sexta-feira, 26 de maio de 2023

A Cronica de Walmir Rosário

O INCÔMODO DAS REDES SOCIAIS

Tedesco e a cadeira naval de alumínio e Titânio

 Por Walmir Rosário*

Já faz um bom tempo que venho matutando sobre a minha participação nas ditas redes sociais. Esse é um incômodo que vem me atormentando terrivelmente e, às vezes, me sinto devassado, a ponto de não saber mais se sou eu quem me domino ou os chamados amigos e seguidores. Volta e meia acredito que as pessoas sabem mais ao meu respeito do que eu mesmo.

De um certo tempo pra cá passei a ser mais seletivo ao atender ao telefone celular. Não sei como, todo o mundo sabe de cor e salteado o número do meu aparelho e tentam falar comigo. Não sou uma pessoa mal-educada, isso é fato, mas não tenho condições de atendê-los a qualquer hora do dia ou da noite. E o que é pior, atendo amigos que nem sei quem são e como os tornei do meu ciclo de amizades digitais.

Constrange-me viver a dizer não a essa legião de amigos, que entram em contato comigo com a finalidade de me servir. E bem, diga-se de passagem. Oferecem-me de tudo, desde dinheiro emprestado, cartões de crédito com recursos consideráveis liberados para que eu compre até o que não preciso. Sinto-me lisonjeado com a bondade de amigos que nem conheço e a confiança que em mim depositam.

Não raro me oferecem condições especiais para conhecer o mundo inteiro em moderno e maravilhosos transatlânticos, em viagens temáticas onde me sentiria um rei. Por vezes fico balançado em singrar os mares gozando do luxo disponível, mas nem sempre me sinto corajoso a ponto de me tornar um Pedro Álvares Cabral, um Américo Vespúcio a descobrir terras desconhecidas. Minhas combalidas finanças não aguentam essas aventuras.

Bobagem, me dizem ao telefone. Você terá um prazo de parto de égua para pagar e em módicas prestações. Recebo uma aula das vantagens e do custo-benefício, das mordomias em terra e além-mar, do luxo das cabines, das quase 10 refeições diárias, da festa de gala com o comandante. E sem mais nem menos arrematam, basta apresentar seu cartão de crédito internacional que terá uma banda do mundo à disposição. Mas é aí que a porca torce o rabo.

Há algum tempo descobriram que sou uma pessoa religiosa e a partir de então minha caixa de Correios vive abarrotada. Recebo, regulamente, envelopes com terços, escapulários, fotos de santos, todas devidamente acompanhadas de um boleto com código de barras, onde descubro o preço dos mimos santificados a mim ofertados, desde que repasse uma contrapartida financeira.

O que mais me chama a atenção é que esses generosos amigos sabem tudo a meu respeito, como o número do telefone (é claro, não a operadora), o endereço, o tal do CPF, carteira de identidade e até o banco por onde recebo minha parca aposentadoria. Pelo que me lembro, nunca repassei esse tipo de informação, nem mesmo numa boa farra. Mas para nos ajudar os verdadeiros amigos fazem de tudo.

Num passado bem recente cheguei a receber – via e-mail – uma tentadora proposta de um corretor para adquirir uma linda e promissora fazenda no Mato Grosso, na qual poderia desfrutar de todos os prazeres da terra na casa mansão cercada de piscina, bares e churrasqueiras e áreas de esportes, enquanto administrava a propriedade. Aptidões não faltava para plantar soja, algodão e criar milhares de bovinos. Esse, sim, realmente é um amigo que quer o meu bem.

De vez em quando me pego pensando não ser uma pessoa sociável, pois nada faço para retribuir a amizade e generosidade quem têm para comigo. Sou incapaz de convidá-los para um fim de semana em casa, um almoço ou até uma chegada num bar para desfrutarmos umas cervejas com um belo torresmo mineiro. Juro a mim mesmo que mudarei essa minha personalidade individualíssima.

