sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

A Crônica de Walmir Rosário - Direto de Canavieiras

 

COM QUE ROUPA EU VOU, ESSE É MEU DILEMA

Réveillon na praia da Costa, em Canavieiras

Por Walmir Rosário*

Todo fim de ano me embaraço com o dilema da escolha da roupa que vestirei no Réveillon, seja num evento externo, que merece uma apresentação de razoável para cima, ou em casa, quando não chega a tanto, mas nem por isso tampouco. Pra começo de conversa, não sou daqueles que sabe a combinação ideal das peças de roupas, como os desenhos verticais e horizontais, as cores dissonantes, e por aí afora.

É sempre assim! Por mais que tente, não consigo me conscientizar suficientemente sobre a harmonia de cores e tons, muito menos as mais apropriadas para cada ocasião. É uma lástima! Mas nem me incomodo, embora não posso dizer o mesmo em relação ao que pensa a minha mulher, sempre a dar pitacos sobre o caimento e as disparidades. Não adianta, não consigo fazer essas aulas entrarem em minha cabeça.

Se hoje incorro, constantemente, nos mesmos erros, com um guarda-roupas pra lá de sóbrio, imaginem no século passado, a partir das décadas de 1960/70 e mais um pouco, com as roupas extravagantes que ditavam a moda. Ainda lembro das camisas estampadas, nas quais as cores fortes formavam desenhos de caracóis e outras figuras fractais, bastantes chamativas.

As calças bocas de sino do mais legítimo brim americano índigo, das marcas Levi’s, Lee, ou as nacionais, mais modestas, a exemplo da far-west da Alpargatas, Topeka ou Calhambeque. Sempre mudávamos o visual usando as calças coloridas, imitando os grandes artistas do Rock internacional ou da Jovem Guarda brasileira. Uma noitada ou uma domingueira nos clubes mereciam trajes escolhidos com esmero.

Com o tempo, os ditadores internacionais da moda entraram num clima de relax e nos fizeram mudar o guarda-roupa, com tons mais amenos, no máximo, tons sobre tons, o que perdura até hoje, guardadas as devidas proporções. Mas então volto a me complicar com as vestimentas para o dia e para a noite, os eventos sóbrios e os alegres, os complementos como os blêizeres.

Confesso que acho muito complicado se apresentar nesses eventos do dia a dia, quanto mais nos temáticos. E o pior de tudo é ser visto por um colunista social desafeto de redação ou de outros imbróglios corriqueiros. No dia seguinte estará estampada na página assinada pelo dito cujo, com as comparações maldosas sobre o meu modo brega de me vestir numa apresentação da sociedade. Ninguém merece!

Juro pelo que há de mais sagrado neste mundo e além, que essa preocupação não é coisa de minha cabeça, pois garanto que existe há décadas e até foi até cantada nos anos 50 do século passado em diante. Ainda lembro do grande cantor Miltinho, que interpretava sambas e boleros, muitos dos quais de Noel Rosa, entre eles, “Com que roupa”, de sucesso garantido em todo o Brasil.

Na voz estridente, porém afinada e modulada, Miltinho cantava e encantava. “...Pois esta vida não está sopa/ E eu pergunto: Com que roupa?/ Com que roupa que eu vou/ Pro samba que você me convidou?/ Com que roupa que eu vou/ Pro samba que você me convidou?”. E olhe que o excelente compositor Noel Rosa se vestia nos trinques: terno e gravata borboleta, isso para frequentar os cafés e cabarés cariocas.

Como se não bastasse, em 1967 o cantor e compositor Wilson Simonal, no seu álbum Alegria, Alegria, trouxe a canção “Vesti azul”, garantindo que se deu bem ao aceitar o conselho de um broto para que vestisse azul: “Dizendo que eu devia vestir azul/ Que azul é cor do céu e seu olhar também/ Então o seu pedido me incentivou/. Vesti Azul!/ (Popopopó!)/ Minha sorte então mudou/ (Popopopopó!).

Do meu singelo conhecimento, não posso garantir o que disse Simonal, mas o certo é que azul é a cor mais utilizada no mundo, mas nem por isso é a cor predileta das festas de réveillon. Pelo que tenho visto, se vestir de branco pode trazer a paz por um ano inteiro, já os trajes nas cores dourada e amarela é batata! Garante muito dinheiro no bolso, além de paz de espírito no ano seguinte.

Cá pra nós, não sei qual o defeito de minhas vestes, que além de não atrair o vil metal aos meus bolsos, ainda me deixam desprovidos dos valorosos reais, haja vista os altos preços cobrados nessas festas. Daí que já decidi ficar em casa na passagem de 2022 para 2023, num evento bastante módico, com comes e bebes relativos ao meu baixo poder aquisitivo, mas com promessas de melhoras no ano vindouro.

Se tento economizar nas comidas e bebidas, minha mulher já decretou: “Com roupa usada, nem pensar!” e receitou minha passada numa boa loja para organizar meus trajes, dignos de um promissor Réveillon. Na lista, camisa, bermuda, meias e tênis novos, nas cores amarela, branca e azul, respectivamente. Pelo que li num site de modos e etiqueta de comportamento, não basta simplesmente seguir os manuais, mas, sobretudo, ter fé, confiança, pensar positivo.

No ano que vem informo se funcionou.

*Radialista, jornalista e advogado

domingo, 25 de dezembro de 2022

A Cronica de Walmir Rosário - Direto de Canavieiras

 

É NATAL, TEMPO DE BONDADE E ESPERANÇA

O Natal é muito mais que um presépio ou jantar

 Por Walmir Rosário*

O mundo cristão comemora ao final de cada ano o nascimento de Jesus Cristo. Neste período as pessoas se transformam e os corações transbordam felicidade, bondade e esperança, e porque não dizer caridade. Bom, esse é o sentimento interno que sente cada pessoa, cada família, cada grupo, cada sociedade. Mesmo que não sejam católicos, melhor dizendo, cristãos, esse sentimento aflora, desabrocha.

