sábado, 28 de janeiro de 2023

A Cronica de Walmir Rosário

 

JOÃO FRANÇA SANTANA, UM EXEMPLO DE POLÍTICO

João Santana (último à direita) entre os familiares
(Foto do acervo de Sandoval Oliveira Santana)

Por Walmir Rosário*

A sabedoria popular diz – com acerto – que a cada legislatura municipal, os eleitores terão saudades da bancada anterior. De minha parte, juro que não encontro base científica para tal assertiva, mas sou obrigado a dar o braço a torcer. Antes que me tomem como ressentido, vou logo avisando que nada tenho contra os senhores edis com assento nas câmaras municipais por este Brasil afora.

Como dizem que a voz do povo é a voz de Deus, sou impelido a aceitar a sabedoria popular, mormente quando as mídias sociais deixam claro e transparente atos e fatos da vida pública de um vereador. E tomo por base os cinco mandatos do vereador itabunense João França Santana, em tempos idos, o que me dá total garantia da tese elaborada por anos pelo povão de Deus, que conhece como ninguém a política e os políticos.

Pra início de conversa, considero uma das eleições mais difíceis do poder legislativo a do vereador, haja vista a ampla e próxima base de eleitores, formada, na essência, por amigos. E aí é que a porca torce o rabo, pois essa base se torna fácil de ser minada, pois os amigos são os mesmos de mais da metade dos candidatos a vereador. E estou dizendo isso levando em consideração a Itabuna dos anos 1950/60 e 70 do século passado.

E são exatamente esses vereadores do passado os eternos lembrados por terem deixado marcas positivas em seus mandatos. Em Itabuna, políticos do naipe de José Soares Pinheiro, Paulo Ribeiro, Raimundo Lima, Pedro Lemos, Mário César, Plínio de Almeida, Titio Brandão, o próprio João França Santana, e mais recente Edmundo Dourado, Orlando Cardoso, José Japiassú, João Xavier, são vistos como referência positiva.

Assim que se formou em Direito, em Salvador, João França Santana volta a Itabuna e inicia sua atuação na advocacia. Atencioso no trato às pessoas, se destaca como um possível candidato a vereador. Uniu as convicções políticas ideológicas com a amizade e ganhou a primeira eleição. Mesmo assim, seu trato com os colegas no legislativo sempre foi marcado pela cordialidade, independente dos temas partidários.

Por muitas vezes o vereador esteve na oposição a prefeitos, mas sempre se destacou pela apresentação de bons projetos e por muitas vezes foi voto decisivo na aprovação de matérias do executivo. E sempre destacava: “Se o projeto vai beneficiar a população, não tenho o direito de votar contra, pois assumi o compromisso de trabalhar pela cidade e seus habitantes”, justificava com tranquilidade.

E o ex-vereador contava algumas passagens de sua vida legislativa, quando do bipartidarismo – Arena e MDB. Como se não bastassem a oposição entre os dois partidos, cada um deles era dividido em sublegendas. Então existia a Arena 1, 2 e 3, o que não era diferente no MDB. Ele mesmo era filiado da Arena 2 e era oposição ao prefeito José de Almeida Alcântara, da Arena 1. Ele fazia oposição cerrada, mas com o foco em Itabuna.

João França Santana ficou na suplência apenas uma vez, pois contava com um cabo eleitoral muito eficiente, o sogro Antônio Joaquim de Santana, o Marinheiro, forte liderança política no bairro da Conceição. Àquela época, os votos eram as chapas com os nomes de candidatos, largamente distribuídas e colocadas num envelope e depositadas na urna. Era tiro e queda!

Em 27 de outubro de 1965, os vereadores foram surpreendidos com o artigo 10° do Ato Institucional n° 2 (AI-2), que proibiu a remuneração dos vereadores, o que para João França Santana nada mudou no seu posicionamento. Continuou o mesmo vereador dedicado de sempre, procurando cumprir todos os compromissos assumidos quando pedia a confiança dos eleitores e voto.

