Morre Mino Carta
Demetrio Giuliano Gianni Carta (Gênova, 6 de setembro de 1933 – São Paulo, 2 de setembro de 2025), conhecido como Mino Carta, foi um jornalista, editor, escritor e empresário ítalo-brasileiro.
Considerado uma das figuras mais
influentes do jornalismo brasileiro, fundou e dirigiu algumas das publicações
mais importantes do país, como as revistas Quatro
Rodas, Veja, IstoÉ e CartaCapital,
além de ter sido uma peça-chave na criação do Jornal da Tarde.[1][2][5][6] Sua
carreira foi marcada pela inovação editorial, por uma postura crítica em
relação ao poder e por uma forte oposição à ditadura militar brasileira.[1][2][3][7][8]
Biografia
Início da vida e formação
Era filho de Giovanni
"Giannino" Carta e Clara Becherucci, ambos oriundos de famílias de classe
média alta. Na família, o pai e o avô materno – Luigi
Becherucci – eram jornalistas.[9]
Luigi Becherucci foi diretor de um
jornal genovês até ser afastado do cargo durante o período fascista italiano. Seu pai também foi um
ferrenho opositor de Benito
Mussolini, chegando a ser preso em 1944.[1]
A família emigrou para o Brasil em
1946, após o fim da Segunda Guerra Mundial.[nota 1] Em São Paulo, Mino iniciou o curso
de Direito na Universidade de
São Paulo, mas não o concluiu. Seu primeiro trabalho no jornalismo
ocorreu de forma inesperada em 1950, quando, aos 16 anos, escreveu artigos
sobre a Copa do Mundo FIFA daquele ano para jornais italianos a pedido
do pai, que não gostava de futebol.[2][3] Em
1956, retornou à Itália, onde trabalhou no jornal Gazetta del Popolo e
como correspondente para publicações brasileiras, antes de se estabelecer
definitivamente no Brasil no final da década.[1]
Carreira
no jornalismo
A trajetória de Mino Carta é
indissociável da modernização da imprensa brasileira a partir da década de 1960.[1][2][3][5][6]
Em 1960, a convite de Victor
Civita, assumiu a direção da recém-criada revista Quatro
Rodas, na Editora
Abril. Embora admitisse não entender de automóveis, transformou a
publicação em um sucesso editorial.[5] Em
seguida, foi para o jornal O Estado de S. Paulo, onde criou uma inovadora
edição de esportes que serviu de laboratório para a fundação do Jornal da Tarde em 1966, um marco pela sua
linguagem e design gráfico revolucionários.[1]
Em 1968, retornou à Abril para lançar
a revista Veja,
da qual foi o primeiro diretor de redação. Sob seu comando, a publicação se
tornou a principal revista de notícias do Brasil, estabelecendo um
novo padrão para o jornalismo semanal no país.[6]
Durante a ditadura militar (1964–1985), Mino Carta adotou uma
postura de oposição ao regime. Em Veja, publicou reportagens
críticas, incluindo uma denúncia de 150 casos de tortura em 1969, que resultou
na apreensão da edição. Para contornar a censura, utilizava títulos ambíguos,
como "O presidente não admite a tortura".[2] Sua
atuação o levou a ser interrogado diversas vezes por órgãos de repressão, como
o delegado Sérgio Fleury.[1]
Sua saída da Veja, em
1976, é cercada por versões conflitantes. Carta afirmava ter saído por se
recusar a demitir o dramaturgo Plínio
Marcos, um pedido do governo militar, e em protesto à aproximação da
Editora Abril com o regime em troca de um empréstimo. Já a família Civita
sustentava que sua saída se deu por sua postura "irracional" e pela
recusa em aceitar moderação editorial.[2]
Após deixar a Veja, Mino
fundou a revista IstoÉ em 1976, pela Editora Três. Foi
na IstoÉ que publicou, em 1978, a primeira grande entrevista
com o então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, com quem desenvolveria uma
longa amizade.[3][6] Em
1979, lançou junto com Cláudio
Abramo o Jornal da República, que, apesar de reunir
grandes nomes, teve vida curta por problemas financeiros, sendo considerado seu
"maior fracasso".[1][11]
Em 1994, fundou sua última e mais
pessoal empreitada, a revista CartaCapital.