Mas como nem tudo é perfeito – ou, pelo menos, unânime –, alguns grupos sociais não têm esse mesmo sentimento, pois algumas das muitas denominações de religiões cristãs simplesmente desconhecem o calendário, como dizem eles, forjado pela Igreja Católica. Já entre agnósticos e ateus, o Natal é visto por muitos como um tempo de comemoração entre família, apenas por tradição. E as festividades atravessam os anos, milênios.

Seria muito bom que o sentimento natalino se perpetuasse per omnia saecula saeculorum. Bom mesmo seria que se estendesse por todos os dias do ano, propiciando uma sociedade mais justa, mais humana. Sim, pois cada ser humano que vem ao mundo tem direito a ser feliz em sua plenitude. Nada mais justo, embora a felicidade tenha que ser sonhada, buscada por cada um de nós.

Penso que a felicidade é encarada de forma diferente por cada um de nós, com nossos desejos particulares, sejam eles espirituais, materiais. As escalas também são distintas, haja vista os sentimentos e desejos individuais. E já que estamos falando da natividade de Jesus Cristo, podemos citar um ditado corrente na boca do povo: “O pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada”.

Há, ainda, os que tentam desclassificar o Natal pelo consumismo, alardeando que a data foi transformada numa festa das vendas, desvirtuada do sentido espiritual pela ganância do mercado. Penso que esta é outra falácia, pois, por mais modesto que seja o ser humano, ter o poder de compra é uma realidade do mundo em que vivemos, desde que o consumo seja equilibrado às posses de cada pessoa.

Ora, pra que trabalhamos? Para termos uma vida decente, oferecendo aos nossos o bem-estar. Comer bem, morar bem, ter direito ao lazer, fazem parte de nossos hábitos de vida desde nossa infância. Nada melhor do que chegar ao fim do ano e poder utilizar o nosso salário, incluindo, aí, o décimo terceiro, para nos presentear com uma roupa nova, bens duráveis para casa, uma ceia diferente.

O mundo em que vivemos pode ser simples ou complicado, a depender do que queremos. As facilidades são criadas por nós, bem como as dificuldades. Elas estão inseridas em nossas cabeças, guardadas em nossos corações, nas ações do nosso dia a dia. Nós somos arquitetos do nosso modo de ser, planejando e privilegiando o fazer dos desejos e aspirações. O resultado depende da sabedoria acumulada por cada um.

No dia a dia temos que saber vislumbrar as armadilhas e saber desmontá-las com sabedoria. Nada mais simples e didático do que viver de acordo com o que somos, o que podemos. Já dizia o evangelista Mateus: “A cada dia sua agonia”. Num conceito mais simplório, as dificuldades existem e devem ser superadas, cada uma por vez, pois novas certamente virão e deverão ser combatidas a seu tempo.

Melhor seria que o espírito natalino extrapolasse o fim de cada ano, ultrapassasse as confraternizações com os amigos e colegas, as comemorações de nossas casas, a Missa Galo na Igreja Católica, os cultos nas demais igrejas. Que esse sentimento perdure em nossos corações, fazendo dele ações de graças cotidianas e rotineiras. Não é preciso gastar o escasso dinheiro para isso, para tanto, bastam gestos de amor e carinho.

Vivamos em paz com nós mesmos, que tudo será mais fácil e descomplicado com nossos semelhantes. Se respeitarmos o espírito natalino, poderemos fazer com que ele contagie nossos semelhantes, como um fermento que provoque o crescimento da bondade que temos em nós e nem sempre nos damos conta que ela existe e que poderá ser multiplicada através de gestos singelos.

Não nos esqueçamos que Jesus Cristo nasceu numa manjedoura e se tornou rico de amor e bondade. Eternamente, Viva o Natal!

*Radialista, jornalista e advogado


segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Nueva canción (Nova Trova Cubana)

Nueva canción (Nova Trova)


Nueva Canción Latinoamericana foi um movimento musical que surgiu na América Latina na década de 1960 que fazia canções com denúncia social nas quais incorporava elementos do folclore musical latinoamericano. Se apresentava como uma alternativa à música estrangeira de origem anglosaxã, dentre suas variantes, merecem destaque: a "Nueva Canción Chilena", o "Nuevo Cancionero Argentino" e a "Nueva Trova Cubana".

No Chile, se consolidou no final da década de 1960. Baseou-se na recuperação da música folclórica incorporando instrumentos e ritmos de toda a região hispanoamericana. Entre seus antecedentes, podem-se citar importantes folcloristas, compositores e investigadores como Violeta ParraMargot LoyolaGabriela Pizarro e Héctor Pavez. Também merece destaque a influência de poetas como Pablo Neruda e Nicanor Parra e compositores de outros países latinoamericanos como o argentino Atahualpa Yupanqui e o cubano Carlos Puebla. Quase todos os seus integrantes apoiaram o governo de Salvador Allende e foram perseguidos pela ditadura militar instalada pelo golpe militar de 1973.

No início, foi um grande movimento de renovação folclórica, onde elementos tradicionais se mesclaram com inovações musicais, teve caráter eminentemente massivo e era conhecido como "Neofolclor", nessa fase destacaram-se intérpretes como Patricio Manns e Rolando Alarcón.

Dentre os compositores desse movimento, merece especial destaque o nome de Victor Jara[1].

Em julho de 1969, esse movimento passou a ser conhecido como "Nueva Canción Chilena", quando a Vicerreitoria de Comunicações da Universidade Católica do Chile organizou o Primeiro Festival da Nueva Canción Chilena.

