sexta-feira, 26 de abril de 2024

A Cronica de Walmir Rosário - Direto de Canavieiras

 

BEL, CRAQUE COM CURRÍCULO DE CAMPEÃO

Na montagem, Bel campeão pelo Fluminense em 1966, e
na Seleção de Itabuna ao lado de Santinho e Tombinho 

Por Walmir Rosário*

Se hoje em dia os clubes famosos do continente europeu espalham olheiros mundo afora em busca de promessas de novos craques, nas décadas de 1950 e 60 já tínhamos nossos agentes secretos, se bem que paroquianos, no entorno de Itabuna e Ilhéus. E eles funcionavam bem, descobrindo craques nos bairros e nas pequenas cidades. E posso atestar que eram craques de mão cheia.

Um desses é Abelardo Brandão Moreira, que respirava o futebol a partir de casa, passando pelos campinhos, quadras de futebol de salão até chegar de vez no Campo da Desportiva, templo sagrado do futebol itabunense. E aos 15 anos, calçava chuteiras e o uniforme rubro-negro do Flamengo de Itabuna, considerado um “ninho de cobras”, dada a qualidade do plantel.

E o craque, ainda com a cara de menino, disputava a bola nos gramados com o que tinha de melhor no futebol itabunense. Entrava em campo numa boa e distribuía passes magistrais aos companheiros em campo, grande parte titulares ou reservas da notável Seleção de Itabuna, a hexacampeã baiana. E não podia ser diferente, em 1963 se sagra campeão de Itabuna, num certame pra lá de disputado.

E no Flamengo Bel dividia parte do campo com Luiz Carlos, Nocha, Piaba, Abieser e Leto; Waldemir Chicão e Tombinho; Gajé, Nélson Piroca, Caçote e Luiz Carlos II. Nesse time ainda jogavam craques do quilate de Carlos Alberto, Péricles, Zé David, Maneca, Tertu, Santinho e Zequinha Carmo, e como promessas, Lua e Bel. O técnico era Gil Nery, o mesmo da Seleção de Itabuna. Quem viu não consegue esquecer o bom futebol praticado.

Em 1964 Bel recebe o convite para integrar o Janízaros e se muda com armas e bagagens, levando consigo um futebol em plena ascensão. Foram dois anos de sucesso, reinando absoluto no campeonato itabunense, condecorado com as faixas de campeão por dois anos seguidos – 1964 e 1965. Para coroar sua carreira também foi convocado para a Seleção de Itabuna, penta e hexacampeã baiana.

O Janízaros era um esquadrão formado pelo goleiro Luiz Carlos, Humberto, Ronaldo, Itajaí e Albérico (Toba); Bel e Tombinho; Neném, Pinga, Marinho e Wanderlei. O plantel ainda contava com Biel, Evaristo, Carlos Viana, Américo, Nego, dentre outros. Em três anos de futebol amador, três títulos de campeão consecutivos, marcando positivamente o início da carreira futebolística que abraçara.

Mas o futuro era bastante promissor e em 1966 Bel se transfere para o Fluminense. Se reencontra com colegas de outros clubes, num time formado por Luiz Carlos, Amaro, Ronaldo, Santinho, Amilton, Carlos e Fernando Riela, Waldemir Chicão, Ratinho, Totonho, Carlos Antônio, Orlando Nabizu, Wanderlei, Jonga e Humberto, dentre outros. E neste ano, mais uma vez, levanta a taça de campeão itabunense.

E em 1967 uma mudança revoluciona o esporte do Sul da Bahia, com a profissionalização do futebol. Em Ilhéus, Flamengo, Vitória e Colo-Colo; em Itabuna, o recém-criado Itabuna Esporte Clube representa a cidade. Bel encerra a fase amadora e é contratado como profissional pelo Itabuna Esporte Clube. Em 1968 se transfere para o Colo-Colo de Ilhéus, clube em que joga até 1969.

Em 1970, Bel continua jogando na vizinha cidade praiana, mas desta vez pelo recém-criado Ilhéus de Futebol e Regatas. No ano seguinte retorna ao Itabuna Esporte Clube, onde fica até julho de 1972. Em agosto (72) é contratado pelo Atlético de Alagoinhas para disputar o Campeonato do Norte e Nordeste, retornando ao Itabuna em 1973, quando decide parar a carreira, embora continue ocupando outros espaços no futebol.

