quinta-feira, 26 de outubro de 2023

A Cronica de Walmir Rosário - Direto de Canavieiras

 

JORGE CAETANO, O REPÓRTER PRESIDENTE

O repórter Jorge Caetano entrevista Pelé, em Ilhéus

 Por Walmir Rosário*

Itabuna e Ilhéus possuíam vários times, todos recheados de craques. Isto quase todos sabem. Entretanto, poucos conhecem os craques dos microfones esportivos daquela época. Eram muitos e bons, afirmo com toda a tranquilidade. E um deles era (e é) Jorge José Caetano Neto, ou simplesmente Jorge Caetano, que atuou durante anos na reportagem de campo e na narração de jogos, o que ainda faz até os dias de hoje.

E pra começo de conversa, Jorge Caetano foi revelado em Ilhéus, onde morava, e passou a integrar a equipe da Rádio Bahiana, inicialmente como plantonista, depois como repórter. E o início foi obra do acaso e das boas amizades. Um belo dia, o empresário Moisés Bohana, que tinha sido colega de escola, perguntou se queria trabalhar na emissora. Não deu outra, começou no dia seguinte, para ganhar experiência.

Com o traquejo, pouco tempo depois passou para a Rádio Jornal de Ilhéus (hoje Santa Cruz), de Osvaldo Bernardes, já como repórter esportivo. E por lá foi ampliando os conhecimentos, tanto que em pouco tempo já era um disk joquei. Nessa época conheceu o radialista Seara Costa, com quem passou a formar dupla. E o rádio ilheense parecia um zoológico, dada a quantidade de “feras” no microfone.

Djalma e o irmão Fernando Costa Lino, Armando Oliveira, o futuro governador Paulo Souto, Juarez Oliveira, Paulo Kruschewsky, eram as figurinhas carimbadas com os quais passou a dialogar no rádio esportivo ilheense. Em 1970 é aprovado num concurso da Ceplac e conhece o radialista Geraldo Santos (Borges), que lhe abriu caminho no rádio itabunense, onde predominavam profissionais de altíssimo nível.

Nessa época se transfere para a Rádio Jornal de Itabuna e o diretor Valdeny Andrade o escala para substituir Geraldo Santos, ocupado com o mestrado no Rio de Janeiro. De início, como era costume, passou a narrar em companhia de Cordier, cada qual um dos tempos dos jogos. E nesta época trabalhou lado ao lado de Nílson Rocha, Lucílio Bastos, Lima Galo, Orlando Cardoso, Ramiro Aquino e outros craques do microfone esportivo.

E Jorge Caetano viveu muitas histórias nas transmissões esportivas nos campos do interior baiano. Certa feita, em Maracás, foi transmitir o jogo das seleções de Itabuna e a local. Sem saber, o sinal da rádio Difusora, para quem narrava, estava sendo retransmitido para o serviço de sonorização da cidade. De repente, o céu escurece e cai um toró. Como a chuva não parava, o campo se transformou num imenso lamaçal.

Desconhecendo que toda a cidade o escutava pelo serviço de som, passou a falar das péssimas condições do campo. De repente, ouve o pipocar de fogos. E Jorge Caetano pensava que a torcida apenas comemorava a entrada de sua seleção em campo. Mas como os fogos vinham na direção da equipe da Rádio Difusora, se deu conta que seus comentários sobre o gramado mexeu nos brios da população local.

Jorge Caetano em seu estúdio, em Itajuípe

Após se casar, Jorge Caetano passa a residir em Itajuípe e continua a trabalhar no rádio esportivo. Com o tempo, se elege vereador, se torna presidente do Legislativo e passa a ser tratado pelos colegas – no ar – como o Repórter Presidente. Certa feita, viaja a Santo Antônio de Jesus com o narrador Orlando Cardoso, para transmitir uma partida entre o Leônico e Itabuna pelo Torneio de Acesso.

Só que o ônibus em que viajaram não entrava na cidade e desembarcaram na BR-101, com enormes sacolas de equipamentos. Aquela seria a última narração esportiva de Orlando Cardoso. Enquanto caminhavam em direção à cidade, comentavam a cena que viviam: dois radialistas e vereadores tendo que transportar aquela bagagem, por não atentarem para o itinerário do ônibus, até que uma providencial carona os salvaram dos fardos.