Mas confesso a vocês que nas redes sociais nem tudo são flores e já estou organizando uma lista para promover um corte na relação dos amigos de grupos de whatsapp, que enchem nossa paciência e a memória do celular. Esses, sim, são mais individualistas que eu, pois chegam ao cúmulo de firmar uma série de obrigações e, além de não cumprirem, ainda exijam que eu faça por eles.

Todos os santos dias recebo mensagens e mais mensagens com cartões onde fazem promessas aos seus santos padroeiros nos ameaçam caso não rezemos a quantidade de Pai Nosso e Ave Maria estipuladas. E é do tipo dá ou desce: se rezar sua conta no banco se encherá de dinheiro, mas caso despreze as recomendações todos os malefícios cairão sobre nossa descoberta cabeça. Fazem promessas e querem que eu pague. Porreta!

Prometo que deixarei as redes sociais e me aliarei ao capitão Miguel Fróes, ao comandante de longo curso Tedesco e ao artista plástico Eliomar Tesbita no estudo semanal das ilhas e barras canavieirenses. Singraremos da Barra Velha à Barra do Albino, com paradas para estudos e lazer, sem qualquer compromisso com redes sociais. Falta-me apenas adquirir uma cadeira reforçada como a de Tedesco, feita de alumínio e titânio para instalar na lancha, um reforçado isopor para as cervejas e zarpar na próxima viagem.

Sem qualquer sinal de internet!

*Radialista, jornalista e advogado

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Você sabia que existe a sensação oposta ao do “déjà vu” que é chamado de “jamais vu”?

 Você sabia que existe a sensação oposta ao do “déjà vu” que é chamado de “jamais vu”?


Déjà vu é uma expressão francesa para “já visto”, que descreve a sensação psicológica de já presenciar uma coisa antes, ver um lugar, ou reconhecer uma pessoa, ficando bastante conhecida na cultura popular com o filme “Matrix”, por exemplo. Já o seu oposto, o jamais vu (francês para “jamais visto”), é quando você conhece uma coisa, mas ela parece infamiliar. Pode ser confundido com perda de memória de curto prazo, mas como aponta o pesquisador de memória Chris Mounlin, o jamais vu é a sensação de desconhecimento por algo que não foi esquecido.

Apesar de ser mais raro que o déjá vu, um exemplo comum de jamais vu é quando você olha para alguém muito familiar, como sua mãe, e de repente acha seus traços novos ou incomuns, fazendo ela parecer uma estranha, mas, ao mesmo tempo, você sabe que não é uma impostora.
As pessoas geralmente não comentam quando isso acontece porque pode ser recebido como ceticismo por outras pessoas, explica Moulin.
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sexta-feira, 19 de maio de 2023

Direto de Canavieiras - A Cronica de Walmir Rosário

 

GOLEIRO, UMA POSIÇÃO AMALDIÇOADA

Pires ganhou um saco cheio de dinheiro como o "bicho"

Por Walmir Rosário*

Há muito se transformou em verdade todas as estórias contadas sobre o goleiro e a área que ocupa em campo, e nem mais se discute se mito ou verdade, pois já estão encravadas na memória do torcedor. É muito sacrifício para alguma remota chance de reconhecimento desses nem tão gloriosos jogadores, que em uma só partida de futebol podem empreender um voo do céu ao inferno em poucos segundos.

Se realmente é uma posição maldita não posso provar, me faltam argumentos científicos, embora restem aquelas conversas por ouvir dizer, empíricas e bisonhas, cuja a verdade é largamente escamoteada. E a primeira delas é que na área em que o goleiro pisa não nasce grama e chega a ser comparada popularmente com o local em que as éguas fazem xixi. Dizem que queima a grama. Os biólogos e botânicos que expliquem.

Dos grandes goleiros que conhecemos os dissabores passados por eles são terríveis, que o diga o do Vasco da Gama e da Seleção Brasileira da copa de 1950, Barbosa. Pagou um preço altíssimo por uma mercadoria que não recebeu. Outro grande do Fluminense e da seleção canarinha, Castilho, chamado de Leiteria, pediu ao médico para amputar um dedo e continuar jogando futebol. E fez isso com a maior tranquilidade que Deus lhe deu.