No ano de 1976 volta ao Itabuna Esporte Clube, agora para emprestar todo o conhecimento adquirido em anos de futebol. Exerceu os cargos de treinador de goleiros, auxiliar técnico, muitas vezes assumindo o comando técnico da equipe. Em 81 foi auxiliar e técnico do Itabuna juvenil. Mais tarde, também a convite de João Xavier, treinou várias categorias de Masters da AABB de Itabuna.

Jogador clássico, de chute certeiro e passes longos e milimétricos, Bel foi convidado por clubes do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Aprovado no Botafogo, por questões particulares preferiu voltar a Itabuna. Junto com Déri, Caxinguelê e Juvenal, em 1967 treinou no Atlético Mineiro. Aprovados, não continuaram no “Galo Mineiro” devido aos baixos salários e péssimas condições moradia e trabalho.

Em 1969, convidado pelo Flamengo, retorna ao Rio de Janeiro e é aprovado pelo clube da Gávea, onde permanece por cerca de 40 dias em treinamento. Mais uma vez decide retornar a Itabuna, agora pela falta de um empresário que cuidasse de sua vida profissional. No rubro-negro carioca tinha que disputar espaço no meio de campo com craques a exemplo de Carlinhos, Liminha, Cardosinho, o paraguaio Reyes e Zanata (estourando a idade).

E assim, após mais de 25 anos de dedicação ao futebol, se transferiu para a atividade privada e, em seguida passa a ocupar cargo no Poder Judiciário, inicialmente na Justiça de Defesa do Consumidor (1991), e depois, em 1993, é aprovado em concurso público para a Justiça do Trabalho, se transferindo para Teixeira de Freitas, retornando a Itabuna após a aposentadoria.

Bel, um craque a ser sempre lembrado.

*Radialista, jornalista e advogado


quinta-feira, 4 de abril de 2024

GUERRA E PAZ ENTRE PAPA-JACAS E PAPA-CARANGUEJOS

GUERRA E PAZ ENTRE PAPA-JACAS E PAPA-CARANGUEJOS

A camisa criada por Afonso Dantas desperta o
sentimento de pertencimento do itabunense

Por Walmir Rosário*

Guardo muitas recordações dos tempos de menino, entre elas as boas brigas por apelidos, gentílicos, etnônimos, topônimos, principalmente os vistos como depreciativos. E não era pra menos, imagine um itabunense ser chamado taboquense, por ser Tabocas o nome do distrito que deu origem a Itabuna. Pior, ainda, e totalmente sem cabimento, o nascido em Itabuna ser chamado de papa-jaca pelos ilheenses. Por pouco não é declarada uma guerra, finalmente, pacificada agora por Afonso Dantas.

Eu mesmo já sofri muito com os preconceituosos gentílicos por ter nascido em Ibirataia-BA, nomeada de Tesouras quando ainda distrito de Ipiaú (também papa-jaca). Em 1960, finalmente, Ibirataia ganha sua “carta de alforria” e passa a ser cidade, município. Para fazer a população e os “de fora” se acostumarem com o novo nome, o prefeito teria tido uma conversa de pé de ouvido com o delegado, que proibiu Ibirataia ser chamada de Tesouras. E as ameaças não eram poucas, inclusive com a permanência de uns dias de xilindró.

Mas em Itabuna era inaceitável ser chamado de papa-jaca, notadamente pelos ilheenses, que não se conformavam em ter perdido o domínio sobre a nova Itabuna, mormente pelos contos de réis que embolsavam nos tempos de Tabocas. Pois bem, a rivalidade era acirrada, pois Itabuna se agigantava e exibia uma Associação Comercial (em Ilhéus ainda não exisitia), ganhava no futebol, no comércio, enfim, ameaçava – de verdade – a hegemonia de Ilhéus.

Como não sou historiador, não fui nem irei à cata de documentos para fazer as devidas comprovações do que digo, pois sabidamente está na boca do povo. E o gentílico papa-jaca nasceu por pura inveja dos ilheenses, pelo simples fato dos itabunenses ignorarem, também, os restaurantes e pensões de Ilhéus, quando iam à praia da Avenida. Na carroceria de caminhões, os itabunenses levavam seu farnel, reforçado com feijoada, farofa de jabá e uma boa jaca, saboreada como sobremesa, para a inveja dos ilheenses.

