Como era de fato os neandertais
Esqueça a visão clássica dos neandertais isolados
em cavernas frias, caçando mamutes em terras áridas e desoladas. Uma pesquisa
recente, divulgada na revista Scientific Reports, indica que, cerca de 80 mil
anos atrás, nossos parentes extintos desfrutavam do sol e do mar ao longo da
costa portuguesa, revelando um estilo de vida muito mais diversificado e astuto
do que se imaginava. Essas descobertas, baseadas nas primeiras pegadas de
neandertais identificadas no país, oferecem uma perspectiva inovadora e
detalhada sobre o dia a dia desses hominídeos, destacando sua adaptação
inteligente a ambientes variados. Os achados pintam um quadro vivo de grupos
familiares explorando dunas, caçando presas e coletando recursos marinhos, o
que desafia estereótipos antigos e enriquece nossa compreensão da evolução
humana.
O estudo descreve essas pegadas como uma autêntica
janela para o cotidiano pré-histórico, capturando instantes precisos da vida
antiga. "As marcas registram um episódio específico, quase em tempo real,
permitindo reconstruir ações como uma caminhada coletiva, uma perseguição
intensa, uma fuga rápida ou simplesmente a presença em um local
particular", explicam os geólogos Carlos Neto de Carvalho, da Universidade
de Lisboa, e Fernando Muñiz, da Universidade de Sevilha. Diferente de ossos ou
artefatos, que podem ser deslocados ou abandonados aleatoriamente, essas
pegadas indicam exatamente onde os neandertais pisaram e como se locomoviam,
adicionando camadas de detalhes sobre suas rotinas sociais e estratégias de
sobrevivência em um ecossistema dinâmico e cheio de oportunidades. No Monte
Clérigo, por exemplo, foram catalogadas 26 pegadas pertencentes a pelo menos
três indivíduos de faixas etárias distintas: um adulto robusto, uma criança em
fase de crescimento e um bebê com menos de 2 anos, sugerindo laços familiares
fortes e atividades compartilhadas. As trilhas revelam que eles subiam e
desciam dunas inclinadas, movendo-se devagar nas subidas para poupar energia e
acelerando nas descidas para ganhar velocidade. A proximidade das marcas
infantis aponta para a existência de um acampamento próximo, enquanto a
sobreposição com pegadas de cervos indica táticas de caça sofisticadas, como
armadilhas ou emboscadas planejadas, demonstrando um nível de inteligência
coletiva e adaptação ao terreno que vai além do que se esperava.
Já na Praia do Telheiro, uma pegada isolada,
provavelmente de uma adolescente ou mulher adulta, foi encontrada ao lado de
marcas de aves litorâneas, reforçando que a existência neandertal não se
restringia ao interior continental, mas incluía uma exploração ativa e
estratégica das zonas costeiras, onde o mar oferecia recursos abundantes e
variados. Essa conexão com o litoral sugere que eles integravam o ambiente
marinho em sua rotina, possivelmente passando temporadas nessas áreas para
maximizar a coleta de alimentos e minimizar riscos. A dieta desses hominídeos
impressiona pela versatilidade: priorizavam veados, cavalos e lebres como
presas terrestres principais, mas complementavam com itens costeiros, como
moluscos frescos, caranguejos suculentos e até focas, mostrando uma capacidade
notável de adaptação flexível ao que o ecossistema local proporcionava. Essa
mistura de caça terrestre e coleta marinha ilustra uma abordagem equilibrada e
sustentável, adaptada às estações e à disponibilidade de recursos, o que os
tornava sobreviventes eficientes em um mundo em constante mudança.
Para Carlos Neto de Carvalho, esses vestígios
comprovam que os neandertais eram bem mais versáteis e perspicazes do que as
narrativas tradicionais sugerem, com habilidades sociais e ambientais
avançadas. “As pegadas abrem uma visão única e dinâmica para o comportamento
rotineiro: um retrato instantâneo de dezenas de milhares de anos no passado”,
ressalta o pesquisador, enfatizando como esses achados humanizam esses
ancestrais, revelando famílias unidas, estratégias de caça colaborativas e uma
harmonia com a natureza que ecoa até os dias atuais. Essa redescoberta não só
reescreve partes da história evolutiva, mas também inspira reflexões sobre
nossa própria conexão com o planeta e o legado deixado por esses primos
distantes. Fonte:
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