sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Como o turismo rural transforma antigas fazendas do Sul da Bahia

Como o turismo rural transforma antigas fazendas do Sul da Bahia

Em todas elas, o cacau permanece no centro, ainda que de maneiras distintas.

Por Divo Araújo/Jornal ATarde

O sul da Bahia vive há anos um movimento crescente: antigas fazendas de cacau, muitas delas afetadas pela vassoura-de-bruxa e pela queda no preço do fruto, passaram a receber turistas brasileiros e estrangeiros. O que começou como um jeito de manter as propriedades funcionando virou, hoje, uma alternativa econômica importante na região. A ideia não é nova, mas ganhou diferentes formatos — visitas guiadas, degustações artesanais e até oficinas de fabricação de chocolate. Em todas elas, o cacau permanece no centro, ainda que de maneiras distintas.

A história da Fazenda Vila Rosa, em Itacaré, exemplifica bem essa mudança. O norte-americano Alan Slesinger, paisagista urbano de Nova York, chegou à Bahia em 2003, dois anos após os atentados de 11 de setembro. A vida acelerada na cidade e o clima que marcou os meses seguintes ao ataque às torres do World Trade Center fizeram crescer nele o desejo de “aprender outra língua”, “fugir do inverno” e buscar uma vida mais simples e conectada à natureza. Ele havia conhecido Itacaré em 1999, voltou e decidiu ficar.

Alan comprou a Fazenda Vila Rosa, construída em 1920, que estava há cinco anos abandonada. A motivação inicial não tinha como foco a lavoura cacaueira. “Era mais sobre o casarão antigo com um jardim em volta. O cacau era bônus.” A primeira tentativa de atrair visitantes para a fazenda, em 2011, não deu certo. O passeio era focado na história da família que viveu ali, na arquitetura e no paisagismo.

A mudança veio depois de uma viagem de surf ao Peru, onde Alan viu uma loja que mostrava a produção artesanal de cacau. O formato inspirou a criação, em 2014, de uma loja de chocolates finos na turística Rua Pituba, em Itacaré.


“Abri a minha própria loja com a ideia de criar uma teia de aranha para capturar o meu próprio turista”, conta. A estratégia funcionou: a loja virou a porta de entrada para o turismo rural na Vila Rosa. “No primeiro mês tivemos mais de 100 visitantes”. Em janeiro deste ano, a fazenda recebeu cerca de mil pessoas.

Segundo Alan, a fazenda se mantém em equilíbrio entre o turismo e a venda de chocolate artesanal. “A nossa renda vem desses dois lados: o passeio e o chocolate. Antes tínhamos hospedagem, mas parei durante a pandemia de Covid”, explica.

 

Ele conta que o negócio ainda não alcançou grande lucratividade. “Não é algo forte economicamente. É uma balança — um pouco das vendas, um pouco das visitas.” Mesmo assim, segue comprometido com o projeto. “A fazenda ainda é muito mais um trabalho de cuidado e dedicação do que uma fonte de renda estável. Mas é um projeto que eu sustento com carinho.”

Novos significados

Enquanto o turismo rural na Vila Rosa nasceu quase por acaso, a Fazenda Taboquinhas, também em Itacaré, nasceu de um propósito. Seu proprietário, Osvaldo Brito, é carioca e viveu 24 anos em São Paulo, onde trabalhava como taxista e atuava como educador ambiental voluntário. Foi assim que conheceu a permacultura — um sistema de planejamento para a criação de ambientes sustentáveis e produtivos em equilíbrio com a natureza. “A permacultura me abriu uma visão do que eu poderia fazer na Bahia.”

O sonho antigo de viver no estado virou realidade quando encontrou a antiga fazenda de cacau em Taboquinhas, distrito de Itacaré. A propriedade às margens do Rio de Contas estava degradada. Osvaldo começou recuperando as matas e reativando o cacau.

“Imediatamente comecei um trabalho de restauração das matas. E eu tinha uma plantação de cacau para cuidar.” Com o tempo, o fruto ganhou um novo significado e o turismo entrou de forma natural.