Personagens de muitas histórias relevantes em sua vida e nos cinco mandatos, além dos anos em que foi consultor jurídico da Câmara de Itabuna, todos os anos, por ocasião do aniversário de Itabuna, João França Santana colaborava contando-as. Pouco antes do dia 28 de julho ele chegava ao jornal Agora, com um texto histórico pronto, acompanhado de uma ou duas fotos, para publicação.

Ao chegar, fazia questão de cumprimentar toda a redação, diagramação e arte, entregava seu artigo ou crônica, tecia comentários sobre os fatos e fazia questão de compará-los com a política atual. Nesses momentos eu aproveitava para consultá-lo sobre outras matérias históricas que estávamos elaborando, tirava nossas dúvidas, trazia a tona novas e importantes informações, já com o seu aval.

Uma curiosidade eram as legendas das fotos, elaboradas em seu escritório, ainda na máquina de escrever (manual). Citava o evento, os personagens e concluía com a seguinte informação: “Fulano e sicrano já mortos, sou o único vivo da foto”. E assim atualizava as informações aos mais jovens sobre a verdadeira história de Itabuna, especialmente na seara política.

Profundo conhecedor do direito público e privado, além das leis e do processo legislativo, João França Santana atuou, por muitos anos, como consultor jurídico da Câmara Municipal de Itabuna, a quem prestou relevante contribuição. Casado com Stella, filha do casal Antônio Joaquim de Santana (Marinheiro) e Joana Oliveira de Santana, morreu em 25 de janeiro de 2020, aos 96 anos, deixando dois filhos e três netos.

*Radialista, jornalista e advogado

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

UM SENHOR COLÉGIO DE FUTEBOL EM TERRAS GRAPIÚNA - A Cronica de Walmir Rosário

 

UM SENHOR COLÉGIO DE FUTEBOL EM TERRAS GRAPIÚNA

Dr. Demosthenes e os alunos da "escolinha"

Por Walmir Rosário*

No início da década de 1960 o futebol era – disparado – o centro das atenções nos fins de semana em Itabuna, superando as grandes produções nos cinco cinemas da cidade e até o movimento nas praças, incluindo a Olinto Leone. Em 1961 nossa Seleção Amadora ganhou o bicampeonato baiano e era a candidata ao tricampeonato, o que despertava o sonho da criançada em se tornar jogador de futebol. E dos bons!

Campos de babas existiam em todos os bairros da cidade e até no centro da cidade encontrávamos um terreno baldio para disputar uma partida de futebol entre os vizinhos e amigos. Entre a meninada existiam muitos bons de bola e até alguns craques, daqueles que já nascem feito, driblavam com facilidade, davam passes perfeitos, faziam gols colocados, se tornavam o espetáculo.

Sim, tínhamos muitos jogadores de excelência, mas, e os outros? O futebol é um jogo coletivo e um time é formado por 11 atletas, de preferência do mesmo padrão, então como equilibrar o espetáculo? Era preciso trabalhar as questões técnicas e físicas de cada jogador, aumentando o seu potencial, a educação básica, sem falar na formação de caráter dos jogadores.

Foi aí que surgiu em Itabuna o primeiro Colégio de Futebol Grapiúna, projeto posto em prática pelo cirurgião-dentista Demosthenes Propício de Carvalho, o primeiro do gênero no Brasil, logo seguido pelo Santos (SP) e Bahia, em Salvador. De início, era apenas a vontade do torcedor do Vasco da Gama a melhorar o nível e estilo de futebol jogado em Itabuna e que cresceu como uma bola de neve.

As primeiras turmas do Colégio de Futebol Grapiúna foram de juvenis, que jogavam no campo da Desportiva; posteriormente vieram as turmas infantis, com treinamentos e jogos no campinho do Banco Raso. Cresceram as turmas, acompanharam no mesmo nível as despesas. Antes eram bancadas por Dr. Demosthenes e alguns amigos, o projeto passou a ser bancado por empresários e a Liga Itabunense de Desportos Atléticos (Lida), que destinou 5% da renda dos jogos amadores para o projeto.

