quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

De filho de pescador muçulmano ao primeiro bispo de rito latino da Turquia: Monsenhor Antuan Ilgıt se preparou para a visita papal histórica.

 


O bispo turco convertido Antuan Ilgıt, o primeiro turco de rito latino, recebeu o Papa Leão XIV na Anatólia para o jubileu de Nicéia, representando a ponte entre o Islã e o Cristianismo.

Sala de Imprensa (24/11/2025 Gaudium Press). "Somos herdeiros do Credo Niceno, um legado que lembramos ao mundo inteiro daqui”, declara Monsenhor Antuan Ilgıt, Administrador Apostólico do Vicariato da Anatólia. Falando antes da primeira viagem apostólica do Papa Leão XIV à Turquia (27 a 30 de novembro), o jesuíta de 53 anos recebeu o Pontífice, que se uniu ao Patriarca Ortodoxo Bartolomeu para celebrar o 1.700º aniversário do Primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia, o encontro de 325 que produziu a profissão de fé ainda recitada em todas as missas.

Numa entrevista exclusiva, o primeiro bispo de rito latino nascido na Turquia – ordenado na Igreja de Santo Antuan, em Istambul, em 25 de novembro de 2023, na presença do Patriarca Bartolomeu e de líderes ortodoxos armênios e siríacos – compartilhou a extraordinária jornada que levou um ex-muçulmano dos cais de Mersin ao episcopado.

P: Monsenhor Ilgıt, o Papa Leão XIV chega à Turquia esta semana para sua primeira viagem apostólica, juntando-se ao Patriarca Ortodoxo Bartolomeu para celebrar o 1700º aniversário do Concílio de Nicéia. O que significa este aniversário aqui na Anatólia?

R: Somos herdeiros do Credo Niceno, um legado que lembramos para o mundo inteiro aqui. Esta é a Terra Santa da Igreja — a terra de onde a mensagem de Cristo partiu para alcançar todos os povos. Em 325, antes que a ferida da divisão marcasse a comunidade cristã, os bispos se reuniram e nos deram a profissão de fé que ainda recitamos em cada missa. Celebrar isso aqui, com o Papa e o Patriarca Ecumênico, é uma graça extraordinária.

P: O senhor mesmo é um exemplo vivo de continuidade e novos começos: o primeiro cidadão turco a se tornar bispo de rito latino na Turquia. Como começou essa jornada?

R: Nasci em 1972 na Alemanha, filho de pais pobres da Cilícia. Voltamos para Mersin quando eu tinha seis anos porque meu pai havia se tornado alcoólatra. A vida era difícil — quando não havia peixe, não comíamos. Depois, quando eu ainda era menino, minha mãe foi diagnosticada com câncer aos 35 anos e morreu pouco depois. Eu perguntei: “Por que Deus permite esse sofrimento?” O islamismo com o qual cresci não me deu respostas. Um imã disse: “Tudo vem de Deus; você deve aceitar”. Isso não foi suficiente para mim.

P: Então, como você encontrou a resposta?

R: Anos depois, durante um estágio em Istambul, entrei na Igreja de Santo Antuan. Estavam celebrando missa em turco. Ouvi falar de um Deus que se fez homem, que sofreu conosco e por nós. Pela primeira vez, o sofrimento fez sentido. Comecei o catecumenato em Mersin, fui batizado, cumpri o serviço militar, recusei a carreira de oficial e escolhi o sacerdócio — mesmo sabendo que isso me tornaria uma vergonha aos olhos da minha família.

P: Você estudou na Itália e nos Estados Unidos, foi ordenada em 2010 e se especializou em bioética e diálogo inter-religioso. Por que esse caminho?

R: A doença da minha mãe me marcou profundamente. Eu queria entender o sofrimento tanto da perspectiva cristã quanto da muçulmana, não partindo dos dogmas, mas das questões da vida que todas as religiões compartilham. Eu sonhava em ser uma ponte.

P: Esse sonho se tornou realidade duma forma inesperada?

R: Em 2018, fui intérprete do presidente Erdoğan durante seu encontro com o Papa Francisco. Conversei pessoalmente com o Santo Padre sobre meu desejo de servir à Igreja na Turquia — quase não havia padres locais. Ele me ouviu e, em 2021, me enviou de volta para casa. Dois anos depois, em 25 de novembro de 2023, fui consagrado bispo em Istambul, na presença do Patriarca Bartolomeu, do Patriarca Armênio e dos metropolitas sírios. Foi um momento de profunda alegria ecumênica.

P: Quem são os católicos que o Papa encontrará durante esta visita?

R: Cristãos turcos nativos, que agora são muito poucos; refugiados do Iraque, da Síria e do Irã, que triplicaram o nosso número; estudantes africanos; e um número crescente de muçulmanos turcos que se tornam catecúmenos. Este ano tivemos muitos. O batismo não é a linha de chegada — é o ponto de partida. A minha própria história ajuda-me a acompanhá-los: sei o que é ser um recém-chegado, um imigrante, um convertido.

P: O terremoto de 2023 devastou sua catedral e a região. Como isso mudou seu ministério?

R: Durante semanas, vivemos, comemos e dormimos juntos entre as ruínas. Estar com as pessoas em tudo — isso é o que significa ser um bispo turco. As autoridades civis foram respeitosas; um vice-ministro até compareceu à minha ordenação. Nunca me senti em perigo. O risco faz parte da vocação jesuíta: encontramos Deus em todas as coisas.

P: Qual é a missão duma comunidade cristã tão pequena num país 99% muçulmano?

R: Nosso papel é ser uma semente. Possuímos uma herança belíssima — o Credo Niceno nasceu nesta mesma terra. Devemos ser testemunhas autênticas. A Europa muitas vezes vê o Cristianismo como eurocêntrico, mas o centro deve ser Cristo, e o Seu Evangelho começou a se espalhar pelo mundo a partir desta terra. Hoje, a Igreja aqui quase desapareceu. Precisamos nos perguntar: o que o Espírito nos pede na história?

P: E a sua resposta?

R: Primeiro, a unidade entre os cristãos. Aqui vivemos um profundo "ecumenismo de vida" com os ortodoxos. Segundo os jovens. Eles não são apenas o futuro, mas o presente da Igreja. Duas vezes por ano, reúno jovens de todo o Vicariato. Eles organizam tudo sozinhos e me pedem mais oportunidades. Eles querem que a Igreja seja como um lar para eles e querem que suas vozes sejam ouvidas na sociedade. Depois do terremoto, muitos ficaram tentados a ir embora. Oferecemos bolsas de estudo e, quando possível, empregos, para que possam vivenciar a catolicidade da Igreja e ainda contribuir para o seu país.

P: Enquanto o Papa Leão XIV reza em Nicéia ao lado do Patriarca Bartolomeu, qual é a sua oração pessoal?

R: Que o Espírito que guiou os bispos há 1.700 anos nos guie hoje: à unidade, ao testemunho corajoso e à alegria de proclamar — bem aqui, onde tudo começou — que o Deus que se fez homem ainda caminha com seu povo, mesmo quando este é apenas um pequeno grupo.

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