quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A ressurreição do cacau na Bahia
Mais de 20 anos após ser varrida por uma praga, a cacauicultura é reinventada no sul da Bahia
Matéria publicada na edição 31 da Revista [B+]
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Por Lívia Cabral
Foto: Ana Lee

Tratamento especial dado ao cacau superselecionado garante matéria-prima valorizada no mercado internacional
Colheita, seleção, higienização, fermentação, secagem, análises físico-químicas, microbiológicas e de degustação. Este é o ciclo cuidadosamente realizado durante cerca de 20 dias para a obtenção de amêndoas de cacau fino nas fazendas do sul da Bahia. A matéria-prima tem elevado o status da Bahia – e do Brasil – no paladar do mundo quando o assunto é chocolate de qualidade. Prova disso é a crescente demanda pelo mercado especializado, como a alta confeitaria.
Com importantes prêmios acumulados no currículo, o chef Rafael Barros, à frente da confeitaria Opera Ganache, em São Paulo, recentemente decidiu incorporar às suas receitas o chocolate Fazenda Sagarana, do nanoprodutor baiano Henrique Almeida. “Vi de perto o cuidado do produtor. A atenção e carinho com que tudo é feito sem dúvida resulta num produto que pode competir com os importados”, aponta o confeiteiro. Outra autoridade da área que atesta esses predicados é a consultora francesa Chloé Doutre-Roussel, autora do livro The Chocolate Connoisseur. “Há algum tempo produtores da Bahia estão fazendo um trabalho de qualidade na manutenção da fazenda, na secagem e no tostado, e conseguindo um cacau de boa qualidade”, conclui Chloé, que participou, no último mês de junho, junto com o chef Rafael Barros e outros grandes especialistas, da sétima edição do Festival Internacional do Chocolate e Cacau, em Ilhéus.

O mercado das amêndoas selecionadas é um universo relativamente novo para os produtores da região. Fortemente abalada pela praga da vassoura-de-bruxa nos anos 90, a cacauicultura no sul da Bahia vem se reinventando. O processo começou há alguns anos, depois da visita de produtores locais ao Salon Du Chocolat de Paris e do contato com o método de produção de chocolate chamado bean to bar (da amêndoa à barra, em livre tradução). “Foi a partir daí que surgiu um movimento de produtores valorizando mais o seu cacau. Alguns deles começaram a produzir o próprio chocolate, mesmo com limitação de equipamentos”, conta o empresário Marco Lessa, idealizador do festival de ilhéus e proprietário da marca de chocolate de origem ChOr.
O interesse de chocolateiros europeus por amêndoas de qualidade do Brasil para a elaboração de chocolate fino na Europa foi gerando o combustível que os cacauicultores baianos precisavam para diversificar seu produto e não depender apenas do desvantajoso mercado de commodities. A arroba de cacau selecionado chega a valer duas vezes mais do que comum. Ângelo Calmon de Sá, um dos maiores produtores do país, contabiliza 72 mil arrobas por ano, sendo 5% de amêndoas selecionadas, vendidas para indústrias como Nestlé e Barry Callebaut. Para Calmon, além da valorização, outra grande vantagem do cacau fino é que “a venda é feita de forma direta, sem intermediários entre o chocolateiro e o produtor”.
Na Fazenda Riachuelo, em Ilhéus, toda a produção de cacau selecionado – 5% das 60 mil arrobas anuais – se transforma em chocolate premium na unidade fabril montada lá mesmo, pelos donos da propriedade. “A ideia inicial era desenvolver tecnologia para produzir cacau fino que pudesse ser comercializado com valor de 3 a 4 vezes do preço da commodity, para exportar para indústrias chocolateiras europeias”, revela Mororó. Entretanto, o resultado foi tão bom que os sócios deram preferência à produção própria e o chocolate Mendoá tem recebido reconhecimento de qualidade e hoje é vendido nos principais empórios gourmets do país.
Desafios
Da produção total de suas três fazendas no sul da Bahia, o empresário João Tavares seleciona 70% das amêndoas para o mercado gourmet. Envia para Bélgica e França 25% do seu cacau fino, enquanto o restante é comercializado para indústrias no Brasil. Entre seus clientes figuram nomes como Nespresso, Nugali (Santa Catarina) e Harald, indústria de São Paulo que mantém a linha especial Unique Bahia 63% Fazenda João Tavares. “Todo o cuidado na produção se justifica pelo preço que conseguimos no produto. O prêmio varia de 70% a 100%. A rentabilidade do cacau convencional é baixíssima”, destaca o produtor. No entanto, Tavares reconhece que o negócio é incipiente. “O mercado interno precisa valorizar mais o chocolate fino, com menos açúcar interferindo no sabor”, desabafa.
Na luta pela valorização do produto, os empresários ganharam como aliada a senadora Lídice da Mata, autora do Projeto de Lei PLS 93/2015, que estabelece um teor mínimo de 35% de cacau nos chocolates produzidos e comercializados no Brasil. “Isso representa uma agregação de valor ao cacau, que antes era exportado de forma bruta e ganha cada vez mais mercado ao ser processado como chocolate. Além disso, precisamos fazer com que o consumidor saiba o que está comprando e tenha acesso ao autêntico chocolate”, justifica.

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