As transmissões do Campeonato Intermunicipal eram antecedidas por verdadeiras batalhas radiofônicas, insuflando a rivalidade entre os torcedores. Certa feita, numa partida entre os selecionados de Itajuípe e Coaraci, a animosidade se agravou. E os torcedores de Coaraci prepararam a vingança jogando pedaços de melancia, sendo que um delas bate na cabeça de Jorge Caetano.

Noutra feita, num jogo entre Cachoeira e Itajuípe, ao chegar ao estádio, um torcedor grita: olha, seu “fdp” se você gritar um gol aqui eu te jogo dentro do rio. Quando Jorge Caetano se dá conta, estava localizado no final da arquibancada, quase em cima do muro e o rio logo abaixo. A Seleção de Itajuípe ganhou por três a zero ele teve que narrar o jogo bastante apreensivo.

Todo o radialista, ao se preparar para a área esportiva, um dos métodos mais fáceis é se inspirar nos colegas famosos. E com Jorge Caetano não foi diferente. Mesmo não gostando de imitar, ouvia com atenção José Carlos Araújo, César Rizzo, Edson Mauro, Orlando Cardoso e Geraldo Santos, e às vezes até puxava nuances do estilo de cada um deles para sedimentar um estilo próprio.

Já com bastante experiência, um lance deixou o repórter Jorge Caetano bastante famoso. Jogavam no estádio Mário Pessoa Flamengo e Colo-Colo de Ilhéus. E o atacante do Flamengo, Parará, dribla dois zagueiros do Colo-Colo e dá um chute violento em direção ao gol, que passa raspando a trave. E então o narrador Paulo Kruschewsky aciona o repórter Jorge Caetano para completar a informação.

– Jorge Caetano, você viu que cacete?, pergunta o narrador.

Até hoje não se sabe ao certo a informação de Jorge Caetano, mas segundo a galera do radinho de pilha colado ao ouvido, ele teria dito:

– Vi, sim, Paulo Kruschewsky, estava em cima dele!

Mas garante Jorge Caetano, que a frase correta teria sido:

– Vi, sim, Paulo Kruschewsky, estava em cima do lance!

E essa passagem notabilizou Jorge Caetano para o resto da vida, que se orgulha de ter entrevista Pelé e outros grandes jogadores brasileiros. Atualmente Jorge Caetano se divide entre o site http://www.webnewssul.com.br/; a apresentação de um programa às segundas-feiras, ao meio-dia na FM 91,2; e o programa A Agenda da Cidade e transmissões esportivas na rádio web Pitangueiras FM.

*Radialista, jornalista e advogado

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

A AGRICULTURA SEM CÓDIGOS DE BARRA

 

A AGRICULTURA SEM CÓDIGOS DE BARRA

A feira de Coruripe (AL) - Foto Luiz Ferreira da Silva

Por Walmir Rosário*

Do alto dos seus 86 anos, o engenheiro agrônomo aposentado da Ceplac, Luiz Ferreira da Silva, continua em plena atividade intelectual. Assim que se formou em agronomia, em dezembro de 1963, se muda para Itabuna e inicia sua carreira profissional cuidando dos solos da região cacaueira da Bahia, inicialmente, e da Amazônia, posteriormente. Tem do que se orgulhar como um cientista que prestou relevantes serviços ao Brasil.

Aposentado, retornou para sua Alagoas, onde vive com a família. Aposentado, mas não inativo, como chamávamos os colegas que requeriam sua despedida da vida profissional na Ceplac. Se antes se debruçava para dar conhecimento do seu trabalho nos solos com 75 artigos técnicos e científicos, além de sete livros sobre solos e afins, sem o labor ceplaqueano produziu novas 25 obras literárias, muitas delas crônicas sobre a vida.

E por certo, novas virão, pois acredito que Luiz Ferreira não se transformará num inativo de verdade. Mas quero falar desta sua última obra: “A Agricultura sem códigos de barra para combater a fome no Brasil” (Scortecci Editora). E a apresentação do livro é das mais especiais, elaborada pelo seu colega – também ceplaqueano – Manoel Malheiros Tourinho, outro cientista de conceito internacional.

Tal e qual um Thomas More da era moderna, Luiz Ferreira continua pregando a Utopia, desta vez tentada, como fez durante todo o tempo em que atuou na Ceplac, estudando solos e propondo melhorias, com o que tinha de mais moderno nas praticas agrícolas. E nesses anos a cacauicultura deu um salto de produção e produtividade, enriquecendo as regiões cacaueiras do Brasil.

