terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Autoria negada

 AUTORIA NEGADA

 

Instantes, o mais popular “poema de Borges” – que induziu Roberto Campos e Moacyr Scliar a erro, é profusamente citado em epígrafes de livros de poesia, está impresso em pôsteres e mobiliza multidões de leitores escrevendo para os articulistas que o reproduzem – nunca foi escrito por Jorge Luís Borges. Mas continua navegando na Internet com sua grife falsa, em meio a alertas sobre os perigos do Aspartame, correntes que prometem alimentar crianças pobres com um simples toque na tecla e promessas de cheques em dólares em troca de informações sobre novos procedimentos na rede.

E fez escola. Agora, também já circula outro, seu assemelhado, Marionete, também falsamente atribuído a um autor famoso, Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura. Antes que esse poema quase prosaico, piegas e cafona, como o citado acima, torne o autor seu refém, mais famoso por ele do que pela autoria garantida do genial Cem Anos de Solidão, chegou a hora de desmascarar os falsários literários da Internet.


Marionete

Do segundo, ainda não se conhece exatamente a origem, muito embora já se saiba que partiu de Barcelona, onde fica o escritório da agente literária de García Márquez, Carmen Balcells. A respeito do texto, ela foi categórica, mandando dizer por fax: “Não reconheço uma só palavra como pertencente a Gabriel García Márquez”. O jornalista cubano Carlos Alberto Montaner disse não crer que “Gabo tenha escrito algo tão ruim”. A escritora brasileira Nélida Piñon, Prêmio Juan Rulfo, ironizou: “O poema é tão ruim que, se fosse meu, eu negaria. Aliás, eu lhe negaria até um cumprimento”.

O jornalista e escritor Eric Nepomuceno, tradutor de García Márquez, reconheceu que o colombiano escrevera textos de qualidade duvidosa na adolescência, mas afastou a possibilidade da autoria desse por causa das citações do poeta uruguaio Mário Benedetti e do cantor e compositor catalão Joan Manoel Serrat, dos quais o Prêmio Nobel só tomou conhecimento já quando famoso.


Instantes

Instantes, o “Borges” que Borges nunca escreveu, foi usado pelo deputado federal Luiz Antônio Medeiros num cartão de Natal, reproduzido em pôsteres pelo dono do jornal carioca O Dia, Ary de Carvalho, citado como epígrafe no livro de poesia de Granadeiro Guimarães e encaminhado na semana passada ao jornalista paraibano Carlos Aranha, que o reproduziu em sua coluna diária no jornal Correio da Paraíba, de João Pessoa. Citado uma vez num artigo por Roberto Campos, provocou uma enxurrada de cartas ao economista.

Isabel Vieira e Laura Müller deram, em reportagem publicada pela revista Cláudia em dezembro de 1997, uma explicação plausível para o sucesso do poema: “seus versos falam de uma segunda chance na vida que todo mundo gostaria de ter”. Deram também uma pista para a origem da confusão com Borges: a verdadeira autora, a americana Nadine Stair, como ele, tinha 85 anos e estava à beira da morte. O poema, originalmente sob o título de Momentos, era uma espécie de testamento dela.

A viúva do escritor, Maria Kodama, contou, por telefone de Buenos Aires, que teve o cuidado de ir à Justiça deixar registrado que o texto não era da lavra de Borges e que ela, como sua herdeira, não receberá – nem quer receber – direitos autorais dele advindos. Fê-lo para evitar que sua verdadeira autora, a norte-americana Nadine Stair, venha a reclamar da falsa atribuição de autoria do texto a Borges.

Segundo Kodama, “o poema foi publicado originalmente numa antologia editada pela Bantam Books, traduzido para o castelhano e incluído, em 1987, numa revista de New Age chamada Uno Mismo, ao lado de uma caricatura e uma legenda de Jorge Luis Borges. Um locutor de rádio leu a revista, imaginou que o poema fosse de Borges, então já morto, e, assim, o divulgou”.