Manga, do Sport, Botafogo, Seleção Brasileira, Internacional, Operário-MS, Coritiba, Grêmio, Nacional do Uruguai, Barcelona de Guayaquil, é um capítulo a parte a ser estudado. Em todas as duas mãos os dedos são tortos, já que quebrados, mandava tirar o gesso para jogar partidas consideradas importantes com a maior naturalidade do mundo. E está aí para quem quiser ver.

Voltando aqui pra dentro de casa, em Itabuna, tivemos goleiros magistrais, como Asclepíades, Carlito, Plínio, Ivanildo, Luiz Carlos, Tirson, Padre, Pires, Laércio, dentre outros que a memória não alcança agora. Mas não podemos esquecer de Betinho, que jogou no Itabuna, foi levado por Pelé para o Santos, poderia ter chegado à Seleção Brasileira de 1970, e não conseguiu se manter na carreira por preferir as homéricas farras.

E aqui poderia gastar muito mais tinta para enumerar os conhecidos arqueiros, que conseguiram chegar ao êxtase, mas que também experimentaram o sofrimento e a tristeza. Existe cena mais degradante que um goleiro sofrer um gol e ter que pegar a bola nos fundos da rede e entregá-la para que o jogo recomece? Pior, ainda, são as comemorações dos adversários, tudo cara a cara. Mesmo que salve um pênalti depois não alcançará honras maiores.

Como diz o ditado popular, araruta também tem seus dias de mingau. Em 1960/61 jogavam o Janízaros e Botafogo pelo Campeonato de Amadores de Itabuna. E não era um jogo qualquer, pois o Botafogo precisava da vitória e o Janízaros do empate para chegarem às finais do Campeonato do Cinquentenário da cidade. Todos queriam vencer e se classificar para a finalíssima do certame mais importante dos 50 anos de Itabuna.

Como a situação era diferente entre as duas equipes, o Botafogo lutaria para ganhar e ao Janízaros interessaria o empate para disputar com Fluminense, já devidamente classificado e que assistia tudo de camarote. Um dos diretores do Janízaros, Hemetério Moreira, nem quis assistir ao jogo e viajou para Salvador com receio do coração disparar durante a partida. Preferiu não ver a partida.

Perto da final do segundo tempo, o árbitro marca um pênalti contra o Janízaros. Uma ducha de água gelada para os atletas do Janízaros, que sequer questionaram a penalidade máxima. E nesse silêncio ensurdecedor, o goleiro do Janízaros, Antônio Pires, ouve uma voz gritar: “Ninguém mexe na bola, essa é minha, deixa comigo”, era o centroavante Danielzão, um dos mais potentes chutes de Itabuna.

Danielzão pega a bola com as mãos, coloca-a em frente ao seu rosto, e lança um olhar demorado sobre a pelota. Em seguida, descortina um olhar penetrante para o goleiro Pires. E os dois olhares se cruzam por alguns instantes. Nisso Danielzão cospe na bola, volta a fitá-la, e lentamente coloca a pelota na marca do pênalti, sobre o olhar rigoroso do árbitro. Em baixo dos três paus Pires observa a tudo com bastante atenção.

Para surpresa das torcidas do Janízaros e Botafogo, Danielzão recua até próximo do meio de campo, e ao ouvir o silvo do apito do árbitro, o vigoroso centroavante inicia uma corrida em direção da bola e a chuta. Ela viaja a boa altura ao lado esquerdo do goleiro. A bola dispara tal e qual um tiro de canhão, como se tivesse a finalidade de furar a rede. Quando menos se espera, Pires salta com os dois punhos cerrados em frente a cabeça e bate na bola. Eis que ela desvia tocando na trave e tomando o caminho da linha de fundo.

