Os 37 anos da Constituição de 1988 e a retomada da cidadania
Como dito por seu relator geral, Bernardo Cabral, os constituintes de
1987/1988 tiveram o cuidado de colocar na parte inicial da Carta Política os
princípios fundamentais da República e da garantia dos direitos do homem, inseridos
nos artigos 1º, 3º, 5º, 6º e 7º, em respeito ao povo brasileiro, anteriormente
sempre colocado na parte final das Constituições.
A Constituição redigida por Ulisses Guimarães, Bernardo Cabral, Luiz
Inácio Lula da Silva, Benedita da Silva, Florestan Fernandes, entre tantos
outros constituintes, é aquela que veio para reparar o autoritarismo; e, mais
do que isto, para dar cidadania a quem jamais a teve, aos que sempre lutaram
para sobreviver com um mínimo de dignidade.
É a Constituição de 1988, que, desde o seu preâmbulo, manifesta
preocupação em assegurar “o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social”. Nossa Carta Política também estabelece
como princípios fundamentais da República a soberania, a cidadania, a dignidade
da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (artigo 1º), constando entre
seus objetivos (artigo 3º) “construir uma sociedade livre, justa e
solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem
de todos”.O texto constitucional é tão avançado e preocupado com a
existência digna do ser humano, que fez questão de ressaltar, no seu artigo
170, que a ordem econômica é fundada na “valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa”; significa dizer que, de acordo com nossa carta política,
o trabalho antecede o capital e está erigido como um valor a ser defendido
diante de qualquer outra força econômica.Trata-se de uma constituição
avançadíssima para seu tempo (ainda que mutilada por mais de centro e trinta
emendas; muitas, a meu sentir, inconstitucionais), que ainda se mantém de pé
com seus princípios e direitos fundamentais. Mas é, também, uma Constituição
frequentemente sabotada pela classe dominante brasileira, que, antes mesmo de
sua promulgação, procurou esvaziá-la, como aconteceu no dia 27 de julho de
1988, quando o ex-presidente José Sarney, com certo tom de ameaça, dirigiu-se
aos constituintes, em cadeia nacional de rádio e televisão, para afirmar, ao
longo de vinte e oito minutos, que o texto constitucional que estava para ser
aprovado “deixaria o país ingovernável”.
Na verdade, a fala de José Sarney, na ocasião, reproduzia os interesses
mais atrasados da classe dominante brasileira, que achava que o reconhecimento
dos amplos direitos sociais inseridos na Constituição brasileira de 1988 teria
um impacto significativo sobre o orçamento geral da União, desde sempre controlado
para satisfazer apenas os interesses dos muito ricos e deixando os pobres
entregues à própria sorte. É importante lembrar, por exemplo, que, antes da
Constituição de 1988 não existia o sistema único de saúde com atendimento
universal para todos os brasileiros.
E o presidente Sarney, com o velho e surrado argumento, afirmava que o
novo texto constitucional representaria um desencorajamento à produção,
induziria o país ao “ócio à produtividade” e “o governo não teria dinheiro para
pagar os benefícios sociais aprovados pelo congresso constituinte”; ou seja, a
mesma conversa fiada empregada até hoje contra a classe trabalhadora, para
justificar o desvio dos recursos arrecadados por meio dos tributos (que recaem
sobre o povo) e transferi-los para os muito ricos, que, além de não pagarem
efetivamente impostos, vivem da renda proporcionada por taxas de juros
exorbitantes, que ampliam cada vez mais o endividamento público.
Naquela oportunidade, Luís Inácio Lula da Silva, então deputado
constituinte e líder do Partido dos Trabalhadores na Assembleia Constituinte,
assim se manifestou: “A fala do presidente causou três espantos: 1) ver um
presidente assustar a nação com o fantasma da ingovernabilidade usando
informações imprecisas; 2) ver um presidente reclamar contra liberalidades da
constituinte, quando seus líderes não ficaram calados, como votaram a favor dos
dispositivos citados; 3) ver um presidente da República, supostamente guardião
da independência e da economia do país, ocultar em seu pronunciamento que está
forçando a eliminação da propriedade da União sobre o subsolo, a volta concreta
do contrato de risco e a preferência à empresa nacional ao Estado” (Folha
de São Paulo, 27/07/1988, p. A6).
Infelizmente, a Constituição promulgada em 05/10/1988 não pôde, até os
dias de hoje, ser executada na sua plenitude, pois para isso era necessária a
eleição imediata de um presidente comprometido com seus ideais avançados, o
que, infelizmente, não ocorreu na eleição presidencial de 1989, quando, em
decorrência das manipulações típicas da atrasada classe dominante, controladora
do país desde a sua fundação, o eleito foi Collor de Mello.
Posteriormente, a mesma classe dominante manobrou para eleger FHC, que
retribuiu o favor submetendo incondicionalmente o país à cartilha do
neoliberalismo e enfraquecendo o conceito de soberania nacional, por meio de
suas emendas constitucionais, aprovadas a partir de 1995, que decretaram o fim
do conceito de empresa nacional, acabaram com a proteção da navegação por
cabotagem de bandeira nacional, extinguiram o monopólio das telecomunicações e
do petróleo (até então detido exclusivamente pela Petrobras) e intensificaram
as privatizações do patrimônio público, que extinguiram incontáveis postos de
trabalho.
A Constituição de 1988 merecia a eleição de Luís Inácio Lula da Silva em
1989, não apenas para consolidar a redemocratização mas também para levar
adiante a implementação dos seus objetivos fundamentais de “construir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Por isso, mais do nunca, é necessário que o presidente Lula seja
reeleito em 2026, preferencialmente no primeiro turno. Pois assim, com sua
imensa experiência política e crescente maturidade, ele terá a legitimidade
para promover os enfrentamentos com a classe dominante do país e retomar os
ideais originários da Constituição de 1988. Deste modo, teremos uma base sólida
para promover os referendos (conforme previsto no artigo 14 da Constituição)
para revogação de todas as mudanças equivocadas impostas ao país,
principalmente depois do golpe de 2016, e dar início, finalmente, ao processo
da justa distribuição da riqueza produzida por toda a sociedade, como
pretendiam os constituintes de 1987/1988, a fim de construir um país
efetivamente soberano e desenvolvido para todos os brasileiros.
FONTE:
https://www.brasil247.com/blog/os-37-anos-da-constituicao-de-1988-e-a-retomada-da-cidadania
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