O escritor gaúcho Moacyr Scliar sente-se parcialmente responsável por sua divulgação no Brasil, por ter encontrado o texto em Buenos Aires e o publicado em português, em Porto Alegre. Mas, depois, fez questão de reproduzir o esclarecimento de Maria Kodama no jornal. Só que isso até agora de pouco adiantou. O texto continua circulando impresso ou na telinha do computador, como se fosse uma espécie de pecado literário borgiano. Má-fé ou engano?

Mesmo havendo indicações de que tudo pode não ter passado de um engano em cadeia, Maria Kodama não afasta a possibilidade de haver uma dose de má-fé na insistente atribuição do poema, que, segundo ela, “é péssimo”, ao gênio portenho.

A hipótese do engano é reforçada pelo que ocorreu com um trecho do poema No Caminho com Maiakóvsky, de autoria do brasileiro Eduardo Alves da Costa, muito citado como se fosse do alemão Bertolt Brecht, por ter sido incluído num pôster ao lado de um poema do autor de Turandot, ou do gênio russo, certamente por este haver sido citado no título. O problema é que, ao contrário desse caso, em que o poema é de boa qualidade literária, os textos falsos são de má feitura.

De Madri, onde mora, pela mesma Internet que dissemina esses equívocos, o jornalista dissidente cubano Carlos Alberto Montaner contou a saga de um chileno chamado Undurraga. Segundo ele, “o tipo misturava versos de Pablo Neruda com editoriais do jornal cubano Granma, compondo poemas falsos que conseguia publicar em publicações especializadas ou inscrevê-los em concursos literários, que vencia por atribuí-los sempre ao grande poeta chileno”.

O que mais intriga, no caso do falso poema em prosa, de autor desconhecido e atribuído a García Márquez, é ele se assemelhar muito ao falso poema atribuído a Borges, mas de autoria conhecida. É mais um mistério na Internet.



 

Instantes

De Nadine Stair?
 Atribuído a Jorge Luís Borges

 

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido;
na verdade, bem poucas pessoas levariam a sério.
Seria menos higiênico. Correria mais riscos,
viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvete e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu
sensata e produtivamente cada minuto da sua vida.
Claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver,
trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feito a vida:
só de momentos - não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma
sem um termômetro, uma bolsa de água quente,
um guarda-chuva e um pára-quedas;
se voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres
e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos
e sei que estou morrendo.

 

 Nota do Editor:

Veja matéria a matéria de  Betty Vidigal. Ela demonstra outra origem ao ao poema de não-Borges. Clique:
Betty Vidigal: Pingo no i de Instantes, indevidamente atribuído a Borges... e também a Nadine Stair

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

A cronica de Walmir Rosário - 23.02.2023

 

É SEMPRE ASSIM, DIA DE MUITO, VÉSPERA DA NADA

Bons tempos em que Tolé aprovava os tira-gostos

Por Walmir Rosário*

A vida não está fácil para muitos dos mortais que ainda teimam em saracotear por aí – de bar em bar, ou coisa que o valha – em busca de festejar eventos e datas comemorativas, desde os simples aniversários de bonecas aos banquetes de subidas efemérides. Eu mesmo já não estou me empolgando tanto com os vários encontros semanais que mantínhamos em passado tão recente, em mesas de bares ou residências de amigos.

De repente, como num passe de mágica, os confrades começaram a sumir e sequer se davam ao trabalho de expor os motivos de suas sentidas ausências. Só depois de muitos questionamentos expunham os motivos proibitórios. Muitos deles sem pé nem cabeça, responsabilizando uma simples indisposição e até o tempo chuvoso, como se nos reuníssemos ao ermo, sem telhados a nos dar a devida proteção.

Nesse bloco se salvam pouquíssimos destemidos, que não abrem mão de receber os parabéns pelo aniversário ou outros feitos qualquer que não dispensam os elogios de amigos após o delicioso consumo de cervejas e um panelão da mais gostosa gastronomia de sustança. Tirante esse grupo de abnegados, o restante, sem a menor cerimônia, lança a culpa nos riscos do vírus da covid como um subterfúgio pouco convincente.