Osvaldo recebia visitantes mostrando a lavoura e a relação com a Mata Atlântica. O foco do passeio é o aprendizado.

“O meu principal foco do passeio é mostrar o potencial do cacau. Levar o turista a entender o que é cacau e o que é chocolate de verdade.”

A experiência inclui chupar cacau no pé, ver a fabricação no pilão e aprender sobre culturas tradicionais, além da degustação dos chocolates finos produzidos na fazenda.

O negócio funciona em diferentes frentes. “Temos três eixos: a produção de chocolate puro é a principal fonte de renda. Depois vem o turismo. E a plantação de cacau.” Mesmo com trajetórias distintas, Vila Rosa e Taboquinha encontraram no turismo uma oportunidade de se reinventar. Nos casarões restaurados, nas trilhas sob a sombra da Mata Atlântica e no chocolate feito ali mesmo, o cacau continua sendo o que move o sul da Bahia.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Como a Igreja Ortodoxa se afastou da Igreja Católica?

Como a Igreja Ortodoxa se afastou da Igreja Católica?

 


Nos primeiros mil anos do cristianismo, o Oriente e o Ocidente formaram uma Igreja — unidos na fé, sacramentos, concílios e na liderança do sucessor de São Pedro. Os dois grandes pulmões do Cristianismo respiraram juntos - Oriente e Ocidente. No entanto, abaixo da superfície, as tensões estavam a crescer silenciosamente: rivalidade política, diferenças culturais, disputas doutrinárias e interferência imperial.

A história de como a Igreja Ortodoxa rompeu da Igreja Católica não é um único momento, mas um longo e doloroso desvendar.

A Primeira Grande Lágrima: Fócio e a Ascensão da “Nova Roma”

Em 858, o imperador bizantino Miguel III removeu o legítimo patriarca Inácio de Constantinopla e substituiu-o por Fócio, um estudioso brilhante mas um mero leigo na época. Em apenas seis dias, Fócio foi apressado através da ordenação e instalado como patriarca - um movimento impulsionado não pela Igreja, mas pela política imperial.

Quando o Papa Nicolau I investigou, ele recusou-se a reconhecer Fócio.

Constantinopla respondeu com desafio.

Fócio acusou a Igreja Católica de "erros" e começou a afirmar que Constantinopla - "Nova Roma" - deveria rivalizar com a autoridade da antiga Roma. Este foi o nascimento de uma ideia perigosa: uma Igreja subordinada à política imperial em vez da sucessão apostólica de Pedro.

Esta rebelião política abriu a primeira grande ferida.

Por volta do século XI, as fissuras tinham se alargado.

1. Tensões doutrinárias

Discordâncias acabaram:

✅Primacy Papal

✅A Filioque (a procissão do Espírito Santo)

✅Práticas disciplinares e variações litúrgicas

O Oriente resistiu à autoridade universal do Papa, favorecendo uma federação solta de igrejas autogovernadas - algo estranho à estrutura estabelecida por Cristo quando Ele confiou as chaves a Pedro (Mateus 16:18-19).

2. Cultural / Estranjo Linguístico

Latim vs. Língua grega

Roman vs. Sistemas jurídicos e políticos bizantinos

Estilo teológico ocidental vs. Misticismo oriental

A Igreja se distanciou não apenas em ideias, mas em identidade.

3. Pressão política do Império Bizantino

A Igreja Oriental viveu sob imperadores que muitas vezes comandavam bispos, removiam patriarcas e influenciavam a doutrina.

Este "Cesaropapismo" tornou o Oriente cada vez mais independente de Roma e dependente da política imperial.

Os Patriarcados Orientais foram Destruídos - Exceto Roma

À medida que o Islã se espalhou, os antigos centros do Cristianismo foram conquistados:

🗡️Alexandria caiu para os invasores muçulmanos (641)

🗡️Antioquia caiu (638)

🗡️Jerusalém caiu (637)

Estes já foram poderosos patriarcados que moldaram a doutrina cristã. A destruição deles deixou Constantinopla isolada, faminta por autoridade e ansiosa por elevar-se acima de Roma.