Pires salva a pátria e Danielzão não acredita no que vê, nunca perdeu um gol daquele. A torcida do Botafogo silencia, enquanto a do Janízaros comemora como se tivesse feito o gol da vitória. Em outras palavras, sim, era o passaporte para a final frente ao Fluminense. No dia seguinte, Hemetério Moreira chega de Salvador e passa na casa de Pires, em Itajuípe, com um saco cheio de cédulas de cruzeiros. E ele nem contou. Era o bicho por ter garantido vaga na final.

No próximo domingo seria dia de decisão. O Janízaros voltaria a campo para disputar o título do centenário contra o Fluminense. Mas aí é outra história.

*Radialista, jornalista e advogado

sexta-feira, 12 de maio de 2023

HÁ 60 ANOS NASCIA O CEPEC, SEM PRAZO DE VALIDADE

 

HÁ 60 ANOS NASCIA O CEPEC, SEM PRAZO DE VALIDADE

A Fazenda Corumbá se transformou no Cepec

 Por Walmir Rosário*

Parece que foi ontem! Esta é a impressão que o engenheiro agrônomo Luiz Ferreira da Silva deixa transparecer no livro “A Fazenda Corumbá que virou Ciências (Cepec), 60 anos atrás”. Em janeiro de 1963, ainda com o diploma cheirando a tinta, ele aporta em Itabuna para iniciar sua vida profissional no ainda embrionário Centro de Pesquisas do Cacau (Cepec), mais ou menos convicto das dificuldades que o esperavam.

Assim que recebeu o diploma na Escola Nacional de Agronomia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) passou a analisar três propostas de trabalho: da Acar-ES, da Sudene, em Pernambuco, e do Ministério da Agricultura no Sul da Bahia, em convênio com a Ceplac. Duas dessas bastante conhecidas e conceituadas, e ainda por cima, já estava com a passagem aérea enviada pela Sudene para iniciá-lo no emprego.

Mas, por ironia do destino, Luiz Ferreira se influencia com uma explanação do engenheiro agrônomo Frederico Afonso sobre o início da operação da Ceplac na cacauicultura, inclusive com o levantamento dos solos da região cacaueira. Bom aluno de matéria Pedologia, ainda teria o seu professor Marcelo Camargo, como orientador. Soube de todas as dificuldades que passaria numa região inóspita, mas resolveu topar a parada.

Luiz Ferreira da Silva

E assim, em 22 de janeiro de 1963, Luiz Ferreira desce do Dart Herald da Sadia no aeroporto de Ilhéus para correr os quatro cantos das terras do cacau. Nesta época, o Cepec, que se transformou no maior centro de pesquisas de cacau do mundo, sequer existia. Pelo que ele conta, o ditado “tirar leite de pedra” era verdade e a ciência começava a ser feita numa casa sede da Fazenda Corumbá.

Sob a coordenação de Paulo Alvim, entomologistas, fitopatologistas, fisiologistas, dentre outros especialistas se juntaram à equipe de pedologia, entre eles os geólogos Paulo Ganem Souto e Pedro Barbosa de Deus. E os novos cientistas vasculharam toda a região cacaueira fazendo o levantamento de solos, sejam nos jipes pretos da Ceplac, no lombo de burros, a pé e até por avião, com o levantamento aerofotogramétrico.

Enquanto o corpo técnico desbravava fazendas de cacau, a Ceplac construía a sede do Cepec, adquiria equipamentos de ponta para a pesquisa, contratava novos profissionais de áreas afins. A proposta era solucionar, vez por todas, os problemas da cacauicultura baiana, custe o que custar, analisando dentro e fora das porteiras. Apenas o crédito não bastava, era preciso ter boas plantas e repassar as técnicas aos produtores.

E o Cepec se tornou a maior sede da ciência por metro quadrado, com engenheiros agrônomos, biólogos, geólogos, economistas, sociólogos, profissionais de laboratórios e técnicos agrícolas que se teve notícia. A repercussão foi bastante positiva também nas áreas urbanas, com o imenso volume de conhecimento espalhado por toda uma região, sem falarmos na forte injeção de recursos vindos para os projetos, insumos e salários.