Bem faz o confrade Antônio Amorim Tolentino, o popular Tolé, que se eximiu, de forma definitiva, de dar sua graça nos encontros etílicos. Aos sábados, para não ser tentado, muda de calçada ou de rua e não se aproxima desses endereços no qual grassam litros de destilados, garrafas de cerveja e farta comida de boteco. Prefere comer seu caranguejo no recanto do lar, com uns dois copos de refrigerantes. São as escolhas de cada um.

Digo isso acabrunhado pela ausência do confrade, que sempre brilhou nesses encontros, tanto assim que foi sabiamente nomeado, de papel passado, com o pomposo e nobiliárquico título de Secretário Plenipotenciário da Confraria d’O Berimbau. Uma perda lastimável! Do alto de sua autoridade, baixava decretos, escolhia os promotores semanais da comilança, se tornou um verdadeiro juiz de paz, ou da ordem, acrescentariam alguns.

Lembro de certa feita em que alguns confrades começaram a desobedecer à agenda dos tira-gostos e almoços, como se a confraria fosse a casa da mãe Joana ou recinto de igual natureza. Tolé não contou conversa e baixou um competente decreto-lei, chamando a atenção do confrade Arenilson Mota Nery pelo deslize de oferecer, de forma intempestiva (ou sorrateira), um prato de lombo suíno à guisa de tira-gosto.

O réu em questão foi considerado culpado por Desobediência Civil e mesmo alegando desconhecimento das normas estatutárias seu nome foi parar no rol dos culpados e condenado ao pagamento de multa, transformada em um prato de tira-gosto de igual teor. Daí, então, condenado na forma da lei a levar, em data agendada, um pernil de suíno, no peso líquido – já assado – de 2,5 kg (dois quilos e meio).

E a condenação não foi mais pesada, haja vista o réu Arenilson Mota Nery ter alegado desconhecimento da norma, portanto agido em boa-fé, sem qualquer interesse de achincalhar ou desobedecer a legislação vigente. Desta data em diante, por força de um decreto-lei, foi estabelecido um ritual com vistas ao agendamento prévio com a antecedência de 15 dias para se candidatar ao oferecimento dos tira-gostos.

Lembro aqui que o lapso do confrade foi ocorrido na assembleia do sábado, 21 de fevereiro de 2015 e passou a vigorar até o início da pandemia. De lá pra cá, ao que parece, com a renúncia de Tolé ao cargo de Secretário Plenipotenciário, os confrades resolveram fazer ouvidos de mercador para a dita legislação. Pior, ainda, sequer se dignavam a aparecer às importantes reuniões semanais.

Dia desses, ao conversar sobre o desprezo dos antes solícitos confrades às reuniões, passamos a buscar os culpados – se é que eles existem – pela costumeira inapetência dos ex-fiéis frequentadores e não chegamos a um bom termo. Após um caloroso debate, uma das teses levantadas teriam sido os anos de lockdown – para uns, confinamento – o responsável pelas mudanças nos costumes.

O Decreto-Lei é publicado por Tolé

Mas a discussão não obteve consenso, por mais que repetidos brindes fossem feitos. Nesse interregno, muito se bebeu e prosou, e até foram nomeados alguns culpados pelo tempo de vacas magras que estamos vivendo. Alguns culpados chegaram a ser nomeados, mas logo absolvidos em nome da boa vizinhança. Lá pelas tantas, na hora de fechar a ata dos trabalhos, eis que surge uma tese vencedora, daquelas que não se pode negar fé.

Para os confrades, o grande responsável pelo fim da fartura teria sido o ex-secretário Plenipotenciário Tolé, ou com todas as letras, Antônio Amorim Tolentino, após desconjurar a bebida alcoólica, melhor dizendo, trair a causa. É que depois dessa fase em que não mais molha o bico, começou a criar problemas, tentando botar ordem no caos organizado da Confraria d’O Berimbau, a exemplo do decreto-lei proibindo a livre entrada dos tira-gostos.

Como diz o ditado, não mexa com quem está quieto, pois dia de muito é véspera de nada.