E ironicamente - até a própria Constantinopla caiu quando os turcos otomanos a conquistaram em 1453, terminando com o Império Bizantino.

Roma sozinha permaneceu intocada pela conquista islâmica, preservando o governo apostólico de forma contínua e independente.

Uma Comunhão Sem Unidade: Fragmentação Ortodoxa Hoje.

Muitos pensam que a "Igreja Ortodoxa" é um corpo unido. Na realidade, é uma manta de retalhos de igrejas nacionais independentes frequentemente não em comunhão umas com as outras.

Exemplos recentes de excomunicações ortodoxas:

1. Rússia vs. Constantinopla (2018-presente)

A Igreja Ortodoxa Russa cortou a comunhão com o Patriarca Ecumênico de Constantinopla sobre o reconhecimento da Igreja Ortodoxa Ucraniana. Eles permanecem divididos hoje.

2. Antioquia vs. Jerusalém

A Igreja Ortodoxa Antioquia rompeu a comunhão com o Patriarcado de Jerusalém devido a uma disputa sobre território no Qatar.

Este cisma durou anos, provando quão frágil é a unidade deles.

3. Bulgária vs. Constantinopla (década de 90)

A Igreja Ortodoxa Búlgara separou de Constantinopla por dois anos, recusando-se a reconhecer as ações do Patriarca Ecumênico.

4. Sérvia vs. Macedônia do Norte (2020-2022)

A Igreja Ortodoxa Sérvia excomungou a Igreja Ortodoxa Macedônia por declarar independência.

Eles se reconciliaram recentemente, após décadas de divisão.

5. Grego vs. Jurisdições Ortodoxas Russas

Em algumas regiões, os bispos ortodoxos gregos recusam-se a concelebrar com os bispos russos devido a disputas políticas e eclesiásticas.

Estes exemplos mostram um padrão consistente:

Sem um pastor universal, a unidade colapsa.

Cristo orou "para que eles fossem um" (João 17:21), mas a estrutura ortodoxa não pode garantir essa unidade.

Até as Escrituras Delas Diferem: Vários Cânones Bíblicos

Outro sinal da fragmentação deles: as igrejas ortodoxas não conseguem concordar com um único cânone bíblico.

Uns usam 76 livros, outros 77, outros 78, alguns até 81.

Suas bíblias variam de uma jurisdição para outra.

Isto contrasta fortemente com o cânone universal definido da Igreja Católica confirmado nos Concílios de Roma (382), Hiponpótamo (393) e Cartago (397).

A unidade nas Escrituras reflete a unidade na autoridade - e o mundo ortodoxo carece de ambos.

A Igreja Católica continua a dar as boas-vindas ao retorno do oriente

Apesar das divergências e das feridas da história, a Igreja Católica não responde com hostilidade.

Em vez disso, ela estende seus braços para seus irmãos separados.

Muitos já voltaram.

Estas são as Igrejas Católicas Orientais, formadas por comunidades que já pertenceram à Igreja Ortodoxa, mas restauraram a comunhão total com Roma. Eles mantêm:

✅A liturgia deles

✅As vestes deles

✅A espiritualidade deles

✅As tradições deles

Mas com uma mudança - eles estão agora reunidos com o sucessor de Pedro.

Estas "Unias" ou Igrejas que regressam, são a prova viva de que a unidade é possível.

Esperança de um irmão há muito perdido

A Igreja Católica reza fervorosamente para que um dia o mundo ortodoxo - nosso irmão há muito separado - volte para casa.

Olhamos para o dia em que o Oriente e o Ocidente mais uma vez respiram juntos em harmonia, unidos sob o único Pastor que Cristo nomeou.

As feridas da história são profundas.

mas o amor de Cristo é mais profundo.

Que o Espírito Santo nos guie para a reunião de toda a Igreja Católica—

um rebanho, uma fé, uma família em Cristo.

via: Catholic Study Fellowship

sábado, 22 de novembro de 2025

“Manhã de Retribuição” Uma crônica sobre justiça, memória e o preço das escolhas políticas que marcaram o Brasil.