E o livro, segundo Luiz Ferreira, foi escrito em virtude de sua preocupação sobre a fome que se alastra de forma rápida no Brasil. Segundo ele, em números absolutos, hoje são 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer. E esses números chocham se levados em conta o índice da desigualdade: Enquanto 10% não têm do que reclamar, outros 90% carecem de políticas públicas para viver com dignidade.

O autor afirma ser inconcebível num país como o Brasil, de dimensões continentais, com solos altamente produtivos, que a produção de alimentos tenha muitos intermediários. E ele recorda de sua infância em Coruripe, com a fartura de alimentos na feira livre semanal (o primeiro shopping a céu aberto que conheceu). E diz ficar pasmo que hoje as pessoas comprem esses mesmos produtos em supermercados pagando altos preços e impostos.

E a fome não dá trégua, seja no interior ou nas grandes cidades – áreas urbana e rural. Se por um lado o Brasil tem grandes empresas estatais fomentadoras de tecnologia, nem sempre, e na maioria das vezes, esse serviço chega na ponta, por falta de visão e políticas públicas que contemplem aos produtores rurais, de acordo com sua especificidade, tamanho e produção, apesar das técnicas de extensão rural e da tecnologia de informação.

No entender de Luiz Ferreira, mesmo os assentados são incentivados a produzir produtos de exportação – para os ricos –, em detrimento da premissa de acabar com a fome da pobreza endêmica. Outro enfoque é a distribuição de terras, que não satisfaz as condições necessárias à fixação do homem no campo e com plena capacidade de produção, pois a maioria dos assentamentos fracassa.

Na realidade, o Brasil não é um país para amadores e compreendo a preocupação do Autor em ver a falta de políticas públicas para a agricultura, principalmente a de subsistência. E quando as políticas públicas são elaboradas nem sempre conseguem chegar na ponta, seja por falta de vontade governamental ou os constantes cortes, momentâneos ou definitivos no orçamento.

Pra mim, a insegurança do homem do campo é outro fator impeditivo da plena produção, principalmente em relação à política de partidos de esquerda em fomentar as invasões de propriedades, muitas vezes transformadas em assentamentos. E na maioria das vezes esses assentamentos nada produzem, embora recebam recursos governamentais, não para aplicar na produção, mas na manutenção da política e ideologia partidária.

Bons tempos eram aqueles em que os pequenos produtores rurais, mesmo com famílias numerosas, tinham orgulho em dizer que produziam de tudo no seu pedacinho de terra e que apenas compravam na cidade o querosene e sal. Atualmente, uma visão muito comum é que as pessoas que moram em fazendas, sejam grandes ou pequenas "buraras", adquirem, até mesmo o tempero verde nas suas compras semanais na cidade.

Reforço a qualificação de Luiz Ferreira como utópico, não a sonhada, mas a utopia tentada, como fizeram os técnicos e cientistas da Ceplac na renovação e ampliação da lavoura cacaueira. Ou como disse Thomas More na Utopia: “Sustentar que a miséria pública é a melhor salvaguarda da monarquia, é sustentar um erro grosseiro e evidente; onde se veem mais querelas e rixas do que entre os mendigos?”.

*Radialista, jornalista e advogado

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

O ITAJUIPENSE NOCHA, UM LATERAL DIREITO RESPEITADO

 

NOCHA, UM LATERAL DIREITO RESPEITADO

Seleção de Itabuna - Nocha, o penúltimo em pé, à direita

Por Walmir Rosário*

A célebre frase cunhada pelo zagueiro Moisés, em 1982, “zagueiro que se preza não pode ganhar o Belfort Duarte, aí perde o moral”, por certo não se aplicaria ao lateral direito itajuipense Nocha. Ele sabia como ninguém desarmar o adversário jogando o bom futebol, porém sabia ser viril quando a jogada merecia, muitas das vezes sem cometer falta, embora em alguns casos tivesse que parar o contrário com a energia necessária.

Nocha, que também atende por José Raimundo Freitas, do alto dos seus quase 81 anos, admite que sempre usou da habilidade e força necessárias para ganhar uma jogada nos clubes em que atuou, desde sua infância nos clubes de Itajuípe, até pendurar as chuteiras. E faz questão de ressaltar que nunca foi desleal com o adversário, pois sabia jogar futebol e não precisava recorrer à violência.

E foi justamente pela sua conduta em campo, destacando-se pelo futebol sério que jogava que foi descoberto pelos diretores do Bahia de Itajuípe, ainda menino, e levado para o time sensação do Sul da Bahia no final da década de 1950. E no Bahia de Itajuípe tanto fazia jogar no primeiro ou segundo quadro para ser reconhecido como um craque do futebol e cobiçado pelos clubes de Ilhéus, Itabuna e Salvador.