*Radialista, jornalista e advogado

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Procura-se um amigo.

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

Autor desconhecido


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

A Cronica de Walmir Rosário

 

NENÉM, JOGADOR DETERMINADO E DE MUITO FÔLEGO

Neném, o primeiro agachado à esquerda

Por Walmir Rosário*

Jesuíno José da Conceição era o seu nome de batismo, mas todos o conheciam como Neném. Em campo, não escolhia a posição: ponta-direita, lateral-direita e quarto zagueiro pouco importava, ele apenas atendia à determinação do técnico. Atleta de fôlego corria no campo os 90 minutos e a prorrogação, se fosse necessário. No fim do jogo ainda apresentava muita disposição.

Neném passou por vários times amadores como o Botafogo do bairro da Conceição, onde foi vice-campeão em 1958, bicampeão pelo Janízaros, Flamengo e Seleção de Itabuna nos anos de 1964, 65 e 66. Como profissional, passou pelo Itabuna Esporte Clube, Vitória da Conquista, Confiança de Aracaju e Fluminense de Feira. Em todos eles colecionou amigos entre os jogadores, torcedores e dirigentes.

Neném era daqueles que gostavam do futebol alegre e jogado com amor. Como profissional aceitou ganhar apenas um salário-mínimo no Itabuna, apesar de receber muito mais nos times amadores. E fez isso para atender ao apelo de dirigentes como Zelito Brandão Fontes, que considerava um dos baluartes do Itabuna Esporte Clube, ao lado de outros, a exemplo de Charles Henri.

Jogava bola porque gostava, principalmente ao lado de craques da qualidade de Fernando Riela, Santinho, Mágua, Wilson Longo, Armandinho, Luizinho, Betinho, e outros jogadores espetaculares de sua geração. Encarava o futebol como coisa séria, tanto que se empenhava com muita seriedade nos treinamentos e nos jogos, para a alegria de dirigentes e treinadores.

Dono de uma saúde invejável, Neném costumava, nos dias de jogos, sair correndo de sua casa, no bairro da Conceição, até o campo da Desportiva. Dizia ser o preaquecimento. Nos treinos físicos fazia o mesmo e era sempre o escolhido para puxar a fila, o que causava certo desespero em outros atletas nem tão corajosos ou que não gostavam muito da educação física.

Esse empenho nas partidas e o fato de não se “mascarar” lhe valia o apoio da torcida, o que considerava fundamental nos jogos na Desportiva, principalmente na hora de encarar times grandes. Com a mesma determinação com que jogava contra um adversário do campeonato de amadores, enfrentava times do Rio de Janeiro ou Salvador, a exemplo do Flamengo, Bonsucesso, América, Madureira, ou Bahia e Vitória.

Apesar de ter trabalhado com técnicos experientes como Paulo Emílio, Ivo Hoffmann, dentre outros, admitia que naquela época os próprios jogadores discutiam entre eles a forma de jogar. Geralmente os técnicos apenas davam as camisas e os incentivavam. Na seleção amadora de Itabuna, dentro de campo, eram eles quem resolviam, sob a liderança de Tombinho.

Na avaliação de Neném, jogar no interior exigia bem mais do que atuar na capital, onde os times eram protegidos da Federação Bahiana de Futebol. Para vencer um jogo, não só era preciso jogar bem, precisavam se defender da marcação dos jogadores adversários, bem como dos árbitros, que já vinham determinados a fazer valer a decisão dos dirigentes da capital.

Neném ressaltava a péssima qualidade dos campos do interior, onde prevaleciam buracos de até 30 centímetros e gramados imprestáveis. Ele dizia gostar dos gramados que pareciam uma mesa de sinuca, onde a bola rolava macia. Disse-me certa vez que se antes houvesse televisão, onde os atletas do interior pudessem ver os jogos de grandes equipes, eles teriam aprimorado técnicas e jogado muito mais.