Posteriormente, a Nueva Canción incorporou elementos da música erudita e surgiram as "cantatas", dentre as quais se destacou a "Cantata Popular Santa María de Iquique", interpretada pelo grupo Quilapayún. Além do Quilapayún, também merecem destaque outros conjuntos musicais como o Inti Illimani e o Illapu.

O movimento foi seriamente abalado pelo golpe militar de 11 de setembro de 1973, mas continuou com alguns de seus integrantes atuando no exílio. Nessa fase se desenvolveu um novo estilo conhecido como "Canto Nuevo"[2].

Na Argentina, foi incentivado pelo populismo peronista da década de 1950. Dentre os conjuntos musicais e cantores que adotaram esse estilo na Argentina, merecem destaque: "Los Fronterizos", "Los Chalchaleros", Atahualpa YupanquiCésar Isella e Mercedes Sosa. Pode-se dizer que o "Nuevo Cancionero Argentino" teve origem em 1963[3], a partir de um manifesto escrito pelo poeta Armando Tejada Gómez, que tinha a seguinte frase: "Acostúmbrense a cantar con fundamento".

No Uruguai, os principais representantes desse movimento foram Alfredo ZitarrosaDaniel Viglietti e o grupo grupo "Los Olimareños". Diferentemente do ocorreu na Argentina, no Uruguai, as composições tiveram um conteúdo lírico muito mais latinoamericanista do que nacionalista.

No México, pode-se dizer que o movimento teve suas raízes na Revolução Mexicana (1910-1920) e abrangeu a consolidação popular da ranchera e do corrido aos quais incorporou temáticas de reivindicação social. Na década de 1970, pode-se destacar Amparo Ochoa como representante desse movimento.

Também merecem destaque, como representantes dese movimento:

·         na VenezuelaAli Primera e o grupo Madera;

·         na NicaráguaCarlos Mejía Godoy e Enrique Mejía Godoy;

·         na Bolívia, o grupo Los Jairas[4].

Cronologia

·         1955 - Surge o conjunto Cuncumén, de onde surgiram muitos integrantes da "Nueva Canción Chilena";

·         11 de fevereiro de 1963 - Lançamento do "Movimiento del Nuevo Cancionero" em Mendoza (Argentina)[5];

·         1963 - Lançamento no Uruguai do disco "Canciones folklóricas y seis impresiones para canto y guitarra", Daniel Viglietti, que incluiu duas canções do argentino Atahualpa Yupanqui e um poema do cubano Nicolás Guillén[1];

·         Julho de 1965 - Surge "la Peña[6] de los Parra[7]", na Rua Carmen nº 340;

·         Agosto de 1965 - Surge a peña da Escola de Arquitetura da Universidade do Chile, em Valparaíso;

·         Dezembro de 1966 - Patricio Manns lança o disco "El sueño americano";

·         1967 - Morre Violeta Parra;

·         1967 - o Primeiro Encontro da Canção de Protesto reuniu músicos de toda a América Latina em Havana (Cuba)[8], dentre os participantes desse evento, podem-se citar: os chilenos Ángel Parra e Rolando Alarcón, os uruguaios Alfredo Zitarrosa, Daniel Viglietti, além dos integrantes do grupo Los Olimareños (do Uruguai)[1];

·         1968 - Surge a gravadora "Discoteca del Cantar popular" (DICAP);

·         Agosto de 1969 - É realizado o Primeiro Festival da "Nueva Canción Chilena", organizado pela Vicerretoria de Comunicações da Universidade Católica do Chile;

·         Fevereiro de 1970 - Rolando Alarcón vence o "Festival de Viña" com a canção "El hombre";

·         Agosto de 1970 - Surge a la "Cantata Popular Santa María de Iquique"

·         1971 - Nacionalização da "RCA Victor", que passa a se chamar: "Industria de Radio y Televisión" (IRT);

·         1972 - Surge a "Nueva Trova Cubana";

·         Agosto de 1972 - Representantes "Nueva Trova Cubana" visitam o Chile;

·         Fevereiro de 1973 - Morre Rolando Alarcón;

·         Setembro de 1973 - Golpe de Estado no Chile resulta em repressão e no exílio de integrantes da Nueva Canción Chilena e no assassinato de Victor Jara;

·         1975 - Ricardo Garcia funda a gravadora "Alerce" que pretendia reeditar a Nueva Canción Chilena;

·         1978 - É lançado o disco "Canto Nuevo", pela Alerce[9].

No Chile e em Cuba, esse movimento foi além do folclorismo, pois criou novas formas poéticas e arranjos musicais sofisticados, em alguns casos inspirados no jazz e no rock, embora o arranjo continuassem a ser feito pelo violão e por instrumentos de percussão, de corda e de sopro tradicionais[1].

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

O itajuipense PIABA, O FUTEBOL NO DNA DE FAMÍLIA

 

PIABA, O FUTEBOL NO DNA DE FAMÍLIA

Seleção de Itabuna Tetracampeã de 1963. Em pé: Piaba,
Carlos Alberto, Amilton, Zé David, Abiezer e Luiz Carlos;
agachados: Arnaldo (massagista) Gajé, Pinga, Zé Reis,
Tombinho e Fernando Riela

Por Walmir Rosário*

Custo a acreditar que o craque já nasce feito, embora tenha minhas dúvidas sempre me vem à mente a história de determinados jogadores de futebol do passado, que já apareceram “arrepiando” nos campinhos de baba, tanto faz na zona rural ou na cidade. É certo, que por mais modesto que tenha sido, sempre atuava um “jogador técnico” nos diversos times de futebol por esse Brasil afora.

No caso em questão, me refiro a Piaba, um itajuipense baixinho que “sobrava” nas zagas e meio campo dos times pelos quais passou, e tinha lugar assegurado na Seleção de Itabuna amadora, a hexacampeã baiana. E Piaba fazia parte de uma família pródiga em craques, com os irmãos Almir, Abel, Aloísio, Luiz e Ariston, jogadores importantes nos clubes de Itajuípe, Buerarema, Ibicaraí, Ilhéus e Itabuna.