Os que aqui chegaram fincaram raízes, formaram famílias, numa nova e mais ampla miscigenação da região cacaueira da Bahia. Transformou a economia para melhor e a cacauicultura foi esse carro-chefe por longos anos. Novos cacaueiros, adubações de solo eficientes, defensivos agrícolas mais qualificados, ampliação da produção e a produtividade do cacau. Saímos do gravame à fartura dos dólares no preço do cacau.

A frase dita pelo presidente Ernesto Geisel numa visita à região e à Ceplac: “Feliz do Brasil se tivesse 20 ou 30 Ceplac” ecoou por muito tempo e encheu de orgulho não só os ceplaqueanos, mas todo a nação grapiúna e sul baiana. No livro, Luiz Ferreira mostra com dados a produção de resultados altamente satisfatórios, com recursos aplicados na infraestrutura regional. Ganhamos estradas, energia elétrica, água tratada, telefone, porto, universidade. Traduzindo: a nação grapiúna ganhou dignidade.

Aposentado há alguns anos, Luiz Ferreira, que foi diretor do Cepec e da Ceplac Amazônia, continua publicando artigos e livros sobre a cacauicultura, sempre com sugestões da ampliação e melhoramento da cacauicultura, uma atividade altamente rentável e de proteção à Mata Atlântica. Aos 86 anos, esse alagoano que resolveu enfrentar as dificuldades em prol da cacauicultura continua impregnado pelo visgo do cacau.

O livro “A Fazenda Corumbá que virou Ciências (Cepec), 60 anos atrás” tem a apresentação de outro pioneiro da Ceplac, Lício de Almeida Fontes e suporte fotográfico e de informações do técnico agrícola José Rezende Mendonça, também dos tempos da Fazenda Corumbá. A Scortcci Editora produziu o livro. É um bonito passeio pela história da Cacauicultura, inclusive a queda da Ceplac. Vale a pena dedicar algumas horas de leitura.

*Radialista, jornalista e advogado

segunda-feira, 1 de maio de 2023

MUITA ÁGUA, POUCA LUZ, É A NATUREZA - A Cronica de Walmir Rosário

 

MUITA ÁGUA, POUCA LUZ, É A NATUREZA

As fortes chuvas em Canavieiras inunda a área rural

Por Walmir Rosário*

Já diziam os mais antigos que é impossível lutar contra as coisas divinas, ou da natureza, como queiram. E a cada dia os sinais que recebemos ficam mais visíveis, reais. Somente não vê quem não quer. Mas, ousado como sempre fui, acrescento aqui que o tal do homem contribui bastante para acentuar as catástrofes que nos importunam a cada dia que passamos nesta terra.

Não podemos – nem devemos – desconhecer que usamos a ciência para desenvolver nossa vida, embora fechamos os olhos para em temas que não nos interessam, seja pelo alto custo financeiro, ou por puro descaso. O meio ambiente é o mais desprezado e nos atinge em cheio com as chuvas ou a falta delas. Se chove muito pedimos para parar, se a estiagem é prolongada rezamos para chover.

Desde a semana passada que os cientistas do tempo e clima nos alertavam para as fortes chuvas que se abateriam no sul da Bahia, recomendando cuidados especiais aos moradores ribeirinhos e praianos. E pergunto: fazer o quê? Não sair para pescar e evitar os fortes ventos e o mar revolto, ou não enfrentar as estradas para não dar de cara com as barreiras caídas, são simples precauções.

Mas não temos como evitar a força das águas enchendo e transbordando rios, derrubando casas nos morros, causando enormes prejuízos materiais, notadamente junto aos menos abastados financeiramente. Pior, ainda, são os danos morais sofridos por famílias inteiras ao ter que deixar suas casas e se abrigarem – coletivamente – em escolas, estádios de futebol, além de chorar a perda de seus familiares, mortos nos deslizamentos de terra.