No seu auge o Colégio de Futebol mantinha 10 turmas de infantis e 10 turmas de juvenis, num total de cerca de 500 pequenos atletas. Mais uma vez era preciso ampliar o Colégio, introduzindo um departamento médico. E foram convocados para colaborar o médico John Leahy e o enfermeiro Arnaldo Antunes, que já desempenhava essa incumbência no futebol amador.

Para permanecer no colégio não bastava encantar a torcida com dribles contagiantes e sim ter disciplina nos treinamentos e estudos. Tinham que trabalhar com a bola, com os aspectos físicos e táticos. Outra exigência eram a conduta ética e moral e o companheirismo. Exemplo disso era a colaboração dos alunos que ensinavam as primeiras letras aos que chegavam sem a alfabetização.

E o Colégio de Futebol Grapiúna – ou simplesmente a escolinha do Dr. Demostenes – alcançou o sucesso mais do que o esperado. Pais traziam seus filhos para serem matriculados e os de posses financeiras contribuíam com o projeto. Quem também foi arregimentado para colaborar foi o jornalista e bancário José Adervan Oliveira, que mantinha uma página de esportes no Diário de Itabuna.

Com pouco tempo de funcionamento começaram a aparecer os resultados positivos, vistos semanalmente nos jogos das equipes amadoras no campo da Desportiva. Perivaldo, Déri, Caxinguelê, Luiz Paraguaio, Begue, Bel, Lua Riela, Jairo, Felisberto, que brilharam no futebol. Outros craques do mesmo potencial resolveram não seguir a carreira futebolística, a exemplo de Ronaldo Netto, Duduca Paixão, Paulo Fernando, os irmãos Félix, Valdemir Andrade, José Antônio, Péricles Nascif, Haroldo Messias, Fanuca, Bebeto Baleia, Paulo Queiróz e muitos outros.

Com o passar dos anos, o Colégio de Futebol Grapiúna foi diminuindo de intensidade, até extinguir um projeto de tamanha envergadura, determinante para o futebol itabunense. Aos poucos, alguns clubes assumiram a atividade, porém não atingia a essência social, pois cobravam pelas atividades exercidas, ao contrário do projeto do Dr. Demosthenes, que buscava recursos junto à sociedade organizada e empresários.

O crescimento de Itabuna e a consequente expansão imobiliária também foi determinante para afastar os jovens da prática do futebol, já que acabaram os campinhos de babas nos bairros, levando a juventude para a prática de outras atividades. Após o encerramento das atividades do Colégio de Futebol, nem mesmo o poder público municipal teve a iniciativa de desenvolver um programa similar, a exemplo do elaborado pelo radialista e advogado Geraldo Borges Santos, disponibilizado à administração municipal.

E assim chega ao fim o ideal de um homem que demonstrou ser possível contribuir com a sociedade, facilitando que os jovens, indistintamente, pudessem alcançar seus sonhos de se tornar uma estrela do futebol, paixão nacional do brasileiro. Dr. Demosthenes mostrou que é possível desenvolver uma iniciativa sozinho, e quando o fardo pesar, atrair novas forças para ajudar a carregá-lo.

Demosthenes Propício de Carvalho é um exemplo de humildade, desprendimento e tenacidade para concretizar o sonho da juventude. Em dezembro de 2006, Dr. Demosthenes muda-se com sua esposa Maria Enilda Lordelo de Carvalho para a cidade de Vila Velha, no Espirito Santo, onde viveu até o dia 13 de julho de 2018, data em que partiu para o oriente eterno.

*Radialista, jornalista e advogado

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

A Cronica de Walmir Rosário - Direto de Canavieiras

OS DOIS ANOS DE SUMIÇO DE TYRONE PERRUCHO

Tyrone não sabia nadar, mas posava para as fotos

Por Walmir Rosário*

Na tarde de ontem (quarta-feira, 11 de janeiro), pasmem os senhores e senhoras, eu me encontrava no bar Mac Vita, como um simples expectador, assistindo a meus amigos Batista e Walter Júnior beberem um litrão de Coca Cola. Confesso que me sentia incomodado, haja vista considerar uma profanação de um dos botecos de memoráveis histórias festivas de Canavieiras, sede ocasional da Confraria d’O Berimbau e da Clube dos Rolas Cansadas.