Batizado Antônio Avelino dos Santos, nasceu em Itajuípe em 26 de outubro de 1935 e o apelido Piaba veio do seu comportamento e estilo de jogo, pela forma esguia, escorregadia, serelepe de tomar a bola e se desvencilhar dos adversários. Assim que saiu da fazenda Independência, onde foi criado e veio residir em Itajuípe, começou a aprender o ofício de alfaiate com o mestre Boca-rica, o mesmo que lhe deu o apelido.

E foi o Boca-rica – um mestre de alfaiataria de renome – que apadrinhou Piaba em sua famosa oficina e nos campos de futebol, atuando pelo Independente, Internacional e o lendário Bahia de Itajuípe. Com o tempo, Boca-rica se muda para Ibicaraí, e não abre mão do seu aprendiz de alfaiate e promessa de craque. Na nova cidade, Piaba dá um show de bola e se torna revelação.

No Independente de Itajuípe, de Litinho (Wanderlito Barbosa), chamava a atenção a atuação de duas famílias, que praticamente completavam o time inteiro. Eram Piaba e os cinco irmãos, além do próprio Litinho e seu irmão Bel. Esse era um pequeno exemplo da quantidade de craques itajuipenses que jogavam em sua cidade, além de Itabuna, Ilhéus e até em Salvador, a capital do estado.

Mas Piaba dá saudade de casa e retorna a Itajuípe, passando a jogar no lendário Bahia. Considerado um dos maiores craques, é também convocado para a Seleção de Itajuípe. E não era por menos, pois o Bahia chegou a ser considerado o time do século da região cacaueira. Com o crescimento de Piaba no futebol passou a ser cobiçado pelos grandes clubes das cidades de Itabuna e Ilhéus.

E o Flamengo de Ilhéus, de Gildásio Almeida, foi mais rápido e conseguiu fechar contrato com Piaba, levando o craque para a cidade rival de Itabuna. O goleiro Antônio Pires, do Bahia de Itajuípe e do Janízaros, ainda lembra que o dirigente do Fluminense de Itabuna, Frederico Midlej, e o itajuipense Hemetério Moreira, diretor do Janízaros, disputaram a vinda de Piaba para Itabuna, queda de braço vencida pelo Fluminense. Posteriormente, Piaba se transfere para o Janízaros, como queria o amigo Hemetério Moreira.

Em Itabuna, como era praxe entre os jogadores de Itajuípe, Piaba chega pra ficar, encantando pelo seu futebol sério e decisivo, despertando a atenção de outros clubes. O atleta itajuipense também jogou pelo Flamengo, sagrando-se campeão em 1963, com o timaço formado por Luiz Carlos, Abiezer, Zé David, Leto, Péricles, e Piaba; Gagé, Maneca, Tertu, Tombinho e Luiz Carlos II.

Apesar de sua pequena estatura – 1,66 metro de altura – Piaba tinha disposição para cabecear e bolas altas não eram problema. Possuía uma grande impulsão, sendo constantemente comparado ao seu companheiro de seleção, Ronaldo Dantas, outro baixinho do futebol que não se amedrontava com adversários mais altos. Piaba e Ronaldo se revezavam nos jogos da seleção.

Piaba foi convocado para a Seleção de Itabuna e já em 1961 terminou o Campeonato Intermunicipal como bicampeão. Daí não saiu mais até a conquista do hexacampeonato, em janeiro de 1966, embora o certame seja relativo a 1965. Na seleção de Itabuna foi decisivo na conquista do Hexacampeonato baiano e sua figura em cima do carro do Corpo de Bombeiros com o rosto enfaixado chamou a atenção.

Na partida final, Piaba levou um pontapé no rosto, aplicado num choque com o jogador Meruca, que até hoje gera controvérsias se foi um simples encontrão ou premeditado para tirar o craque de campo, pois seu substituto estava contundido. Meruca foi o mesmo jogador que não conseguiu evitar a cabeçada de Pinga e que resultou no gol da vitória da Seleção de Itabuna e no hexacampeonato.

A chegada da Seleção itabunense que acabara de conquistar o Hexacampeonato Baiano de Futebol amador em Itabuna foi uma verdadeira apoteose, numa comemoração sem precedentes. Na chegada foi realizada uma carreata com os jogadores desfilando em cima do carro de bombeiros, cedido pela Prefeitura de Itabuna. A imagem mais marcante era a de Piaba com o rosto inchado e coberto com gases e faixas, contrastando com a alegria estampada na fisionomia dos jogadores e da torcida.

Piaba foi um dos poucos jogadores a atuar pelas seleções de Itajuípe, Ilhéus e Itabuna, além do Galícia, de Salvador. Devido a alguns problemas de saúde, Piaba retorna a Itajuípe, sua terra natal. Até atingir os 30 anos de idade, o atleta não bebia nem fumava. Porém, o laudo médico apontou o uso do cigarro como a causa de sua morte, em 15 de julho de 1997.

Piaba morreu triste, no hospital, sem conseguir ver os seus companheiros de sucesso no futebol.

