus que se fez homem, que sofreu conosco e por nós. Pela primeira vez, o
sofrimento fez sentido. Comecei o catecumenato em Mersin, fui batizado, cumpri
o serviço militar, recusei a carreira de oficial e escolhi o sacerdócio — mesmo
sabendo que isso me tornaria uma vergonha aos olhos da minha família.
P: Você estudou na Itália e nos Estados Unidos, foi
ordenada em 2010 e se especializou em bioética e diálogo inter-religioso. Por
que esse caminho?
R: A doença da minha mãe me marcou profundamente.
Eu queria entender o sofrimento tanto da perspectiva cristã quanto da
muçulmana, não partindo dos dogmas, mas das questões da vida que todas as
religiões compartilham. Eu sonhava em ser uma ponte.
P: Esse sonho se tornou realidade duma forma
inesperada?
R: Em 2018, fui intérprete do presidente Erdoğan
durante seu encontro com o Papa Francisco. Conversei pessoalmente com o Santo
Padre sobre meu desejo de servir à Igreja na Turquia — quase não havia padres
locais. Ele me ouviu e, em 2021, me enviou de volta para casa. Dois anos
depois, em 25 de novembro de 2023, fui consagrado bispo em Istambul, na
presença do Patriarca Bartolomeu, do Patriarca Armênio e dos metropolitas
sírios. Foi um momento de profunda alegria ecumênica.
P: Quem são os católicos que o Papa encontrará
durante esta visita?
R: Cristãos turcos nativos, que agora são muito
poucos; refugiados do Iraque, da Síria e do Irã, que triplicaram o nosso
número; estudantes africanos; e um número crescente de muçulmanos turcos que se
tornam catecúmenos. Este ano tivemos muitos. O batismo não é a linha de chegada
— é o ponto de partida. A minha própria história ajuda-me a acompanhá-los: sei
o que é ser um recém-chegado, um imigrante, um convertido.
P: O terremoto de 2023 devastou sua catedral e a
região. Como isso mudou seu ministério?
R: Durante semanas, vivemos, comemos e dormimos
juntos entre as ruínas. Estar com as pessoas em tudo — isso é o que significa
ser um bispo turco. As autoridades civis foram respeitosas; um vice-ministro
até compareceu à minha ordenação. Nunca me senti em perigo. O risco faz parte
da vocação jesuíta: encontramos Deus em todas as coisas.
P: Qual é a missão duma comunidade cristã tão
pequena num país 99% muçulmano?
R: Nosso papel é ser uma semente. Possuímos uma
herança belíssima — o Credo Niceno nasceu nesta mesma terra. Devemos ser testemunhas
autênticas. A Europa muitas vezes vê o Cristianismo como eurocêntrico, mas o
centro deve ser Cristo, e o Seu Evangelho começou a se espalhar pelo mundo a
partir desta terra. Hoje, a Igreja aqui quase desapareceu. Precisamos nos
perguntar: o que o Espírito nos pede na história?
P: E a sua resposta?
R: Primeiro, a unidade entre os cristãos. Aqui
vivemos um profundo "ecumenismo de vida" com os ortodoxos. Segundo os
jovens. Eles não são apenas o futuro, mas o presente da Igreja. Duas vezes por
ano, reúno jovens de todo o Vicariato. Eles organizam tudo sozinhos e me pedem
mais oportunidades. Eles querem que a Igreja seja como um lar para eles e
querem que suas vozes sejam ouvidas na sociedade. Depois do terremoto, muitos
ficaram tentados a ir embora. Oferecemos bolsas de estudo e, quando possível,
empregos, para que possam vivenciar a catolicidade da Igreja e ainda contribuir
para o seu país.
P: Enquanto o Papa Leão XIV reza em Nicéia ao lado
do Patriarca Bartolomeu, qual é a sua oração pessoal?
R: Que o Espírito que guiou os bispos há 1.700 anos
nos guie hoje: à unidade, ao testemunho corajoso e à alegria de proclamar — bem
aqui, onde tudo começou — que o Deus que se fez homem ainda caminha com seu
povo, mesmo quando este é apenas um pequeno grupo.

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