Eis que de repente um carro dá uma parada e ouço algumas perguntas: Quem foi o melhor ponta-esquerda de Itabuna? E o melhor zagueiro? Respondo que Fernando Riela e Ronaldo Dantas, Piaba, dentre outros. E aí reconheço o autor das perguntas, o engenheiro agrônomo e advogado João Geraldo, que faz nova pergunta: “E quem mais desfrutou das noites e madrugadas de Canavieiras?”. E ele mesmo responde: “Tyrone Perrucho”.

João Geraldo segue caminho e nós continuamos nossa amena conversa tendo como testemunha um litrão de Coca Cola, embora, de antemão, confesso que não bebi. Na manhã desta quinta-feira recebo, via whatsapp, uma foto de Tyrone Perrucho, enviada por Alberto Fiscal. Já Raimundo Ribeiro, direto do Belém do Pará, responde presente na chamada. Foi aí que caiu a ficha: hoje é o segundo aniversário sem Tyrone Perrucho.

Tyrone era uma pessoa que se destacava por suas diferenças. Na foto acima, aparece ele como se estivesse saindo de uma epopeia de natação, após atravessar um braço de mar, cruzar de uma margem a outra de um rio. Que nada, era simplesmente uma foto para a sua gloriosa coleção. O dito cujo sequer sabia nadar; até que tentou, mas o professor gentilmente solicitou que ele buscasse algo mais parecido com suas habilidades.

Na realidade, o nosso ausente personagem gostava mesmo era de se dedicar à redação e edição do seu jornal, o Tabu, morto de morte matada assim que completou 50 anos. Foi um chega pra lá que deixou os leitores de boca aberta. Fora disso, nada mais lhe aprazia do que jogar conversa fora, de preferência num dos botequins em que “sentava praça” com frequente habitualidade, com a presença de amigos tantos.

Era pau pra toda a obra. Comemorava de tudo, datas festivas, aniversários, casamentos, batizados. Quando não os tinha, inventava, astuciava. Há décadas passadas escandalizou a sociedade canavieirense e o judiciário ao marcar seu casamento civil à beira da praia, ele, a coligada e convidados vestidos rigorosamente em trajes de banho. As autoridades forenses não permitiram e a praia da Costa continuou, apenas, como sítio de comemorações.

Ao planejar sua sonhada aposentadoria na Ceplac – após 30 longos anos de bons serviços prestados –, jurou que todos os dias beberia duas cervejas para abrir o apetite. Passou a comer pela manhã, ao meio-dia e à noite. Na ilha da Atalaia, onde se refugiou, mantinha contato com os amigos, via telefone, e-mail ou whatsapp, geralmente avisando o boteco que nos receberia, fazendo questão de informar que se tratava apenas um aviso e não convite.

Certa feita, comprou um carro novo em Salvador, apenas e tão somente para aproveitar a viagem de forma etílica e ainda convida o amigo da vida inteira, Antônio Tolentino (Tolé) para irem juntos. Tolé avisou que iria a Itabuna no domingo para assistir a um jogo do Itabuna, pois ainda não conhecia o novo (à época) Estádio Luiz Viana Filho. Tyrone diz que também gostaria de estar presente, mesmo sem gostar de futebol.

Chegaram em Salvador, pegaram o carro e viajaram com destino a Itabuna e Canavieiras, viagem que demorou quase uma semana. Conforme o garantido, chegaram a tempo de assistir a partida futebolística, mas caminhos diversos o tiraram do estádio, para a tristeza de Tolé, que somente foi conhecer o Itabunão um ano e meio depois, numa viagem feita em sigilo absoluto, para evitar a presença e interferência do amigo Tyrone.

Ao ler a crônica sobre a recuperação do famoso jipinho Gurgel, um dos mais antigos colegas da velha Divisão de Comunicação (Dicom) da Ceplac, Raimundo Nogueira, retrucou: “Não sei o porquê dessa implicância do amigo Perrucho com os carros. Também não sei o motivo que alguns colegas passaram a rejeitar as caronas por ele oferecidas, rumo quase sempre a uma boa farra...”.