*Radialista, jornalista e advogado.


segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Itajuípe – 1952 – 2022 – 70 anos de Emancipação Politica e Administrativa Falando um pouco de “Pirangi” *Adelindo Kfoury (+ 2012)

 

 

Itajuípe – 1952 – 2022 – 70 anos de Emancipação Politica e Administrativa

Falando um pouco de “Pirangi”

*Adelindo Kfoury (+ 2012)




Pela mania de bisbilhotar o passado regional, sou cobrado insistentemente a falar sobre as cidades periféricas. Cada uma delas tem seus próprios historiadores, sendo perfeitamente dispensáveis meus alinhavos. Hoje, entretanto, abro exceção para atender a um amigo de infância que não vejo há mais de 60 anos e “aproveitando” minha momentânea fragilidade causada pela emoção, cobrou-me prometida conversa sobre ”Pirangi”, como chamávamos Itajuípe em nosso tempo. Pedindo bênçãos aos mestres Adonias Filho, Vicente Pìres,  Sebastião Otoni de Oliveira, Cemi Jorge Hage, Jackson Hage Midlej, Francolino Neto, Humberto Salomão Mafuz e tantos outros com muito mais pertinência, cometo o atrevimento.

No passado essa região era habitada apenas por índios selvagens, sendo que a partir de 1892 começaram aparecer os primeiros exploradores civilizados, entre os quais Antonio José de Oliveira, Pedro Portela, Joaquim e Miguel Pinheiro. Por volta de 1905, já estavam fixados também outros desbravadores, como João Ferreira, Felix de Lyra, Manoel Baiano, Antonio Ciríaco, Firmo Nascimento, Henrique Berbert, José Lourenço Rocha etc.

Especula-se que por ter construído em 1919 a primeira casa de telhas no povoado, Juvenal Batista Soares seja considerado historicamente como seu fundador. Entretanto, contam historiadores que já em 30 de janeiro de 1914, Francisco Mendes de Moura inaugurou nos limites de sua fazenda um arruado de casinhas franqueadas a chegantes. Sabe-se também que no mesmo ano de 1914, Pompílio José Fernandes abriu um restaurante na porteira de sua fazenda, batizando-o como Café Pirangy, nome copiado de famoso bar existente em Salvador. Razão disso, quem passava por ali adotou o hábito de referir-se a Pirangy e nãos mais Sequeiro de Espinhos. Até seus moradores começaram a ser apelidados como Zé de Pirangy, Pompilio de Pirangy e assim a designação foi se consolidando. Em tal época, naqueles ermos fazendas, floresta, todas as referências de lugar via de regra subordinavam-se a episódio, como “Cinco Porcos”, “Repartimento”, “Ribeirão da Pólvora”, “Fortaleza”, “Empata Viagem” (e cito apenas um exemplo, desse “empata viagem” que nada mais era senão uma birosca onde os tropeiros paravam para matar o bicho com a excelente cachaça vendida, assim tendo suas viagens momentaneamente empatadas...).

Aquele aglomerado de casebres conhecido por Golfo, depois Ouro Preto, por volta de 1919 foi palco de sangrentas batalhas entre as famílias de Basílio de Oliveira e Sinhô Badaró, episódio que influiu até no comércio de cacau, fazendo com que o Governo Federal mandasse um cruzador da Marinha de Guerra fundear no porto de Ilhéus à disposição das autoridades para intervenção militar caso aumentasse a conflagração, que durou cerca de cinco meses e ao seu término deixou um trágico balanço de dezenas de pessoas mortas, além de muitas fazendas invadidas, incendiadas, destruídas, Carlos Pereira Filho em livro “Ilhéus, terra do cacau” afirmou que “correu mais ódio nos corações dos adversários que água no rio do Sequeiro do Espinho. Os moradores sobreviventes refugiaram-se cerca de quatro quilômetros adiante (atual cidade), em frente a um sequeiro no riacho que vinha de dentro da mata e permitia passagem de um lado para o outro andando com água abaixo do joelho, tendo apenas o inconveniente de dolorosas espetadas, porque ali abundavam arbustos cheios de espinhos conhecidos como “unha de gato”. Daí o lugar ficar conhecido como “Sequeiro de Espinho”, nome consolidado em razão de quando foi construído ramal da Estrada de Ferro Ilhéus a Conquista e a pequena estação de passageiros tomar o nome de Ponto do Sequeiro de Espinho.

Quem conhece a história regional, sabe que essa gleba de terras férteis se localizava dentro dos limites do município de Ilhéus, sendo, portanto um seu distrito. Em 17 de dezembro de 1930, o decreto estadual nº 7.137 criou a Subprefeitura de Pirangi, ato confirmado pelo Decreto nº 7.489 em 9/7/931. Na divisão administrativa em 1933, Pirangi aparecia como distrito de Ilhéus. Nessa quadra, homens idealistas como Manoel Soares, Basílio de Oliveira e João Batista dos Santos começaram despertar a população visando a sua emancipação política-administrativa, tanto que em 25 de agosto de 1934 aconteceu grande concentração popular, onde despontaram oradores como dr. Diógenes Vinhais e Pedro Souza. Somente em 1º de julho de 1944, o Decreto Estadual nº 12.978 consolidou seu topônimo para Itajuípe. Fins de 1952, uma comissão constituída por Humberto Badaró, Antonio Fernandes da Silva, Clodoaldo Cardoso, Antonio Gonçalves Queiroz, Davino Alves Silva e Francolino Neto, visitou parlamentares estaduais e o próprio governador, pleiteando a sonhada emancipação. Assim como aconteceu com nossa Itabuna, nos seus tempos de lutas por idêntica finalidade, os lideres itajuipenses nunca descansaram. Muito vigor, muitas ações, incontáveis postulações. Heróicos esforços. Então, mercê a tenacidade de seus cidadãos, não obstante as legitimas-e perfeitamente lógicas-ações judiciais impetradas por Ilhéus, foi criado o Município de Itajuípe através da Lei Estadual nº 507 (publicada no Diário Oficial do estado em 12 de Dezembro de 1952) assinada pelo governador Régis Pacheco na presença de uma comitiva integrada por Francisco Bathomarco Jr., Clodoaldo Cardoso, Montival Lucas, Humberto Badaró, Francolino Neto e João Deway Guimarães.