“Manhã de Retribuição”

Uma crônica sobre justiça, memória e o preço das escolhas políticas que marcaram o Brasil.


Lisdeili Nobre

 

Acordamos com o plantão jornalístico cortando a programação matinal, aquele aviso sonoro na TV que o Brasil já aprendeu a temer. Mas, desta vez, não era tragédia natural, enchente, massacre ou crise internacional.
Era o que muitos esperavam há anos: a prisão do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro.

Para uma parcela do país, ele não é um político — é uma espécie de espelho emocional. Não importa o que fez, importa o que representa. E símbolos, quando se instalam na cabeça das pessoas, viram muros contra qualquer realidade.

Para outra parcela, a notícia não traz euforia. Para alguns, traz memória.
A lembrança da tentativa grotesca e violenta de golpe, que expôs ao mundo o quanto ainda somos jovens demais como democracia e tolerantes demais com aventureiros autoritários.

Eu, ao ver a imagem da prisão, senti algo simples e frio: retribuição.
Não moral, não pessoal — jurídica.
A retribuição que o Direito Penal prevê quando alguém ultrapassa limites institucionais que deveriam ser intocáveis.

Logo depois, nos mesmos noticiários, os dados do IBGE surgiram como pano de fundo da história recente:

700 mil mortes por COVID-19

Esses números não são responsabilidade direta do ex-presidente.
Mas a memória coletiva que carregam é inseparável da condução federal da pandemia. Porque ele pode não ter criado o vírus — mas escolheu como enfrentá-lo:

• negando vacina;
• zombando de mortos, enfermos nos hospitais e lares brasileiros;
• incentivando remédios sem comprovação;
• sabotando a ciência brasileira;
• minando a confiança pública em medidas básicas de proteção;
• transformando dor em oportunidade política;
• confundindo a população com versões paralelas da realidade.

O país ficou sem oxigênio enquanto ele fazia piadas. Faltaram leitos. Faltaram local para enterros. Faltou governo.

E o resultado não foi apenas estatístico: foram pessoas reais — amigos, familiares, vizinhos, colegas — que morreram sufocados, sozinhos, enquanto o líder da nação dizia que era “mimimi”, uma gripezinha.

Como se não bastasse, seu discurso inflamado espalhou violência, legitimou agressões, fortaleceu machismos e ampliou riscos para mulheres que já viviam cercadas de perigos.
O reflexo disso está nas delegacias, nos índices de feminicídio, na normalização da brutalidade cotidiana. Por tudo isso, a prisão de hoje tem peso histórico.

Não resolve tudo.
Não desfaz tragédias.
Não devolve ninguém.
Mas coloca um freio.

Mostra que nem mesmo o topo do poder está blindado quando a democracia é atacada.

Não é espetáculo.
Não é revanche.
É necessidade institucional.

Nesta manhã de plantão jornalístico, o Brasil acordou com a rara sensação de que a Justiça, mesmo lenta, às vezes se lembra de caminhar.

E isso — só isso — já marca um ponto de virada na história recente do país.

 Lisdeili Nobre


quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Presidente do Vitória ironiza opositor "Marcone "Patinho" Amaral

Presidente do Vitória ironiza opositor "Marcone "Patinho" Amaral


Nesta segunda-feira, o presidente do Vitória, Fabio Mota, concedeu entrevista exclusiva ao Conexão Morena, da Morena FM, e defendeu sua gestão. Prestes a completar 4 anos à frente do clube, ele é candidato à reeleição. Mota lembrou que, em 2022, quando assumiu, o Vitória estava na Série C e acumulava dívida de R$ 600 milhões.

"Uma situação muito complicada, com seis meses de salários atrasados. Ninguém queria jogar no Vitória, porque o Vitória não pagava ninguém", relembrou. Para Mota, o título da Série B do ano passado é o mais importante da história do clube. O dirigente ressaltou a conquista do Campeonato Baiano de 2024.