Na pujança do cacau, os cartolas do Bahia de Itajuípe – mesmo amador – iriam buscar um jogador que se destacava em qualquer cidade próxima, mantendo um verdadeiro “esquadrão de aço”. E como relembra Nocha, eles participavam da melhor vitrine do futebol do Sul da Bahia, recebiam constantes convites de outros clubes, na maioria das vezes bastante tentadores.

Ainda jovens, o que queriam eram jogar bola. E bem. Atrair a atenção dos amantes do bom futebol e ganhar presentes, fossem em dinheiro ou outros bens materiais como era praxe nos clubes amadores dirigidos por pessoas de grandes posses. Vencer uma partida era “bicho” garantido, um campeonato, então, o “carvão” caia direto. E na assinatura e renovação de contrato era só felicidade.

E assim Nocha recebe uma proposta tentadora do Janízaros, de Itabuna, e deixa o Bahia de Itajuípe. Com ele também mudam outros craques itajuipenses. No novo clube era uma garantia jogar na Seleção de Itabuna, que chegou ao Hexacampeonato ao vencer o Campeonato Intermunicipal Baiano por seis vezes seguidas. E Nocha era um desses craques vencedores.

Após vencer alguns campeonatos no Janízaros se transfere para o Flamengo de Itabuna, no qual também se torna vencedor de campeonatos. E Nocha nem se preocupa com a mudança de time, pois também jogava ao lado da “nata” do futebol itabunense, colegas na brilhante seleção de Itabuna. E era grande a rivalidade nesses clubes no campeonato de Itabuna, em que Janízaros, Flamengo e Fluminense se revezavam nos títulos.

E a rivalidade não era apenas nas torcidas. Dentro de campo, os colegas da seleção eram adversários e o lateral-direito Nocha tinha a obrigação de marcar o maior ponta-esquerda que se teve notícia em Itabuna, na Bahia e quiçá no Brasil, Fernando Riela. Mas essa contenda não abalava Nocha, que marcava seu oponente jogando o bom futebol. E a renhida disputa era equilibrada, com vantagens alternadas a cada jogo.

As décadas de 1950 e 60 foram notabilizadas pelo bom futebol, jogado por craques que prezavam a camisa que vestiam, principalmente na Seleção de Itabuna. E não era pra menos, a cada ano acumulava mais um título, vencido com galhardia, contra bons adversários, a exemplo de Ilhéus, Feira de Santana, Alagoinhas, Belmonte, Santo Amaro, São Félix, Jequié, dentre outros.

Merecem destaque a eterna rivalidade entre Ilhéus e Itabuna, duas das maiores seleções. E Itabuna sempre levou a melhor, desclassificando o selecionado ilheense, um timaço, como lembra Nocha, que faz questão de ressaltar nunca ter perdido uma partida para a seleção praiana. Outro destaque lembrado por Nocha foram as partidas jogadas contra os grandes times do Rio de Janeiro, em que jogavam de igual para igual. Sem medo.

Em 1967, com a fundação do Itabuna Esporte Clube, Nocha se profissionaliza e participa da primeira equipe que jogou o Campeonato Baiano de Profissionais, junto com outros colegas da Seleção de Itabuna. Quando sentiu que era chegada a hora de parar de jogar o futebol profissional, ainda no auge, deixa o Itabuna Esporte Clube. Poderia ter jogado mais um ou dois anos, mas preferiu sair por cima, deixando boa lembrança na memória dos torcedores.

Mas Nocha não abandonou o futebol e passou a atuar nos times amadores de Itajuípe, notadamente o Grêmio e o Santa Cruz, pelos quais disputou mais partidas. E por muitos anos continuou a jogar os babas, sempre com a mesma categoria e virilidade de antigamente. Hoje critica o futebol jogado pra trás, sem arte, que não empolga os torcedores e nem produz grandes resultados.

Prestes a completar 81 anos, Nocha mantém uma invejável forma física, passeia diariamente pelas ruas de Itajuípe, visita os amigos, faz compras e conversa sobre futebol. Com a simplicidade, diz não recordar muito do seu passado até a conversa fluir e relatar os bons tempos nos campo de futebol. Como diz o ditado: Quem foi rei nunca perde a majestade. E Nocha continua sendo uma referência no bom futebol do Sul da Bahia.