Mas nem sempre tudo são flores na carreira de um jogador, seja ele amador ou profissional. Neném jogou como ponteiro-direito, lateral-direito e encerrou a carreira como zagueiro. Em 17 de julho de 1968, jogando pelo Itabuna Esporte Clube contra o Bahia, Neném teve a infelicidade de marcar dois gols contra e o Itabuna perdeu pelo placar de 3X2. De início a torcida pega no seu pé, mas como ele tinha um grande saldo positivo logo esquece e Neném joga outras partidas brilhantes.

Mas apesar de todas essas facilidades tecnológicas, ele critica a falta de campos de futebol nos bairros, responsáveis pela revelação de inúmeros craques. Outro problema citado por Neném é a falta de visão dos dirigentes de Itabuna, que poderiam arregimentar bons jogadores em toda a região e treiná-los, colocando-os para disputar posição, em vez de contratá-los fora.

Neném admite não ter ganhado muito dinheiro com o futebol, mesmo com as oportunidades que teve. E não foi por falta de chances, já que foi convidado para jogar em equipes do Rio de Janeiro e da Venezuela, onde abundavam os petrodólares. Um exemplo é que o empresário Mituca permaneceu nove dias em Itabuna aguardando sua resposta, negativa, por sinal.

E Neném era uma pessoa querida por todos por onde passou. Era uma presença obrigatória no Bar Avenida, onde se falava muito de futebol e política e no Beco do Fuxico. Além do futebol, Neném foi comerciante de gado, fazendas e açougues, e deixou muitas saudades no meio desportivo baiano.

* Radialista, jornalista e advogado

sábado, 11 de fevereiro de 2023

A Cronica de Walmir Rosário

 

FILOSOFICAMENTE PENSANDO…ISSO NÃO VAI DAR CERTO

O anfitrião Nélson Barbosa, o último à direita

Por Walmir Rosário*

Há cerca de um mês (não me lembro bem) me encontrava em casa astuciando uma forma de reunir os velhinhos da Confraria d’O Berimbau e do Clube dos Rolas Cansadas para um vesperal no bar e restaurante Mac Vita, em Canavieiras, quando recebo uma mensagem de Trajano Filho, pelo WhatsApp: “Se preparem, neste sábado, Nélson Barbosa faz questão de comemorar seus 76 anos com uma deliciosa rabada, no Mac Vita”.

De imediato, pensei: Todos os meus problemas acabaram. Mas foi aí que minha cabeça rodou e pensamentos dos mais diversos atordoaram minha mente. Pelos meus cálculos, já participei de pelo menos umas quatro comemorações dos 76 anos de Nélson, ou estaria enganado? Pelo sim, pelo não, achei uma questão irrelevante, por terem as festas dignas do aniversariante, mesmo que repetidas.

Para quem não sabe, o conhecido e nomeado Almirante Nélson, pessoa pacata que voltou a Canavieiras para gozar da sua merecida aposentadoria no Derba, não tem ideia das artes e manhas deste sossegado senhor. Basta uma volta ao tempo, e na história de Arembepe, para conhecermos do que é capaz nosso ínclito personagem. No final da década de 1960 e início dos anos 1970, Nélson Barbosa, ou Nélson Amarelão, como era conhecido, ouviu falar do “paraíso dos hippies” e resolveu mudar-se de mala e cuia para o pedaço, mesmo sem ter qualquer ligação com a dita filosofia.

Pra início de conversa, comprou um terreno em Arembepe, sem se preocupar com a localização, descoberta feita cerca de um mês depois, quando resolveu levar a esposa e as duas filhas para a exploração do local. Com a ajuda de alguns moradores, descobriu a pretensa área e empreitou a construção da casa. O resto era bem mais simples, como descobrir a “passarela do álcool”, ou melhor a Rua da Flores.

Por ali Nélson sentou praça, conheceu os hippies da aldeia, os malucos locais e de Salvador que se homiziavam nos fins de semana ou férias. Foi um casamento perfeito e ele se tornou um deles, ou o deles. Personagem melhor não representaria Arembepe, tanto assim que se tornou, via eleição direta, honestíssima, Rainha da Rua da Flores, empunhando o cetro real por três carnavais consecutivos. Estava no tempo e local certos.