E continuou. E por falar nessa matéria e o proverbial descaso de Tyrone Perrucho em cuidados com seus carros, certa feita aconteceram dois casos típicos. Primeiro, roubaram a antena da sua Brasília e ele, prontamente, colocou um fio de arame farpado no lugar, e como funcionou nunca mais tirou. Segundo, certa feita, alguém no banco traseiro deixou cair uma caixa de ovos caipira que se espatifou. Os ovos ali quebrados e mau cheiro correlato permaneceram no carro, intocado, por mais de dois meses. Sobrou mau cheiro e faltaram caronas.

Pois é! Dois anos sem o amigo e promoteur Tyrone Perrucho e a alegria que nos contagiava, por certo diminuiu bastante. Como se diz na política, ele não preparou em tempo um substituto à altura para agregar os seus amigos, que hoje vivem desgarrados, errantes de bar em bar. Também nem deu tempo, a tal da Covid-19 lhe pegou de jeito, levando para o outro mundo, se é que existe.

Até que ensaiaram uma campanha do tipo “Volte Tyrone Perrucho”, mas não funcionou. Fica apenas a eterna lembrança.

*Radialista, jornalista e advogado 

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

NÃO QUERO DAR PITACOS, MAS DEUS É FÃ DE FUTEBOL - A Cronica de Walmir Rosário

 

NÃO QUERO DAR PITACOS, MAS DEUS É FÃ DE FUTEBOL

Mangabeira na Seleção de Veteranos de Itabuna 

Por Walmir Rosário*

Longe de mim querer me imiscuir nas coisas divinas, especialmente do céu, mas não posso deixar de me manifestar acerca de alguns acontecimentos passados de um certo tempo pra cá. Pelo que tenho notado, Deus tem feito escolhas bastante significativas nas pessoas levadas para junto dele, nos deixando chorosos. Esse fato me dá a impressão de que ele pretende formar uma seleção de futebol aí por cima.

E num ato de contrição, vou logo pedindo desculpas, se for o caso: “Eu pecador, me confesso a Deus Todo-poderoso, que pequei muitas vezes, por pensamentos, palavras, atos e omissões, por minha culpa, minha máxima culpa…”. Não quero, aqui, dar pitacos sobre as decisões divinas, e vou ressaltando que estou arrependido de todos os pecados que por acaso aqui cometerei. Mas não é só por minha culpa.

Desde cedo – ainda na infância – me acostumei com as imagens produzidas pelos artistas plásticos – especialmente os pintores – sobre o céu, com aquelas paisagens tranquilas, sempre nas cores azul e branco, e os personagens em profunda contemplação. Peço perdão caso meu raciocínio venha profanar a morada celestial, mas acredito que não combina a enlevação dos pensamentos com a prática do futebol nesta santa morada.

Os amigos que me perdoem se insisto em falar desse tema, misturando fatos mundanos e divinos. Mas minha mente não consegue alcançar o porquê dessas escolhas – o que é mais um pecado. Nos últimos tempos perdemos por aqui Léo Briglia, Fernando Riela, Lua Riela, Luiz Carlos, Daniel Souza Neto (Danielzão), e agora, sem mais nem menos, Nelito Pedreira, João Augusto Mangabeira França e Pelé. De uma só vez!

Nelito e Augusto foram dois baques feios. Parece até aquelas cenas de filmes hollywoodianos. Amigos tão chegados no futebol e na vida, foram embora, sem mais nem menos, em cerca de 44 horas. Nelito, por anos professor de química, empresário do ramo do comércio agropecuário, esportista, aos sábados, não dispensava o encontro com os amigos para o “baba” semanal. E lutou para ter um campo próprio.

Assim que soube da morte dos dois amigos, liguei para outro em comum, Napoleão Guimarães, que lamentou o desaparecimento de Nelito e Mangabeira, com os quais conviveu e trabalhou ao lado deles por vários anos. Contou-me a situação debilitada em que os dois se encontravam e enalteceu a passagem deles no planeta terra. “Parece até que combinaram”, arriscou dizer Napoleão.

João Augusto Mangabeira França era um itabunense nascido em Senhor do Bonfim, com passagem pela capital baiana, onde exerceu a profissão de jogador profissional no Galícia, o Demolidor de Campeões, primeiro Tricampeão Baiano de futebol. Em campo, desempenhava o ofício de zagueiro, não daqueles acostumados a tirar a bola do adversário com chutes e pontapés, mas com classe, se antecipando às jogadas.

Em Itabuna foi professor de Educação Física, professor de Inglês, vendedor de produtos agropecuários e empresário do ramo de representações de empresas, mais conhecido como caixeiro viajante. Viajou pelo sul e extremo sul da Bahia vendendo produtos alimentícios aos supermercados. Não dispensava passar o fim de semana em Itabuna para o “baba” dos veteranos, no estádio Luiz Viana Filho, e depois no bairro Jorge Amado.

Juntos, cursamos direito, ainda na Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna (Fespi), depois Uesc. Ainda acadêmico, era conhecido pelo carinhoso nome de corregedor, título dado por nós, pela sua idade superior à nossa e o seu jeito de dar seu parecer para finalizar as discussões. No período de provas estudávamos em sua casa, grupo de estudos que se transformava num encontro etílico após umas boas doses da famosa Cuba Livre.

Por muitos anos me abastecia com as histórias e estórias do seu tempo como jogador profissional no Galícia. Ele se divertia com a diversidade de cultura e temperamento dos jogadores e contava passagens memoráveis acontecida em campo e extracampo. Dentre os seus personagens prediletos o colega Apaná Venâncio e o treinador Sotero Montero, este pela surrada frase: “É pelo arriar das malas que conheço o bom jogador”.

Por algum tempo o Dr. Augusto Mangabeira frequentou as lides forenses, mas não se conformava com as pesadas gavetas nas quais dormitavam os processos, mesmo sendo arquivados em armários de prateleiras de aço, portanto, fáceis de serem vistos e retirados para apreciação. Continuou se dedicando às pastas de representação, tirando pedidos nos armazéns e supermercados, nos quais era bastante conhecido e querido.

Passamos um certo tempo sumidos entre nós e recebia notícias dele quando encontrava o seu irmão, o médico Antônio Mangabeira, que uma das vezes me informou sobre o acometimento de Alzheimer. Outro colega desde os tempos da universidade, o advogado José Augusto Ferreira Filho, me contou que, ao chegar para uma audiência, encontra o colega Augusto Mangabeira, desta feita não no mister de advogado, mas como parte, quando era requerida sua interdição, por causa dos esquecimentos provocados pelo mal.

Todos que por aqui passam cumprem sua missão, mas não sei o que está sendo reservado para eles lá em cima. Se não for pecado, torço que o Todo-poderoso forme uma seleção imbatível. Competência eles têm, pois aqui foram testados e aprovados.

*Radialista, jornalista e advogado

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

A Cronica de Walmir Rosário - Direto de Canavieiras

 

PELÉ, SUA MAJESTADE O REI DO FUTEBOL (PARA SEMPRE)

Pelé desce do ônibus da Sulba, em Ilhéus 

Por Walmir Rosário*

Assim que foi anunciada sua morte, li, em algum lugar, que morria Edson Arantes do Nascimento. Pelé continuaria vivo para sempre. Considero essa singela homenagem digna de Pelé, o Rei do Futebol, título de nobreza a ele consagrado sem qualquer favor, herança, ou tomado de outrem na política. Nada disso, ganhou diretamente do povo do mundo inteiro que se deslumbrava quando o via jogar o maravilhoso futebol.

E Pelé já foi considerado uma das maravilhas do mundo, sem qualquer favoritismo. Poucos chegaram mais ou menos perto de jogar o deslumbrante futebol que demonstrava em campo. Com maestria, recebia a bola do companheiro de clube ou seleção, matava-a no peito, e a fazia rolar até qualquer um dos seus pés, driblando os adversários, dando um passe para o jogador mais bem colocado, ou simplesmente despachando para o gol.