*Radialista, jornalista e advogado



Nocha, em sua casa, em Itajuípe

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

A Cronica de Walmir Rosário - Direto de Canavieiras-Ba

 

ORLANDO CARDOSO, A FORÇA DO RÁDIO NA CÂMARA

Orlando Cardoso, um exemplo sempre lembrado

Por Walmir Rosário*

Se o sucesso do narrador esportivo Orlando Cardoso multiplicava a cada dia, assim que passou a criar e apresentar programas de músicas e variedades, então, crescia exponencialmente. E a cada vitória da magnífica Seleção de Itabuna no Campeonato Intermunicipal seu prestígio aumentava, em função do seu amor pela equipe e forma apaixonada de transmitir as partidas e apresentar os programas.

Orlando Cardoso não apenas narrava o caminho percorrido pela bola e os jogadores, ele sabia transmitir emoção ao ouvinte, sentimento que se tornava comoção com os gols marcados pelos craques que comandavam o ataque do selecionado itabunense. Nos programas de músicas e variedades não era diferente, pois sabia tocar o coração, o fundo da alma dos ouvintes, com palavras de conforto, carinho e alegria.

Comunicador de palavra fácil (não confundir com Luiz Mendes, o comentarista da palavra fácil), não precisava empolar o texto, engrossar a voz, forçar o grave. Bastava falar ao ouvinte como fazia em sua vida normal, manter sua identidade. E assim tocava uma música, contava uma piada, mandava um alô com bastante intimidade ao amigo. Com isso ganhou cadeira cativa nas residências, nas empresas, onde quer que estivesse o ouvinte.

E Orlando Cardoso passou a ser um membro das famílias, e não raro recebia convites para almoços, aniversários, festas em geral. E passou a visitar essas pessoas com mais frequência, como retribuição ao carinho que era tratado. Certa feita, ao visitar uma pequena comunidade na área rural, foi recebido por quase toda a população, que fazia questão de ver pessoalmente o amigo que chegava diariamente pelas ondas do rádio.

Sua popularidade era tamanha que era tratado nas ruas com os bordões que utilizava. Em vez do tradicional bom dia, era cumprimentado de forma carinhosa: “É gol itabunense, torcida grapiúna”, ou “O barbante estufou, o escore mudou”. Foi aconselhado a postular uma vaga na câmara municipal, pois teria mais condições de solucionar os problemas da comunidade, muito deles reivindicados pelo rádio.

E Orlando Cardoso aceitou o encargo, mas pautou sua campanha de forma diametralmente oposta aos outros candidatos, sem as costumeiras promessas de fazer e acontecer, como se fosse o guardião do cofre municipal. De maneira singela, dizia não prometer nada, a não ser o empenho político, pois como nunca tinha sido vereador, não sabia com precisão o que poderia realizar, cumprir as promessas.

Os parcos recursos da campanha se destinaram à confecção de santinhos, dentre outras pequenas despesas inerentes. O sucesso e a confiança obtida no rádio foi transmitida à campanha vitoriosa. Legislou por dois mandatos de 6 anos e se tornou um vereador conceituado nos 12 anos em que passou no legislativo. Não barganhou votos, não negociou favores, mas se empenhou nas reivindicações da população.

Enquanto exerceu os mandatos continuou narrando partidas de futebol, apresentando seu programa radiofônico com a mesma desenvoltura de antes, distinguindo e separando as obrigações assumidas com os ouvintes e eleitores. E fazia questão de revelar sua conduta antes de depois de eleito, com a mesma seriedade que sempre pautou sua vida. Continuou sendo o Orlando Cardoso alegre, festeiro, atencioso de sempre.

Certa feita o vereador Orlando Cardoso foi procurado por uma pessoa do bairro da Conceição, onde morava e mora, solicitando seus préstimos no legislativo para propor um projeto de lei de mudança de nome de rua. Coisa simples, um parente – também amigo de Orlando e com prestígio no bairro – teria morrido e poderia ser homenageado emprestando seu nome na rua em que morou por muitos anos.

Sem querer desagradar a pessoa, o vereador Orlando Cardoso agradeceu e disse que se sentia honrado pela sua escolha e com toda a sinceridade que Deus lhe deu, propôs uma simples condição. Como a rua já homenageava outra pessoa, ele sugeriu que a proponente elaborasse um abaixo-assinado subscrito por todos os moradores endossando a mudança do nome da rua, que ele apresentaria o projeto.

