quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Morre Mino Carta

Morre Mino Carta

 


Demetrio Giuliano Gianni Carta (Gênova6 de setembro de 1933 – São Paulo2 de setembro de 2025), conhecido como Mino Carta, foi um jornalistaeditorescritor e empresário ítalo-brasileiro.

Considerado uma das figuras mais influentes do jornalismo brasileiro, fundou e dirigiu algumas das publicações mais importantes do país, como as revistas Quatro RodasVejaIstoÉ e CartaCapital, além de ter sido uma peça-chave na criação do Jornal da Tarde.[1][2][5][6] Sua carreira foi marcada pela inovação editorial, por uma postura crítica em relação ao poder e por uma forte oposição à ditadura militar brasileira.[1][2][3][7][8]

Biografia

Início da vida e formação

Era filho de Giovanni "Giannino" Carta e Clara Becherucci, ambos oriundos de famílias de classe média alta. Na família, o pai e o avô materno – Luigi Becherucci – eram jornalistas.[9]

Luigi Becherucci foi diretor de um jornal genovês até ser afastado do cargo durante o período fascista italiano. Seu pai também foi um ferrenho opositor de Benito Mussolini, chegando a ser preso em 1944.[1]

A família emigrou para o Brasil em 1946, após o fim da Segunda Guerra Mundial.[nota 1] Em São Paulo, Mino iniciou o curso de Direito na Universidade de São Paulo, mas não o concluiu. Seu primeiro trabalho no jornalismo ocorreu de forma inesperada em 1950, quando, aos 16 anos, escreveu artigos sobre a Copa do Mundo FIFA daquele ano para jornais italianos a pedido do pai, que não gostava de futebol.[2][3] Em 1956, retornou à Itália, onde trabalhou no jornal Gazetta del Popolo e como correspondente para publicações brasileiras, antes de se estabelecer definitivamente no Brasil no final da década.[1]

Carreira no jornalismo

A trajetória de Mino Carta é indissociável da modernização da imprensa brasileira a partir da década de 1960.[1][2][3][5][6]

Em 1960, a convite de Victor Civita, assumiu a direção da recém-criada revista Quatro Rodas, na Editora Abril. Embora admitisse não entender de automóveis, transformou a publicação em um sucesso editorial.[5] Em seguida, foi para o jornal O Estado de S. Paulo, onde criou uma inovadora edição de esportes que serviu de laboratório para a fundação do Jornal da Tarde em 1966, um marco pela sua linguagem e design gráfico revolucionários.[1]

Em 1968, retornou à Abril para lançar a revista Veja, da qual foi o primeiro diretor de redação. Sob seu comando, a publicação se tornou a principal revista de notícias do Brasil, estabelecendo um novo padrão para o jornalismo semanal no país.[6]

Durante a ditadura militar (1964–1985), Mino Carta adotou uma postura de oposição ao regime. Em Veja, publicou reportagens críticas, incluindo uma denúncia de 150 casos de tortura em 1969, que resultou na apreensão da edição. Para contornar a censura, utilizava títulos ambíguos, como "O presidente não admite a tortura".[2] Sua atuação o levou a ser interrogado diversas vezes por órgãos de repressão, como o delegado Sérgio Fleury.[1]

Sua saída da Veja, em 1976, é cercada por versões conflitantes. Carta afirmava ter saído por se recusar a demitir o dramaturgo Plínio Marcos, um pedido do governo militar, e em protesto à aproximação da Editora Abril com o regime em troca de um empréstimo. Já a família Civita sustentava que sua saída se deu por sua postura "irracional" e pela recusa em aceitar moderação editorial.[2]

Após deixar a Veja, Mino fundou a revista IstoÉ em 1976, pela Editora Três. Foi na IstoÉ que publicou, em 1978, a primeira grande entrevista com o então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, com quem desenvolveria uma longa amizade.[3][6] Em 1979, lançou junto com Cláudio Abramo o Jornal da República, que, apesar de reunir grandes nomes, teve vida curta por problemas financeiros, sendo considerado seu "maior fracasso".[1][11]