Depois disso, pelo que soube por gente da minha inteira confiança, e fui conferir que até o conterrâneo Jorge Amado (ele itabunense de fato e eu por direito), no livro Terras do Sem-fim, renegou a origem e descreveu ser o papa-jaca gente de Itabuna, pessoas rústicas, mulheres de comportamento duvidoso e homens violento, às vezes cornos. Fiquei puto da vida, mas não vou brigar com um conterrâneo, e que já se foi deste mundo.

Inconformados com a independência e altivez do itabunense, os ilheenses partiram para a galhofa, retrucada em seguida com o gentílico papa-caranguejo, por motivos óbvios. Aí é que rivalidade aumentou, chegando às raias do quebra-pau. Lembro-me que à época o sentimento de pertencimento com a cultura popular não era aceito e os gentílicos e etnônimos malvistos e resolvidos na porrada.

Mesmo em tempos recentes, um desprestigiado e despudorado juiz de direito (hoje ex) chegou a tentar denegrir o presidente da OAB itabunense, tendo o desplante de chamar o causídico de papa-jaca, como se ofensa fosse. Em resposta, no Forró do Advogado, em pleno Alto Beco do Fuxico, foi esculachado em uma música criada pelos advogados itabunenses, que foi hit por meses a fio, colocando o tal do então magistrado em seu devido lugar, o lixo.

Com o passar do tempo, os malvistos passaram a ser benquistos e incorporados como bens imateriais. E cito aqui um fato comprobatório: Na década de 1970, o paratiense, cujo gentílico era papa-goiaba, recusava terminantemente ser chamado de Caiçara, rebatendo o adjetivo, por considerar pejorativo e somente se aplicar aos moradores do litoral paulista, e não aos “beiradeiros fluminenses”. Hoje acredita ser um deles e aceita os dois gentílicos com todos os mimos.

Mas voltando à nossa paróquia, já aceitamos e adotamos os gentílicos e etnônimos, mesmo que os topônimos não tenham nenhuma ligação. Nada mais chique do que desfilar por aí – em Itabuna, Ilhéus, Salvador, Nova Iorque ou Paris – com uma vistosa camisa criada pelo publicitário e cronista Afonso Dantas, com a bela figura de uma jaca ricamente estampada, arrematada logo abaixo com a pomposa legenda: Papa-jaca. Tudo isso teve início quando Afonso passou a criar camisas com gírias e expressões tiradas das raízes mais profundas do vocabulário “baianês”. Lá ele! Tô fora!

É de meter inveja aos ilheenses, que ficam putos da vida, por sentir o efeito contrário da galhofa: em vez da raiva anterior, o itabunense demonstra sabedoria e pertencimento. Trocando em miúdos, fez do limão uma limonada. E o projeto de Afonso Dantas não se resume a Itabuna, pois muitas cidades da região cacaueira – a nação grapiúna – esnobam as demais, e apresentam a jaca como figura e adereço cultural maior.

A criação das camisas ganhou o mundo, como já disse, e elevou a autoestima do itabunense, papa-jaca sim senhor, e com muito orgulho. Tanto assim que perdoou o conterrâneo Jorge Amado, acreditando ter sido influenciado pelos coronéis ilheenses da época, putos da vida com o desenvolvimento de Itabuna. Hoje, papa-jacas e papa-caranguejos dividem e convivem o mesmo espaço praiano com a mais perfeita harmonia.

Daqui de Canavieiras, onde me refugiei há mais de uma dezena de anos, tomei ciência que o gentílico papa-caranguejo é palavra corrente para distingui-los. E como se não bastasse, eles ainda ressaltam que é a iguaria mais gostosa, além das mais belas pernas da Bahia. Sem qualquer descortesia, Trajano Barbosa utilizou o caule da jaqueira como mastro na festa do “Pau de Bastião” por mais de 60 anos, na famosa festa da Capelinha.

Nada mais brega do que a velha rivalidade entre papa-jacas e papa-caranguejos.

*Radialista, jornalista e advogado