AS PERIPÉCIAS DOS ESCOTEIROS CANAVIEIRENSES
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Waldir de Roxinho e à direita o colega de viagem Trajano no Mac Vita, no autógrafo do livro d'O Berimbau |
Por Walmir Rosário*
Em 1958 Canavieiras pouco tinha a oferecer aos seus moradores, do ponto de vista exterior. Embora o cinema mostrasse o desenvolvimento ao redor do mundo, suas novidades, por aqui a vida girava em torno da economia cacaueira, das chegadas e partidas dos aviões de carreira, do movimento de navios nos portos, o futebol, a vida nas boates e bares.
De Canavieiras era possível, sim, “enxergar” o mundo através das emissoras de rádio do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, jornais, revistas, e pelo testemunho dos canavieirenses mais abastados que estudavam fora. Em 1958 a grande atração era a participação da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, a ser disputada na Suécia, e a remota chance de ser campeã.
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Em dia de sábado na Confraria d'O Berimbau |
Em abril de 1958 um grupo de 10 escoteiros resolveu transformar esse sonho em realidade. Nenhum deles possuía experiência em uma viagem dessa magnitude, mas não faltavam a coragem e a convicção do aprendizado de anos no Escotismo. E assim os garotos de 16 a 18 anos iniciaram o planejamento da viagem, com a aquiescência dos pais. Entretanto, um deles não voltaria.
Com o dinheiro curto, os pupilos de Robert Baden-Power embarcaram num avião da Cruzeiro do Sul na pequena viagem entre Canavieiras e Belmonte. Daí pra frente seria o que Deus quiser, sempre focados nos ensinamentos do Escotismo. E enfrentar a segunda parte da viagem não seria moleza para eles, pois o percurso de Belmonte a Vitória, no Espírito Santo, custou 21 dias de viagem, cumpridos em jornadas a pé.
E o grupo formado por Walter e Trajano Barbosa, Coló Melo, Raimundo Oliveira (depois tenente Raimundo), Orleans da Hora, Dinael Santos, Edson Dedo, Waldyr de Roxinho, Everaldino Piloto e José Araújo empreenderam o trajeto, sob o comando de Henrique Ciência. Nesse segundo trecho eles conheceram, de verdade, o valor do slogan do escotismo: “Sempre alerta”.
No percurso, privilegiaram a caminhada nos trechos de praias, superando as dificuldades que surgiam com frequência, atravessando a pé ou a nado os ribeirões e bocas de barras. Também tiveram que usar de artifícios para caminhar no meio de florestas, evitando as armadilhas naturais e os animais, principalmente as cobras.
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Waldir e Bené no autógrafo do livro sobre Tyrone Perrucho, e Valdemar Broxinha |
Em um costado do mar foram obrigados a acelerar o passo para conseguir vencer o percurso enquanto a maré estava em baixa, do contrário poderiam ser tragados pelas grandes ondas. Cansados, já sem quase nenhum recurso financeiro e víveres, finalmente chegaram a Vitória, no Espírito Santo, e tiveram a ideia de se apresentarem ao prefeito.
A aventura dos escoteiros canavieirenses emocionou o prefeito, que os ajudou com alimentação e passagens de trem para o Rio de Janeiro. Na Guanabara se apresentaram na sede dos Escoteiros do Mar, foram recepcionados pelo General canavieirense Asclepíades Santos, participaram de uma feijoada, e no Maracanã assistiram ao jogo Brasil e Portugal, com a presença de Pelé e Garrincha, dois novatos na Seleção Brasileira.
Missão cumprida, 21 dias após embarcam no navio Comandante Capela com destino a Ilhéus, numa viagem de seis dias. Em seguida, viajaram na carroceria de um caminhão até Camacan, e a partir daí uma picape os levou a Canavieiras. Entretanto, dos 10 que empreenderam a viagem de ao Rio de Janeiro, um deles não voltou, continuou na Guanabara. Na bagagem, nem uma foto, selfie, ou vídeo, só as lembranças contadas.
É que Waldir Souza, o Waldir de Roxinho, resolveu se engajar na Marinha do Brasil, com a permissão de seu pai. Músico, saxofonista, foi incorporado à Banda dos Fuzileiros Navais, agora como clarinetista, conforme as recomendações do maestro regente. E Waldir faz carreira como militar e músico, viajando, conhecendo o mundo, até sua baixa como oficial.
No Rio de Janeiro constitui família, criou os filhos, depois formados e com carreiras pós-tituladas, prontos para enfrentarem a vida. Reformado na vida militar, eis que Waldir retorna a Canavieiras, onde retoma a vida civil, suas obrigações familiares. Nas horas de folga, se encontra com os amigos no Bar Laranjeiras, no qual possui cadeira cativa, e em sábados pretéritos, quando ainda existia a Confraria d’O Berimbau, como confrade batia o ponto.
Waldir na reabertura d'O Berimbau |
Parabéns, Waldir!
*Radialista, jornalista e advogado
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