Dois dias depois foi procurado pela mesma pessoa, que agradeceu a atenção do vereador e pediu que não desse andamento à proposição, pois na primeira casa em que ela teria visitado era justamente a da família do atual homenageado. E mais, teria tratado a proponente com aspereza e prometeu ir às vias de fato caso houvesse a mudança no nome da daquela rua. E não se falou mais nisso.

Nas votações de projetos importantes a Câmara de Vereadores se transformava num fervedouro, com a movimentação de políticos dos mais variados partidos e bancadas, representantes do Executivo cabalando votos para a aprovação ou rejeição. Na maioria das vezes com vantagens eleitoreiras. Nessas ocasiões, o vereador Orlando Cardoso ouvia a todos com atenção e manifestava seu voto de acordo com a importância do projeto e sua consciência, sem qualquer alarde.

Ao deixar a política continuou exercendo seu trabalho diário na apresentação de seu programa, a gravação de publicidade e a divulgação por meio de carro de som, gozando do mesmo respeito de antes. Até hoje, sempre que no meio político ou na comunicação alguém tece comentários sobre o comportamento dos vereadores, seu nome é lembrado como um exemplo a ser seguido.

*Radialista, jornalista e advogado

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Tempos idos - PRA MATAR A SAUDADE: ITABUNA DE CORPO E ALMA Itabuna 104 anos

 


Ramon Vane Santana Fontes
 
HOMENAGEM A ITABUNA
PRA MATAR A SAUDADE: ITABUNA DE CORPO E ALMA
Itabuna 104 anos

Itabuna una/ catibiribuna serramatutuna farifirifuna/eu te emendo com o meu remendo/ e te arremedo/ tu me metes medo assim crescendo/ tendo tantos duros muros/quanto submundos/cérebros de peixes eu canto sobre pedras o meu tietar/ o rio cachoeira tão lindo/ se poluindo no seu tempo indo/neste espelho eu vejo São Jorge guerreiro/ descendo da luz pra te clarear/tens todos os santos/que te acalmam os prantos no Terreiro de Oxalá/ ABC da Noite no dia tem batida com papo palestra do Caboclo Alencar/AM FM jornais regionais e três emissoras de TV no ar/releio tuas notícias sorvendo um gole no Café Pomar/ agora a novidade passeia livre no Shopping Jequitibá/tanto burburinho sem o Castelinho/nem o Teatrinho/ e nem mais cinemas o que é pior/mas seja nas ruas ou no Jardim do Ó/com poesia e grito o teu povo aflito só quer o melhor/desfile fanfarra na Cinquentenário que é sempre o farol/carnaval antecipado arregaçado futebol/ some medo que São José lá na Catedral já de mim tem dó/no Fórum Ruy Barbosa tua justiça é uma só/praças que fervilham/Olinto Leone José Bastos Adami Camacã/onde pega-se ônibus pra todos os bairros/do São Lourenço a Jaçanã/pois depois da festa o Galo Vermelho fica aberto até a manhã/de Ferradas o eco Nova Ferradas é repeteco/Santo Antonio ao Judas Tadeu cada um é teu/ Pontalzinho central caminho/Maria Pinheiro não foi o primeiro/mas nem tudo são flores na Vila das Dores/Tua beleza lembranças nunca acabadas /de tuas mulheres as presentes as futuras e as passadas/que seja luz o tempo inteiro tua Valdelice Pinheiro/viva tua arquitetura/é tão vária da prefeitura a rodoviária/esta cidade é extraordinária / de Jorge Amado estribilho/eu brilho/ no Centro de Cultura Adonias Filho/depois eu tomo um porre lá no Tico-tico que fica a caminho pro São Caetano/ que tem festa gorda de ano a ano/Mutuns é muito longe do Lugar Comum/e Firmino Rocha lá na ONU/tão bom subir e descer no Alto Maron/passear no Jardim Vitória ou sob as sombras da Góes Calmon/um ponto de concórdia a centenária Santa Casa de Misericórdia/muita luz na réplica da escola mística Rosa Cruz/Califórnia fez Nova Califórnia/Teus artistas em painéis públicos e teus atletas na Vila Olímpica ou fazendo gols no Estádio Luiz Viana/semana a semana Nova Itabuna se esparramando em URBIS IV/Jardim Primavera/Odilon/Daniel Gomes/Sinval Palmeira/expandindo sem besteira/tudo tudo ficaria sem ira se não erradicassem o Cantinho da Mentira!
Poema publicado também no meu primeiro de livro de poemas PÉ NO CHÃO E FLORES DE VERÃO - 2003 - lançado qdo completei 44 anos de idade - promoção da FICC (Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania)