Igor Stravinsky: a peça que faltava
Reencontrada
após 107 anos, partitura de 'Canto Fúnebre' gera expectativa e ganha um
capítulo à parte das descobertas tardias da história da música
Stravinsky
em foto tirada em Nova York, em 1946
De. - Cartacapital.com.br - Público, biógrafos e músicos já haviam perdido a esperança de
conhecê-la. Desaparecida há 107 anos, Canto Fúnebre, partitura de
Igor Stravinsky, ressurgiu. Trata-se da peça orquestral composta em 1908, ano
em que o músico iniciava a composição de sua primeira obra de grande
repercussão, O Pássaro de Fogo, e da ópera O Rouxinol.
Foi preciso
vasculhar todo o acervo do Conservatório da cidade cinza de Dostoievsky, São
Petersburgo, para que emergissem os manuscritos, ainda incompletos, da obra
daquele que foi um dos maiores artistas do século XX.
A empreitada
foi liderada por Natalya Braginskaya, especialista na obra de Stravinsky, que,
no fim de outubro, presidirá um colóquio em Bordeaux (“De Bordeaux a São
Petersburgo”), no qual deve fazer alusão à descoberta.
O Canto Fúnebre foi tocado uma só vez, na mesma cidade,
e estava perdida desde a revolução de 1917. A peça provocou forte impacto no
público e no próprio compositor, de acordo com seus relatos (“Crônicas de minha
vida”, 1935), mas não desencadeou sua afirmação artística.
Foi necessário partir para a Europa Ocidental e associar-se a Serguei
Diaghilev e aos Ballets Russes para que o reconhecimento
viesse. De qualquer forma, seria no mínimo incomum que uma carreira se
afirmasse a partir de um canto fúnebre, descrito por Natalya como um hino no
interior de uma procissão.
O mote
central da peça é a morte do compositor Nikolai Rimsky-Korsakov, do qual
Stravinsky foi aluno e grande admirador.
Cada melodia, apresentada instrumento por instrumento, seria como uma
coroa de flores depositada no túmulo do mestre russo, tudo acompanhado por um
“fundo grave de murmúrios em tremolo”, de acordo com o relato do
compositor em sua autobiografia.
Ao menos
dois aspectos fundamentais da estética de Stravinsky são esperados: a dimensão
ritualística e a atração por um arcaísmo, real ou idealizado.
Tais características aparecem explícitas, em diferentes graus, durante
toda a carreira do músico, como nas obras Pássaro de Fogo, Sagração
da Primavera, As bodas, Œdipus Rex, e suas últimas obras
seriais, como o Threni e o Requiem Canticles, por
exemplo. Além disso, o Canto Fúnebre surge como a primeira de
uma lista de obras escritas em memória de seus amigos, na qual inserem-se,
entre outras, a parte final daSinfonia para Instrumentos de Sopro dedicada
a Claude Debussy, Im Memoriam Dylan Thomas e Introitus para
coro masculino e percussão dedicado a T. S. Eliot.
A história
da música ocidental está pontuada por descobertas tardias de obras de grandes
artistas, como as orquestrações de melodias de Guy Ropartz feitas por
Villa-Lobos, encontradas em 2009, ou uma peça para piano de Mozart, descoberta
em 2012.
Serão necessários ainda alguns meses até que a peça orquestral de
Stravinsky seja restaurada e editada. Resta esperar que o Canto Fúnebreseja
apresentado pelas mãos hábeis de músicos sintonizados com o espírito inquieto
do mais cosmopolita dos compositores russos.
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