Este é um esforço de síntese para atender ao pedido do amigo cujo nome determinou preservar. Por ser tão bonita a história dessa pujante estrela da constelação de cidades da região cacaueira que é Itajuípe.


domingo, 11 de dezembro de 2022

SEM BOTAFOGUENSE, SELEÇÃO NÃO GANHA COPA DO MUNDO A CRONICA DE WALMIR ROSÁRIO

 

SEM BOTAFOGUENSE, SELEÇÃO NÃO GANHA COPA DO MUNDO

Seleção de 1970 esbanjava o bom futebol

Por Walmir Rosário*

E não é que os desavisados choram a copa perdida? Pra mim não foi nenhuma novidade os brasileiros retornarem sem o caneco na mão, sem som de reco-recos, tamborins, atabaques e o samba atravessado na voz dos jogadores canarinhos. Vamos pular essa parte pois não dá para chamar essa equipe juntada no continente europeu de canarinho, pois acredito que seja uma ofensa aos jogadores passados.

No meu conceito, copa do mundo é para quem sabe jogar! Para isso se faz necessário escolher os melhores e não apenas os apadrinhados de alguns despachantes de luxo que administram carreiras. Do goleiro ao ponta-esquerda, passando pelos reservas têm que ter um bom pedigree, curriculum vitae de fazer inveja aos estrangeiros de Europa, mas, para tanto, temos que escolher um técnico que saiba das coisas.

Além do que falei, faltou um componente essencial para vencer uma copa do mundo: a convocação dos jogadores do Botafogo, desconhecidos do tal técnico, observador do jogos dos torneios europeus, para onde viaja para vê-los em ação. Tudo isso ganhando polpudas diárias, recebidas em euros, moeda forte do velho continente, e não em reais pelos estados brasileiros.

Pois perdeu tempo e dinheiro, sem falar no título, voltando mais cedo para casa (quase todos para os países europeus, onde moram), como um país qualquer, sem tradição nesse bravo e tinhoso esporte bretão. Por falar em bretão, também deixaram o Catar a Inglaterra, inventora do futebol, Portugal. Permanecem a implacável Croácia, que despachou o Brasil após um jogo apático e uma desastrada cobrança de pênaltis, França, Marrocos e Argentina.

E por falar em penalidades máximas, não posso deixar de me ater a um breve comentário sobre os pecados cometidos pelos jogadores brasileiros. E não me venham com a velha teoria de Neném Prancha, de que a responsabilidade de bater um pênalti é tanta, que deveria se cobrado pelo presidente do clube, no caso em questão, a Confederação Brasileira de Futebol, a carcomida CBF.

Os tempos são outros e quem se dedica a jogar futebol – e ganhar muito dinheiro – tem que saber batê-los, chutando com perfeição, dentro dos três paus e fora do alcance do goleiro, pois alguns também treinam como pegá-los. De Zico pra cá, caiu por terra o conceito de Neném Prancha, já que os que desejavam se tornar craques perfeitos treinavam por horas, depois do coletivo, a cobrança de faltas e penalidades máximas.

Pelo que ouvi dizer, o nosso goleiro não é afeito a defender penalidades e nossos cobradores não tem lá essas intimidades todas em batê-las com perfeição, marcando os gols necessários para vencer a partida. Mesmo sendo uruguaio, convoco aqui o botafoguense “Loco Abreu” com suas cavadinhas, daquelas que desmoralizavam dezenas de goleiros, por mais preparados que fossem.

Confesso que não sou um técnico em futebol, mas na condição de brasileiro me acho no dever e no direito de – se não analisar – pelo menos expressar minha indignação por esse selecionado, pálido, desanimado, xoxo, que foi ao Catar desesperançar o povo brasileiro. Pelo que soube, essa derrota para a Croácia provocou muito choro e desespero nas criancinhas brasileiras, muitas delas que deixaram de ir à escola para ver o jogo na TV.

À noite, num bar em que me encontrava, a discussão não poderia de ser outra: os vizinhos de mesa estavam inconsoláveis com a indecorosa proposta, feita sem qualquer pudor pelo narrador global Galvão Bueno, que defendia nos consolarmos passando a torcer pela Argentina, como se nunca tivesse ouvido o saudoso Nélson Rodrigues falar sobre a “pátria de chuteiras”, para expressar nossa apaixonada relação com a Seleção Brasileira de futebol.

Esse murro na cara do brasileiro, aplicado por Galvão Bueno, nos remete ao conceito, também criado por Nélson Rodrigues: o famoso “complexo de vira-lata”, nos colocando em inferioridade frente aos hermanos argentinos. Jamais! Pelo que diziam meus vizinhos de mesa, a singela pretensão do aposentável narrador, era apenas e tão somente que o público brasileiro não desligasse seus aparelhos de TV, seguindo-o até o final da copa.

Bons tempos aqueles em que não se decretava feriado nas repartições públicas em dias de jogos da seleção brasileira. Longe disso, veriam os jogos os verdadeiros torcedores, aqueles que amavam o futebol praticado pelos craques canarinhos. Não éramos “obrigados” a dar audiência aos meios de comunicação detentores dos direitos das transmissões esportivas da copa do mundo.

Pois é, não vou mentir para vosmicês e confesso que cheguei a assistir algumas partidas de seleções estrangeiras, mas não me animaram aquele esquema de passes atrasados da linha de ataque até o goleiro, como se a finalidade de um jogo de futebol não fosse a marcação dos gols. Futebol é pra quem sabe jogar, driblar os adversários, dar lançamentos precisos, invadir a área adversária, fazer vibrar os torcedores com o gol.