Em 1994, fundou sua última e mais pessoal empreitada, a revista CartaCapital. A publicação consolidou-se como um veículo de viés progressista, com uma linha editorial crítica a governos como o de Fernando Henrique Cardoso e normalmente de apoio aos governos do Partido dos Trabalhadores. Mino considerava CartaCapital sua maior realização, guiada pelos princípios de "fidelidade à verdade factual, exercício do espírito crítico e fiscalização do poder".[1]

Embora não tenha concluído o curso superior, em maio de 1998 Mino foi agraciado com o título de doutor honoris causa pela Faculdade Cásper Líbero,[12] e em novembro de 2006, recebeu o prêmio de Jornalista Brasileiro de Maior Destaque no Ano da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil.[13]

Mino Carta morreu em 2 de setembro de 2025, aos 91 anos, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde esteve internado por duas semanas. Não foi informada a causa da morte, embora os relatos da imprensa indicarem que o jornalista vinha enfrentando problemas de saúde há cerca de um ano.[1][2][3]

Vida pessoal

Mino Carta foi casado com Maria Angélica Pressoto, que morreu em 1996, e teve dois filhos: Gianni (1963–2019) e Manuela Carta, ambos jornalistas.[14][15]

Legado, estilo e outros trabalhos

Mino Carta foi um jornalista de posições políticas marcadas. Amigo pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva, foi o responsável por convencê-lo a participar do comício das Diretas Já, a pedido de Ulysses Guimarães e Franco Montoro.[3] Foi um crítico contundente da Operação Lava Jato e do juiz Sergio Moro,[1] e qualificou o impeachment de Dilma Rousseff como "o pior golpe que o Brasil sofreu".[16][17] Embora normalmente alinhado às posições históricas do Partido dos Trabalhadores, Mino teve também diversas discordâncias com as políticas econômica e ambiental dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, além de ter sido muito crítico em relação a decisão de conceder asilo político a Cesare Battisti, do qual era um dos mais ferrenhos opositores.[18]

Até o fim da vida, Mino Carta utilizou uma máquina de escrever Olivetti, expressando desconfiança em relação à tecnologia digital, que, segundo ele, estava "escravizando" o jornalismo.[2][3] Era conhecido por seu estilo de texto irônico, culto e mordaz. Deixou também uma obra literária com romances de inspiração autobiográfica, como O Castelo de Âmbar (2000) e A Vida de Mat (2016).[1][19]

Ele ainda se dedicou à pintura paralelamente à sua carreira jornalística. Aos 14 anos começou a pintar sobre tela com óleo. Ainda adolescente, dedicou-se à aquarela e ao guache, sob a orientação do pai, Giannino, jornalista e professor de História da Arte. Participou de exposições como a Paisagem Brasileira de 1900 até Nossos Dias, 100 Obras Itaú (1985), 2ª Exposição Artistas Ítalo-Brasileiros em São Paulo (1993), 40 anos de pintura (1994) e O Bardi dos Artistas (2000), entre outras.[20]

Publicações

Lista parcial

·         Carta, Mino; Fasano, Rogério (1996). O Restaurante Fasano e A Cozinha de Luciano Boseggia 2 ed. São Paulo: DBA. 146 páginas. ISBN 9788506025017[21]

·         Carta, Mino (2000). O Castelo de Âmbar. São Paulo: Record. 400 páginas. ISBN 8501060208[22] (romance)

·         Carta, Mino (2003). A Sombra do Silêncio. São Paulo: Francis. 224 páginas. ISBN 8589362191[23] (romance)

·         Carta, Mino (2009). Crônicas da Mooca (com a benção de San Gennaro) 1 ed. São Paulo: Berlendis & Vertecchia. 94 páginas. ISBN 978-8575591420[24]

·         Carta, Mino (2013). O Brasil. São Paulo: Record. 356 páginas. ISBN 978-8501400604[25]

·         Carta, Mino (2016). A vida de Mat. São Paulo: Hedra. 104 páginas