"Tinha seis anos que o Vitória não ia nem para a final", lembrou Mota, que destacou a volta à Série A em apenas dois anos e o crescimento do patrimônio do clube, que, segundo ele, foi triplicado. "Quando assumi, o Vitória tinha seis campos, hoje tem 12. Tinha uma loja, hoje tem oito. Passamos de quatro mil 40 mil sócios", afirmou.

O presidente também disse que é totalmente a favor da criação da Sociedade Anônima de Futebol no clube, desde que seja feita com planejamento e critérios rigorosos. "A gente tem vários exemplos de SAFs que foram feitas de qualquer jeito e não deu certo", observou, citando o Vasco da Gama.

O presidente do Vitória ainda deu uma provocada no adversário da eleição, marcada para 13 de dezembro, o deputado estadual Marcone Amaral, ex-jogador do clube. "Quando a gente estava na Série C, se acabando, fazendo lista, batendo na porta de um e outro, ele não se aproximou para nos ajudar", alfinetou.

"Agora, o patinho, como a gente diz aqui, está bem bonitinho. A história é outra," completou.

Com o Vitória na 17ª posição na Série A do Brasileiro, dentro da zona de rebaixamento a cinco rodadas para o fim do campeonato, o dirigente afirmou que todas as atenções do clube estão voltadas para a permanência na elite do futebol nacional. Para o dirigente, os clubes nordestinos têm muitas dificuldades por causa do orçamento.

"Nosso foco sempre foi o Brasileiro, um campeonato difícil, os clubes do Nordeste sofrem muito. Dos 4 na zona de rebaixamento, três são do Nordeste. Primeiro, porque a gente está longe e as viagens são mais desgastantes; segundo, porque a gente não tem a grana que os outros têm. Os outros viajam em voos fretados".

A diferença dos orçamentos também criam abismos nos valores investidos, acrescentou Fábio Mota. "A folha do Vitória é a 17ª do Brasil. Com a grana que a gente tem, já faz milagre com o elenco". Segundo o dirigente, os salários da equipe principal somam R$ 8 milhões por mês, enquanto a do líder Flamengo chega a R$ 40 milhões.

Para Mota, o Mirassol, com folha mensal de R$ 5 milhões e com a quarta posição na tabela, "é a exceção que confirma a regra". O presidente do Vitória também reafirmou o interesse de retomar a parceria com o Itabuna Esporte Clube, apoiando o time do sul da Bahia nas competições do próximo ano.

Ele garantiu que o projeto da construção de um núcleo de formação de atletas na cidade está mantido, assim como a parceria em campo. "O compromisso continua de pé, para o Itabuna voltar à sua tradição e à sua bela história". Mota explicou que 2025 foi mais complicado para o Vitória por causa da quantidade de competições. "Atrapalhou". Do.: Jornal A Região

sábado, 8 de novembro de 2025

O homem que se recusou a virar o rosto

O homem que se recusou a virar o rosto


 

Enquanto os vizinhos estavam presos em campos, ele cuidava das fazendas deles de graça.

Enquanto o ódio se espalhava, ele poupava os lucros deles e enfrentava ameaças de morte.

E quando eles voltaram para casa, encontraram os pomares em flor.

Era 1942.

Os trens começaram a deixar os vales férteis da Califórnia, levando milhares de famílias japonesas-americanas para campos cercados sob a Ordem Executiva 9066.

As casas foram seladas. Os pomares silenciaram. E os cartazes nos portões diziam apenas:

“Evacuação concluída.”

Bob Fletcher, um jovem inspetor agrícola de Florin, ficou à beira da estrada e assistiu os seus vizinhos desaparecerem atrás de arames farpados.

Eles não eram inimigos.

Eram agricultores, trabalhadores de sol a sol, produtores de morangos, frutas e legumes — famílias que haviam cultivado aquele solo durante décadas.

O único “crime” deles? Ter ascendência japonesa, num país tomado pelo medo e pelo racismo após Pearl Harbor.

Quando os campos ficaram vazios, as ervas daninhas subiram e o silêncio tomou o vale.

Alguns viram ali uma oportunidade de lucro.