E o resultado não era outro, senão o fundo do gol, bola no filó, ou como narrava o competente Orlando Cardoso, “O barbante estufou, o escore mudou”. Não restava outra opção ao goleiro, que buscar a pelota atrás dos três paus e despachá-la para a marca central do gramado, para uma nova saída. E assim que a bola entrava no gol, Pelé impulsionava seu corpo para o alto com o punho estendido. Era sua marca registrada.

E desde os 15 anos de idade, quando chegou ao Santos, Pelé derruba tabus dentro e fora de campo, para o costumeiro delírio dos torcedores. Era o que chamamos de reserva de luxo. Afinal, ser substituto de Del Vecchio não era para qualquer um. Os dois – Pelé e Del Vecchio – eram os artilheiros absolutos do Santos e dos campeonatos que participavam, e com dezenas de gols marcados nas equipes adversárias.

Pelé encantava! Não somente as torcidas, mas e também os companheiros e adversários. Ele, e somente ele, conseguia antever as jogadas futuras, vislumbrava o campo por inteiro enviava a bola para quem melhor a pudesse aproveitá-la. Em frações de segundo, Pelé planejava a trajetória da bola, privilegiando os melhores colocados. Daí, se colocava nas proximidades da grande área. Era só ouvir a torcida delirar. Era mais um gol de Pelé!

E não é que Pelé continua desbancando até agora os esquemas aplicados nos jogos? Em nenhum momento privilegiava o jogo recuado, só quando o Santos ou a Seleção Brasileira resolvia punir o adversário com o famoso olé. Jogava pra frente, em direção ao gol adversário, com dribles muitas vezes desconcertantes, passes precisos. O objetivo era marcar os gols, e eles vinham como esperado.

Não tenho certeza de quem o consagrou Rei do Futebol, mas na crônica A Realeza de Pelé, Nélson Rodrigues descreve: "Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento". Não satisfeito, o dramaturgo vaticina: "Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós". E não deu outra.

Em 1957 se destacou no cenário nacional esportivo, o que lhe garantiu vaga na Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1958. Saiu do Brasil como reserva de outros monstros sagrados do futebol e conseguiu se firmar após contusões de jogadores concorrentes e sua destacada atuação. Era o garoto de 17 anos que fazia brilhar o esporte bretão com jogadas bonitas, maravilhosas e certeiras. Pelé volta ao Brasil campeão do mundo.

Em 1962 a convocação para Seleção Brasileira que disputaria a Copa do Mundo no Chile era Pelé e mais 10, mesmo que dentre eles estivessem Garrincha, Didi, Zagalo, Zito, Vavá e outras estrelas. No primeiro jogo, contra o México, driblou toda a defesa e marcou. No segundo jogo, contra a Tchecoslováquia, sofreu uma contusão que o tirou do certame e foi bem substituído por Amarildo. Esta foi a copa de Garrincha.

Em 1966, não é bom nem falar, foi caçado em campo e saímos na primeira fase. Tal e qual uma fênix, ressurge na Copa do México, comanda a seleção e se consagra de novo. Era tricampeão, apesar de ser considerado acabado para o futebol. Vai para o Cosmos e transforma o futebol (lá chamado Soccer) uma “febre” nos Estados Unidos. Mais uma vez demonstra ser a majestade do futebol.

Que realeza faria o que Pelé fez no continente africano, aproximando inimigos históricos, fazendo parar guerras enquanto se apresentava nos jogos? Nenhuma outra realeza, daquelas ungidas por hereditariedade, ou por decisões políticas, jamais conseguiram uma proeza dessas. Ainda tem o Pelé do milésimo gol, marcado contra o seu time de coração, o Vasco, quando foi mal interpretado ao defender as crianças pobres.

Por ser quem foi a vida inteira, Pelé brilhou no futebol, venceu na vida como pessoa, conseguiu feitos como embaixador do futebol, homem de marketing, amigo dos amigos, muitas vezes não retribuído, ministro dos Esportes, enfim, em tudo que participou. De minha parte, faço coro aos que consideram Pelé eterno. Aos que sabem jogar bola, e bem, que se contentem com o nobre título de Príncipe, o que não é pouca honraria.

Edson Arantes do Nascimento se foi, Pelé fica nos nossos corações.

*Radialista, jornalista e advogado.