Desde antes já tinha definido minha ausência na audiência televisiva, até pela plena certeza que a seleção brasileira daria com os burros n’água, ou nas areias do deserto. E a minha convicção foi formada logo após uma reunião no Bar do Everaldo, em Itabuna, patrocinada pelos jornalistas botafoguenses Cláudio da Luz, Raimundo Nogueira e Joel Filho, com o apoio de um vascaíno, quando ficou vaticinado que copa do mundo sem jogador do Botafogo é eliminação na certa. E não deu outra…

*Radialista, jornalista e advogado


sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

A Cronica de Walmir Rosário

 

JURIMAR, PREFEITO DE ITABUNA SEM UM ÚNICO VOTO

 
Jurimar, Walter Maron, Walmir Rosário e o professor
Dourado, na posse de Lopes na delegacia do Sinjorba

Por Walmir Rosário*

Nos anos 1986/87/88 eu trabalhava na Divisão de Comunicação da Ceplac, a conceituada Dicom, que passava por uma das suas muitas crises, com o orçamento sempre contingenciado, apesar do descobrimento da vassoura de bruxa no Sul da Bahia. Sem recursos, reduziu o horário de expediente para meio turno, o que facilitou nosso segundo emprego em assessorias e veículos de comunicação de Itabuna.

Eu dividia meu trabalho entre a Ceplac e a Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Itabuna, quando fui procurado por um amigo e colega ceplaqueano, o engenheiro agrônomo Jurimar Rebouças Dantas, para uma conversa. É que ele tinha sido convidado pela segunda vez para assumir a secretaria municipal da Agricultura e queria informações para decidir se aceitaria o cargo.

Nossa conversa foi bem positiva e disse que o cargo seria talhado para ele e, se não se acostumasse com o comportamento político, voltaria à função de extensionista, sem qualquer prejuízo. Analisou tudo com serenidade e me respondeu com sinceridade: “É, já fui convidado para o cargo pela segunda vez, e caso não aceite, daqui pra frente não serei convidado nem para participar de enterros”.

Tomou posse e se tornou secretário da Agricultura. Rígido no trabalho, todos os dias conversávamos sobre a melhor maneira de agir, fazendo com que tivesse jogo de cintura. Com isso, ganhou notoriedade como bom executivo e, em seguida, ganha nova oportunidade com a saída do secretário da Administração, Cláudio Macedo, assumindo, interinamente esta secretaria. E foi ficando na interinidade enquanto o prefeito Ubaldo Dantas conversava com os grupos políticos sobre um profissional competente para assumir a administração da prefeitura.

Nisso, Ubaldo Dantas viaja para a Alemanha a convite de um organismo internacional, para participar de um evento com prefeitos de vários estados do Brasil. A Câmara concede a licença para a viagem e o vice-prefeito Jairo Muniz assume, mais uma vez o cargo de prefeito. Aproveitando a viagem à Europa, Ubaldo resolve visitar outros países vizinhos, a exemplo da França, onde permaneceu mais dias.

Retorna a Itabuna e recebe um novo convite de evento internacional. Desta vez no Uruguai, para debater sobre o uso da água, esgoto, saneamento básico e resíduos sólidos. De pronto aceitou, formalizou a licença para a viagem e aí acontece o inesperado. Seu vice-prefeito não poderia assumir, pois era candidato declarado a prefeito de Itabuna, criando um sério imbróglio.

Não teria problema, bastava transmitir o cargo ao presidente da Câmara, o professor Everaldo Cardoso. Quem disse? Ele era candidato a reeleição e se desculpou dizendo que não estaria bem de saúde. Seguindo a Lei Orgânica de Itabuna, bastaria convocar o vice-presidente da Câmara Municipal. Nova encrenca. O vereador Filemon Brandão também candidato, apresentou um atestado de saúde e se eximiu de assumir a prefeitura.

Foi um Deus nos acuda na prefeitura e o primeiro escalão passou a analisar leis antigas e precedentes. Dona Naomi Mangabeira e outros funcionários já tinham assumido a prefeitura quando não existia a figura de vice-prefeito, então ventilou-se dar o cargo a José Conrado, já de certa idade, desistiram; o secretário mais velho, Laércio Pinho Lima, do planejamento, se encontrava em viagem.

Após tantas idas e vindas, o secretariado chega ao consenso e resolve indicar o secretário da Administração para assumir o cargo de prefeito interino. Um simples telefonema traz Jurimar Rebouças Dantas de volta de casa para a prefeitura. Ainda assustado com tudo que lhe passaram, assina o livro de posse, acertam os primeiros passos e retorna para casa. Nisso, continuamos a comemoração.

Às 7 da manhã, quando cheguei a prefeitura para pegar uns documentos, Garrinchinha, o ascensorista, me informa: “Dr. Jurimar, o novo prefeito, já está lá no gabinete”. Chego ao quinto andar, pego os documentos em minha sala, caminho mais uns 20 metros e abro a porta do gabinete do prefeito. Lá estava Jurimar, atentamente conferindo documentos que precisavam assinaturas.

Assim que me viu, abriu um largo sorriso e disse que nunca esperou assumir o cargo de prefeito de Itabuna, até por não ser afeito às questões políticas. Lembrei-lhe quando conversamos sobre a possibilidade de ele aceitar o cargo de secretário da Agricultura e sua rápida ascensão, responsável por duas secretarias e agora, ainda por cima, prefeito interino. Para não perder a embocadura, falou:

“Quando o cavalo passa selado, temos que montar, do contrário, nunca mais”.

*Radialista, jornalista e advogado

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

O poeta Helio Nunes - Sergipano que amava Itajuípe

O poeta Hélio Nunes

O poeta Helio Nunes ladeado por Manuel Leal e Jorge Amado

A poesia de Helio Nunes está a merecer uma reedição, que se justifica plenamente, não só por sua alta qualidade, mas também pela necessidade de resgata-la para o leitor de hoje uma poesia feita por um dos mais talentosos poetas da sua geração. Pássaro do Amanhã, único livro publicado, até hoje nos impressiona e caracteriza-se por seu timbre inconfundivelmente lírico, ao qual acrescenta também uma nota de sátira.