A publicação consolidou-se como um veículo de viés progressista, com uma linha
editorial crítica a governos como o de Fernando Henrique Cardoso e normalmente de apoio
aos governos do Partido dos Trabalhadores. Mino considerava CartaCapital sua
maior realização, guiada pelos princípios de "fidelidade à verdade
factual, exercício do espírito crítico e fiscalização do poder".[1]
Embora não tenha concluído o curso
superior, em maio de 1998 Mino foi agraciado com o título de doutor honoris
causa pela Faculdade Cásper Líbero,[12] e em novembro de 2006, recebeu o
prêmio de Jornalista Brasileiro de Maior Destaque no Ano da
Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil.[13]
Mino Carta morreu em 2 de setembro de
2025, aos 91 anos, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo,
onde esteve internado por duas semanas. Não foi informada a causa da morte,
embora os relatos da imprensa indicarem que o jornalista vinha enfrentando
problemas de saúde há cerca de um ano.[1][2][3]
Vida pessoal
Mino Carta foi casado com Maria
Angélica Pressoto, que morreu em 1996, e teve dois filhos: Gianni (1963–2019)
e Manuela Carta, ambos jornalistas.[14][15]
Legado, estilo e
outros trabalhos
Mino Carta foi um jornalista de
posições políticas marcadas. Amigo pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva, foi o
responsável por convencê-lo a participar do comício das Diretas
Já, a pedido de Ulysses Guimarães e Franco
Montoro.[3] Foi
um crítico contundente da Operação Lava Jato e do juiz Sergio
Moro,[1] e
qualificou o impeachment de Dilma Rousseff como "o pior
golpe que o Brasil sofreu".[16][17] Embora normalmente alinhado às
posições históricas do Partido dos Trabalhadores, Mino teve também diversas
discordâncias com as políticas econômica e ambiental dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, além de ter sido muito crítico em
relação a decisão de conceder asilo político a Cesare Battisti, do qual era um dos mais ferrenhos
opositores.[18]
Até o fim da vida, Mino Carta
utilizou uma máquina de escrever Olivetti, expressando desconfiança em relação
à tecnologia digital, que, segundo ele, estava "escravizando" o
jornalismo.[2][3] Era
conhecido por seu estilo de texto irônico, culto e mordaz. Deixou também uma
obra literária com romances de inspiração autobiográfica, como O
Castelo de Âmbar (2000) e A Vida de Mat (2016).[1][19]
Ele ainda se dedicou à pintura
paralelamente à sua carreira jornalística. Aos 14 anos começou a pintar sobre
tela com óleo. Ainda adolescente, dedicou-se à aquarela e ao guache, sob a
orientação do pai, Giannino, jornalista e professor de História da Arte.
Participou de exposições como a Paisagem Brasileira de 1900 até Nossos Dias,
100 Obras Itaú (1985), 2ª Exposição Artistas Ítalo-Brasileiros em São Paulo
(1993), 40 anos de pintura (1994) e O Bardi dos Artistas (2000), entre outras.[20]
Publicações
Lista parcial
·
Carta, Mino; Fasano,
Rogério (1996). O Restaurante Fasano e A Cozinha de
Luciano Boseggia 2 ed. São Paulo: DBA. 146 páginas. ISBN 9788506025017[21]
·
Carta, Mino (2000). O Castelo de Âmbar. São Paulo: Record. 400 páginas. ISBN 8501060208[22] (romance)
·
Carta, Mino (2003). A Sombra do Silêncio. São Paulo:
Francis. 224 páginas. ISBN 8589362191[23] (romance)
·
Carta, Mino (2009). Crônicas da Mooca (com
a benção de San Gennaro) 1 ed. São Paulo: Berlendis & Vertecchia.
94 páginas. ISBN 978-8575591420[24]
·
Carta, Mino (2013). O Brasil. São Paulo: Record. 356 páginas. ISBN 978-8501400604[25]
·
Carta, Mino (2016). A vida de Mat. São Paulo: Hedra.
104 páginas