Mas Bob Fletcher viu uma obrigação moral.

Ele se ofereceu para cuidar das fazendas de três famílias — Tsukamoto, Nitta e Okamoto — prometendo manter vivas as árvores, produtivos os campos, e segura a terra até que pudessem voltar.

Se algum dia voltassem.

Bob trabalhava 18 horas por dia. Podava árvores, irrigava campos, colhia frutas, consertava equipamentos — tudo sozinho.

Enquanto isso, suportava o desprezo dos seus próprios vizinhos.

Chamavam-no de “traidor”, de “amante dos japoneses”, de “homem sem pátria”.

Cortaram-lhe os pneus. Vandalizaram o maquinário. Deixaram avisos ameaçadores.

Mas ele não cedeu.

As famílias internadas ofereceram-lhe suas casas, pedindo:

“Fique nelas enquanto estivermos fora.”

Ele recusou.

Dormiu durante três anos no barracão dos trabalhadores migrantes — uma construção sem conforto, fria no inverno e escaldante no verão.

Mesmo depois de se casar com Teresa Cassieri, ele continuou lá.

Juntos, trabalharam sob o sol californiano, cuidando da terra de outros como se fosse sua.

Teresa foi sua parceira de coragem — e, embora a história raramente mencione seu nome, ela foi essencial para manter viva aquela promessa.

E há um detalhe que torna esta história ainda mais incrível:

Bob poderia ter ficado com todo o dinheiro.

Ninguém o vigiava. Ninguém o puniria. Muitos fizeram exatamente isso — roubaram, venderam, deixaram a terra morrer.

Bob fez o oposto.

Guardou metade dos lucros para si — pelo seu trabalho árduo — e depositou a outra metade nos bancos, em nome das famílias, com juros.

Esperando o dia em que voltariam.

Se voltassem.

Durante três anos, Bob trabalhou sozinho nas fazendas.

Atravessou as estações, o racionamento, a solidão, a hostilidade.

Mas nunca quebrou sua promessa.

Em 1945, a guerra terminou.

A Ordem Executiva foi revogada.

As famílias japonesas-americanas voltaram — muitas apenas para encontrar ruínas, casas saqueadas, terras vendidas.

Mas as famílias Tsukamoto, Nitta e Okamoto voltaram para pomares floridos.

As casas estavam intactas. O maquinário preservado.

E nos bancos, esperavam três anos de lucros, guardados com juros e com honra.

Bob havia cumprido cada palavra.

Al Tsukamoto, então adolescente, resumiu tudo:

“Bob Fletcher foi o melhor homem que já conheci. Ele salvou tudo o que tínhamos.”

Bob nunca pediu reconhecimento.

Voltou ao trabalho, silencioso, como sempre fora.

Quando lhe perguntavam por quê, ele dava de ombros e respondia apenas:

“Era a coisa certa a fazer.”

Décadas depois, quando já passava dos 90 anos, a comunidade japonesa-americana começou a contar sua história.

Gravaram depoimentos. Escreveram livros.

A fazenda Tsukamoto — que ele salvara — foi transformada em local histórico.

Bob Fletcher morreu em 3 de junho de 2013, aos 101 anos.

No funeral, filhos e netos das famílias que ele ajudara estavam presentes.

Pessoas que só existiam porque ele recusou-se a deixar o ódio vencer.

Eles trouxeram fotos dos pomares em 1945 — cheios de vida.

Provas vivas de que a decência ainda floresce mesmo nos tempos mais sombrios.

Bob Fletcher não salvou o mundo.

Mas salvou o que podia: três fazendas, três famílias e uma parte da humanidade.

E provou que coragem moral não precisa de medalhas — precisa apenas de consciência.

“Ele cuidou das quintas deles. Ele poupou o dinheiro deles. Ele dormiu no frio, recusando o conforto construído sobre o sofrimento de outros.”

Essa não é apenas uma boa história.

É um mapa de como continuar humano quando o mundo enlouquece.

No fim, cinco palavras ficaram gravadas como o epitáfio da sua vida:

“Era a coisa certa a fazer.”

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