Eu, pelo menos, não me sinto consolado com os anúncios dos governantes nas mídias, anunciando verbas a não acabar mais, para a reconstrução de estradas, moradias, construção de novas casas e tudo o mais que puderem prometer. Entra ano e sai ano, pasmem, os recursos não chegam, as obras não são construídas e aos moradores das encostas e baixios só restam rezar aos seus santos padroeiros para continuarem vivos.

Em Canavieiras não é diferente. Se não existem os morros e encostas, sobram rios e riachos em terras planas, muitas delas mais baixas que os cursos d’água e que formam grandes bacias. Quem mora nas redondezas não tem opção e só resta aguardar, pacientemente, as águas baixarem. Muitos deles, de forma inteligente, constroem suas casas no sistema palafita, para se livrarem de prejuízos maiores.

Não pensem os senhores que os prejudicados são apenas os ribeirinhos e moradores das encostas. Com o estrago feito pelas chuvas chega o desabastecimento de víveres, provocando o aumento nos preços, além do corte de outros serviços, a exemplo do fornecimento de energia elétrica, por conseguinte, de água. Pasmem! Quem mora ou morou em Canavieiras sabe muito bem os transtornos causados pela falta da eletricidade.

Neste domingo (23 de abril) à noite, enquanto orava em casa para que São Pedro desse uma trégua, fechando as torneiras celestiais, fomos surpreendidos pela escuridão. Se tínhamos água à vontade, ficamos desprovidos de energia elétrica. Um apagão geral em toda a cidade, nos privando do uso dos avanços da tecnologia, como a internet, o telefone, a televisão e o ar-condicionado. Isso até o dia seguinte.

Situações como essa me remete  muitos anos, quando era bastante comum a falta de energia elétrica em toda a Canavieiras. Por aqui se festejou bastante e até foi decretado feriado quando a Companhia Elétrica Rio de Contas (Cerc) trocou o velho motor pela energia da barragem do Rio de Contas. Foi um avanço e tanto, embora os transtornos continuaram, em escala menor, a bem da verdade. Pelo menos os os dissabores eram levados na gozação.

Veio a Coelba e a energia não resistia a uma pequena chuva por anos a fio. Desde os tempos em que a Cerc imperava as constantes falta de energia elétrica eram creditadas ao humor do chefe local, Valdemar Broxinha, o que não concordo. Penso eu que como Valdemar era implacável com o consumidor inadimplente, todas as culpas pelos apagões recaiam sobre ele, haja vista sua severidade no trato administrativo.

Na Confraria d’O Berimbau, local em que Valdemar Broxinha gozava de largo prestígio, principalmente se chegasse com o violão, era sobejamente comentada as suas peripécias com um influente político mandatário baiano. Os comentários versavam que assim que chegava o avião com a autoridade, ele providenciava um apagão, somente para alimentar os pernilongos com o sangue “azul” do executivo.

De outra feita, ao ser transferido para a vizinha cidade de Itapebi, se encontrava em pleno lazer no clube social, quando foi procurado por um serventuário da justiça, com um chamado urgente. O motivo era simplesmente porque a juíza da comarca se encontrava às escuras, com a energia de sua residência cortada por falta de pagamento. E a culpa não era da magistrada, mas da prefeitura, dona do imóvel, que não pagou a conta da energia.

Apesar do rigor que o caso requeria, com pose de autoridade e boxeador, Valdemar Broxinha foi logo apresentando a solução: “A doutora tem que chamar o prefeito às falas, pois essa não é a maneira correta de tratar uma autoridade como Vossa Excelência, ainda mais não pagando as contas devidas”. E se despediu garantindo que no dia seguinte, assim que a conta fosse paga a ligação elétrica seria imediatamente restabelecida.

Valdemar Broxinha sempre foi um homem de palavra. Sofríamos, é verdade, mas era divertido.

*Radialista, jornalista e advogado