A década de 1960 foi marcada por uma série de tentativas de mudança no mundo, e de lá pra cá nunca mais foi o mesmo. E a vontade de mudar o mundo aconteceu na política, economia, na música e na cultura. A chamada contracultura foi a que chamou mais a atenção pela pregação do slogan paz e amor. A guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã sofreu os maiores protestos, com músicas e passeatas pelos próprios norte-americanos.

Em 1969 foi realizado numa fazenda de pecuária no estado de Nova York o Woodstock Music & Art Fair, festival que bombou com a presença de mais 400 mil participantes e o que tinha de mais marcante no rock'n'roll pesado, mais ligado ao movimento hippie. O evento que foi criado por alguns jovens para ganhar um bom dinheiro ultrapassou todos os limites comerciais e de comportamento.

De lá pra cá, o mundo já não era mais o mesmo. Os adeptos da contracultura deixaram Woodstock e se espalharam por todos os recantos do planeta terra. As estradas ganharam hordas de mochileiros em busca do sonho de paz e amor. Cabelos e barbas grandes, roupas coloridas, instrumentos musicais e muita disposição para andar. A pé, de carona, dormindo ao relento, corriam estradas pregando a paz e o amor, a liberdade.

Algumas cidades brasileiras foram eleitas com a “Meca” do movimento hippie. Salvador, na Bahia e Paraty, no estado do Rio de Janeiro foram duas delas e que vivi de perto nessa ocasião. A maioria proveniente das cidades de São Paulo e Guanabara (com o grande Rio de Janeiro). Muitos deles, pessoas de origem abastada que resolveram mudar o mundo, inconformadas com qualquer questão, inclusive a família que continuava a mantê-los.

A aprazível e bucólica Arembepe abrigou os hippies por anos afio. Com o passar dos anos, muitos deles resolveram mudar de filosofia e de vida, trocando as vastas barbas e cabeleiras pelos melhores barbeiros, as multicoloridas roupas por ternos bem cortados, os simplórios chinelos por sapatos sociais lustrosos. Agora ocupavam cargos executivos em empresas multinacionais, preferencialmente ligadas ao polo petroquímico de Camaçari.

Uma mudança e tanto que deu certo. O jornalismo, a publicidade e o mercado baiano como um todo ganhou sangue novo e, por consequência, o Brasil e o mundo. Embora alguns ainda teimassem em persistir ouvindo Janis Joplin, Jimi Hendirx, outros passaram a seguir Raul Seixas e outros mais comportados. Já o Nélson Barbosa, ou Amarelão, continuou sua vida sonhando com sua aposentadoria e o retorno à querida Canavieiras.

Volta e meia encontramos um verdadeiro hippie por aí, professando sua filosofia. E não poderia deixar de finalizar com uma cena presenciada pelo saudoso jornalista Marcos Correia. Enquanto aguardava, pacientemente no ponto de ônibus da avenida Proclamação, no Savoia, em Ilhéus, o transporte para ir ao trabalho, foi testemunha ocular da autoanálise de um dos muitos malucos belezas que habitam este planeta.

Andando de um lado pro outro do passeio, nosso estranho personagem filosofava:

– Tem gente que acha que é fácil ser maluco! Tá pensando o quê? Venha ser pra ver? – filosofava para o deleite de passantes e outros observadores.

Realmente, essa é uma cena rara de se presenciar nos dias de hoje, o que demonstra que cada um escolhe o caminho a seguir.

Já o almirante Nélson, do seu ponto de vista filosófico, resolveu preservar sua jovialidade.

*Radialista, jornalista e advogado

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

A Cronica de Walmir Rosário - direto de Canavieiras

 

ROSENDO, UM CRAQUE QUE RESPEITAVA A BOLA


O time base do Botafogo que jogou por uma empresa num torneio no Dia do Comerciário: (em pé) Gilmar, João Bocar, Borba, Nailton, Bita e Gilberto; (agachados) Pintadinho, Pedrinha, Wanda, Rosendo e Jonga Preto.