Nascido em Aracaju, a 17 de abril de 1931, Helio Nunes da Silva, filho de José Nunes da Silva (fiscal de rendas) e Júlia Canna Brasil e Silva (professora). Hélio estudou no Colégio Estadual Atheneu Sergipense e desde cedo se dedicou ao jornalismo, tendo colaborado em alguns jornais de Aracaju e trabalhado em vários do interior da Bahia, Voz de Itabuna, Voz Operária, Diário da Tarde (Ilhéus), O Momento, O Paladino, onde passou os últimos anos de sua vida e exercia a função de Titular do Cartório dos Feitos Cíveis da Comarca de Itororó.
Em 1952, após longa trajetória de participação ativa em movimentos políticos e estudantis, Hélio marca sua posição de esquerda, tendo no seu grupo de estudante do curso secundarista alguns nomes como Núbia Marques, José Rosa de Oliveira Neto, Fragmon Carlos Borges, Tertuliano Azevedo. Fugindo da repressão policial foi para a Bahia, passando por Cachoeira e São Felix, fixou-se em Itabuna, centro da região cacaueira.
Após concluir o curso de contabilista, passou a lecionar na Escola Técnica de Contabilidade, destacando-se na liderança de movimentos culturais. Em 1962, após criar a Itagraf, que se notabilizou como ponto de intelectuais, editando livros de escritores da região, fundou o Jornal de Notícias, que circulou naquela cidade até março de 1964.
Membro de partido comunista, dedicou-se à causa revolucionária, que abraçou desde jovem. Após o Golpe de 64, foi perseguido pelos militares, sendo obrigado a vender a gráfica juntamente com o jornal e transferiu-se para o município de Itororó. Forçado a esconder-se para não ser preso - como aconteceu com o seu sogro, Clodoaldo Cardoso, que amargou cerca de cem dias de cadeia em Ilhéus - Hélio Nunes entregou-se à depressão. Segundo depoimento de sua companheira, Hélio morreu amargurado, solitário, pois havia renunciado a viver.
Em princípios de 1971, com a posse do novo Governo Estadual da Bahia, fora nomeado um outro titular para o Cartório de Itajuipe, o que o obrigou a retornar para a comarca de Itororó, de onde viera transferido. A nova remoção obrigou o poeta a deixar sua família em Itajuipe, local de nascimento de sua esposa, professora Valquiria Cardoso.
O clima repressivo e o afastamento dos familiares, o fez entrar em profunda depressão vindo a ser fulminado em Itororó (BA) por um infarto do miocárdio em 21 de janeiro de 1973, aos 42 anos, deixando a mulher Valquiria, cinco filhos e três irmãos, dentre eles o também jornalista e escritor sergipano, Célio Nunes. Seu sepultamento ocorreu na cidade de Itajuipe, onde viveu por muitos anos.
Pássaro do Amanhã (poemas), capa do artista plástico Santa Rosa, seu único livro autoral, foi publicado em 1962. Hélio Nunes organizou e participou da coletânea Manhã Cinqüentenária, 1961, e da antologia organizada por Telmo Padilha, A Moderna Poesia da Zona do Cacau, 1977, além de publicar poemas e artigos em diversos periódicos. Promoveu vários encontros de lançamentos em Ilhéus e Itabuna de escritores do sul do país, entre os quais Eneida, Zora Seljan, Jorge Amado, Osório Borba, Sosígenes Costa.
Apesar da militância política, Helio Nunes era um homem frágil, extremamente emotivo, um homem de coração aberto, exposto. Um poeta lírico de versos brancos, ingênuo, mais um sonhador do que ativista. A coletânea de poemas, Pássaro do Amanhã, escrita a maneira da lírica socialista das décadas de 40 e 50 em todo o mundo, tinha a mesma forma poética aos dos poetas e companheiro de partido, José Sampaio, Enoch Santiago Filho e Jacinta Passos, José Oliveira Falcon, Thiago de Mello, Moacir Felix e outros.
2 poemas de Hélio Nunes
Poema a meu filho

Meu filho, chegarás na primavera:
Mil desculpas, não poderei oferecer-te
Aquele mundo alegre e humano que sonhei.

Meu filho, chegarás na primavera:
Quando adulto, não sê igual aos demais.
Tenhas o coração inquieto e a ternura de Valquira.

Meu filho, chegarás na primavera:
Ama e ama. Se te forçarem a odiar, odeia.
O Amor e o ódio têm suas grandezas.

Meu filho, chegarás na primavera:
Rosas e foguetes teleguiados também.
Vê nos povos, brancos e negros, teus irmãos.

Meu filho, chegarás na primavera:
Aos 18 anos lê estes versos, não são conselhos,
São desejos, devaneios de um pai sonhador...

Julho de 1959


******

Não partirei!


Desejo de partir. Para onde - não sei.
De beber um copo de vinho
num porto qualquer. Ou não beber nada.
Olhar silencioso as gaivotas, o mar,
E os marinheiros no cais.

Desejo de partir. Para onde - não sei.
Folhear um jornal dentro de um avião
rumo a uma cidade que não conheço.
Andar por avenidas largas, ruas e praças.
Ser um desconhecido entre milhões.

Desejo de partir. Para onde - não sei.
Desejo chapliniano de ir pelos caminhos
na hora do alvorecer. Comer uma flor,
beber água numa fonte com as mãos em concha
e enxugar a boca nos punhos da camisa.

Desejo de partir. Para onde - não sei.
Não. Não partirei. Não partirei!
Trago um sonho para realizar com ela.
Trago esperanças maduras como frutos
e alguns versos novos para o povo.

Dezembro de 1956
(Transcrito do Blog. GilFrancisco = Membro do Instituto Histórioco e Geográfico de Sergipe)