O PROCESSO PECOU PELO EXCESSO DE JURIDIQUÊS
Por Walmir Rosário*
Muito se fala sobre o extremo academicismo e o comportamento daqueles que o integram. De forma exagerada, muitos o classificam como um grupo fechado, fora da realidade que o cerca, talvez por seu vocabulário diferenciado, bastante formal, recheado de termos técnicos, e que frequentemente é visto, de forma errônea, como pedantismo, criando ruídos na comunicação.
Cada grupo com sua linguagem falada e escrita: os médicos, conhecidos pelos garranchos postos nas receitas, que muitas das vezes nem os atendentes de farmácias mais experientes conseguem decifrar. Os professores, não são diferentes, com palavras bem ligadas às metodologias, gestões e pedagogia; os engenheiros com os termos técnicos de obras, jargões, siglas e abreviações.
Mas o fato que mais chama a atenção é o juridiquês, com o uso exagerado de linguagem rebuscada, palavras latinas, e termos técnicos que costumam deixar de boca aberta qualquer vivente de outra área. Muitas das vezes dá o desavisado leitor pode morrer acometido por falta de ar ao ler uma petição, recurso, sentença, que só o linguajar do médico pode explicar.
Aos poucos, a linguagem empregada nas peças jurídicas vai se modernizando, com frases e períodos mais objetivos, o que veio a facilitar a compreensão, inclusive dos litigantes, antes atônitos com o linguajar. Algumas pessoas, de forma maldosa, diziam que os advogados, promotores e juízes escreviam com a linguagem empolada apenas para impressionar e mostrar conhecimento.
Acredito que uma das pessoas que contribuíram para essa mudança de chave do disjuntor jurídico tenha sido o juiz de Itabuna, depois escolhido e nomeado Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia. O magistrado, antes rádio técnico e radialista conceituado, subia numa antena para consertar o equipamento com a mesma desenvoltura que prolatava uma sentença.
Ao ser transferido para a Comarca de Itabuna, atuou numa das varas Cíveis e no eleitoral com a mesma presteza e desenvoltura e praticidade que todos os conheciam e admiravam. Era comemorado pelas partes por não deixar os processos dormirem eternamente nas prateleiras e gavetas do cartório, despachando-os e julgando-os o mais rápido possível.
Numa certa feita chegou à Vara da qual era titular uma petição volumosa cheia de papéis apensados, recheando quase na sua totalidade a pasta na qual foi envolvido. Numa fim de tarde, ao finalizar uma audiência, o magistrado recebeu do serventuário os novos processos aos quais teria que examiná-los e dar os despachos correspondentes.
O mais volumoso lhe chamou a atenção e logo na capa observou as partes envolvidas, a matéria jurídica envolvida e os advogados. Um deles famoso, eloquente, considerado um intelectual de grandes conhecimentos e também professor. O juiz separou os processos de acordo com seus métodos de exame, deixando o mais volumoso por último.
Justamente quando pegou o processo em questão para iniciar a leitura, recebeu a visita de algumas pessoas e passou a tratar de temas inerentes a processos que corriam na Vara em que era titular. Lá pelas oito da noite, finalmente pegou o processo e guardou em sua valise, deixando para realizar a análise em casa, com bastante calma.
No dia seguinte devolveu os autos recebidos na tarde anterior ao escrivão da Vara, todos com os devidos despachos para o encaminhamento e publicação das decisões interlocutórias. E entre os processos o tal volumoso. O escrivão meteu mãos à obra e passou a datilografar as providências para juntar aos processos e fazer a publicação.
Qual não foi a surpresa do escrivão ao ver as páginas do processo grampeadas das folhas 02 a 12 (penúltima). Sem entender muito sobre os costumes e comportamentos do magistrado, se dirigiu à sala do juiz e indagou – de forma bastante cuidadosa – sobre as páginas grampeadas, solicitando informações sobre qual procedimento tomar.
Sem dar muita importância ao ato, o magistrado, com voz e gestos moderados, explicou que toda aquelas páginas (no jargão forense, folhas) não contribuíam em nada para a solução do feito. Calmamente, explicou que eram excessos cometidos pelo causídico, pois todo o cerne da questão estava colocado nas páginas livres.
E nomeou: Nelas estão: na pagina 01 e 02, a qualificação das partes (autor e réu), a nomeação do advogado, a causa de pedir (origem da lide e o próprio direito, jurisprudência, etc.), e na página 13, o pedido (desejo do autor). Muito se diz o que mais o magistrado revelou ao escrivão, porém, podemos deduzir que as páginas restantes continham apenas palavras que não primavam pela clareza, objetividade e precisão. Com todo o respeito, é claro.
*Radialista, jornalista e advogado
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