Por Walmir Rosário*

O craque se forma pela habilidade e gosto pela arte de jogar o futebol bonito. Em Itabuna, um jogador, desde cedo adotou como referência Zizinho, do Bangu e Domingos da Guia (do Palmeiras), dois monstros sagrados do futebol nacional. Era Rosendo Costa Antunes, que atuou pelo Vasquinho, Grêmio e Botafogo e fez história nas partidas em que disputou pelo Campeonato Amador de Itabuna.

Rosendo foi um dos jogadores mais expressivos no futebol grapiúna, a exemplo de Santinho, Tombinho e muitos outros que acabaram conquistando o Hexacampeonato Intermunicipal, e consolidou Itabuna como grande força no futebol do interior. Fora de campo, era a simplicidade em pessoa, não parecia aquele craque que encantava a todos pelo futebol clássico que jogava.

No Botafogo do bairro da Conceição, a escalação era Rosendo com a camisa oito e mais outros dez jogadores. Era ele o maestro que articulava as jogadas no meio campo, tendo em vista sua habilidade de chutar com os dois pés, aplicar dribles de deixar seus adversários comendo grama, como se dizia, além de jogar com velocidade para deixar seus adversários baratinados e não sofrer as pesadas faltas.

Jogador de inteligência bem acima da média, Rosendo sabia enrolar a defesa adversária jogando pelas pontas, principalmente a esquerda, e fazer tabelinhas com Pedrinha e lançamentos perfeitos para os atacantes. Formava uma dupla infernal com Tombinho, um artilheiro nato, catimbeiro que fazia gosto, e um excepcional líder em campo.

Mesmo de compleição franzina, Rosendo se inspirava nos jogadores da bola sabida, e essa habilidade lhe proporcionava uma defesa inteligente contra os empurrões de pontapés dos adversários. Ele sempre destacava as boas partidas, e uma em especial, que viu em Ilhéus, quando o Bangu, com Zizinho em campo, aplicou uma goleada de 11 x 1 no Grêmio.

Inegavelmente, tomou e tornou Zizinho como seu ídolo, e mesmo na condição de torcedor do Vasco da Gama idolatrava o jogador do Bangu. E sua paixão pelo futebol arte também o levou a admirar Domingos da Guia, passando a torcer pelo Palmeiras. Para Rosendo, futebol era uma arte e a bola tinha que ser tratada com respeito e meiguice até ela entrar no gol adversário.

Mas todo o futebol praticado por Rosendo e seus colegas lhe deixou consternado por não ter conquistado um título de campeão, apesar de ter jogado com os melhores “cobras” daquela época. Mesmo assim, dizia que o futebol não lhe trouxe dinheiro, mas sim muita alegria, pois jogava por prazer. Embora não tenha conquistado um campeonato, acumulou amigos como troféus valiosos.

Rosendo
Como se diz na gíria, o futebol está no sangue, o que é uma verdade reservada a alguns poucos jogadores, entre eles Rosendo. E o menino que jogava babas com bolas de bexiga de boi conseguidas no matadouro, cresceu no esporte com os amigos da antiga rua do Zinco, Abiezer e Tertu. Como todo o menino bom de bola daquela época, foi para o Vasquinho aprendendo as técnicas com Noca e Gil Néri.

Jogador clássico desde menino, às vezes era barrado pelos técnicos contra os times de fora, para evitar que ele fosse contratado e deixasse o futebol itabunense. Como quase todos os craques daquela época, suas jogadas construíram conceito e não dinheiro. Mas Rosendo nunca se arrependeu por ter tratado a bola com a delicadeza que ela sempre mereceu.

Após deixar o futebol, Rosendo exerceu as atividades de gráfico e vigilante da Prefeitura de Itabuna, com a mesma simplicidade e galhardia que sempre disputava as partidas de futebol entre os jogadores de sua época. Rosendo ocupa um lugar de destaque na história e no pedestal destinado aos grandes craques de todos os tempos de Itabuna.

*Radialista, jornalista e advogado