sábado, 22 de novembro de 2025

“Manhã de Retribuição” Uma crônica sobre justiça, memória e o preço das escolhas políticas que marcaram o Brasil.

“Manhã de Retribuição”

Uma crônica sobre justiça, memória e o preço das escolhas políticas que marcaram o Brasil.


Lisdeili Nobre

 

Acordamos com o plantão jornalístico cortando a programação matinal, aquele aviso sonoro na TV que o Brasil já aprendeu a temer. Mas, desta vez, não era tragédia natural, enchente, massacre ou crise internacional.
Era o que muitos esperavam há anos: a prisão do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro.

Para uma parcela do país, ele não é um político — é uma espécie de espelho emocional. Não importa o que fez, importa o que representa. E símbolos, quando se instalam na cabeça das pessoas, viram muros contra qualquer realidade.

Para outra parcela, a notícia não traz euforia. Para alguns, traz memória.
A lembrança da tentativa grotesca e violenta de golpe, que expôs ao mundo o quanto ainda somos jovens demais como democracia e tolerantes demais com aventureiros autoritários.

Eu, ao ver a imagem da prisão, senti algo simples e frio: retribuição.
Não moral, não pessoal — jurídica.
A retribuição que o Direito Penal prevê quando alguém ultrapassa limites institucionais que deveriam ser intocáveis.

Logo depois, nos mesmos noticiários, os dados do IBGE surgiram como pano de fundo da história recente:

700 mil mortes por COVID-19

Esses números não são responsabilidade direta do ex-presidente.
Mas a memória coletiva que carregam é inseparável da condução federal da pandemia. Porque ele pode não ter criado o vírus — mas escolheu como enfrentá-lo:

• negando vacina;
• zombando de mortos, enfermos nos hospitais e lares brasileiros;
• incentivando remédios sem comprovação;
• sabotando a ciência brasileira;
• minando a confiança pública em medidas básicas de proteção;
• transformando dor em oportunidade política;
• confundindo a população com versões paralelas da realidade.

O país ficou sem oxigênio enquanto ele fazia piadas. Faltaram leitos. Faltaram local para enterros. Faltou governo.

E o resultado não foi apenas estatístico: foram pessoas reais — amigos, familiares, vizinhos, colegas — que morreram sufocados, sozinhos, enquanto o líder da nação dizia que era “mimimi”, uma gripezinha.

Como se não bastasse, seu discurso inflamado espalhou violência, legitimou agressões, fortaleceu machismos e ampliou riscos para mulheres que já viviam cercadas de perigos.
O reflexo disso está nas delegacias, nos índices de feminicídio, na normalização da brutalidade cotidiana. Por tudo isso, a prisão de hoje tem peso histórico.

Não resolve tudo.
Não desfaz tragédias.
Não devolve ninguém.
Mas coloca um freio.

Mostra que nem mesmo o topo do poder está blindado quando a democracia é atacada.

Não é espetáculo.
Não é revanche.
É necessidade institucional.

Nesta manhã de plantão jornalístico, o Brasil acordou com a rara sensação de que a Justiça, mesmo lenta, às vezes se lembra de caminhar.

E isso — só isso — já marca um ponto de virada na história recente do país.

 Lisdeili Nobre


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