O poeta Hélio Nunes
O jornalista Manuel Leal, o poeta Helio Nunes e escritor Jorge Amado
A poesia de Helio Nunes está a merecer uma reedição, que se justifica plenamente, não só por sua alta qualidade, mas também pela necessidade de resgata-la para o leitor de hoje uma poesia feita por um dos mais talentosos poetas da sua geração. Pássaro do Amanhã, único livro publicado, até hoje nos impressiona e caracteriza-se por seu timbre inconfundivelmente lírico, ao qual acrescenta também uma nota de sátira.
Nascido em Aracaju, a 17 de abril de 1931, Helio Nunes da Silva, filho de José Nunes da Silva (fiscal de rendas) e Júlia Canna Brasil e Silva (professora). Hélio estudou no Colégio Estadual Atheneu Sergipense e desde cedo se dedicou ao jornalismo, tendo colaborado em alguns jornais de Aracaju e trabalhado em vários do interior da Bahia, Voz de Itabuna, Voz Operária, Diário da Tarde (Ilhéus), O Momento, O Paladino, onde passou os últimos anos de sua vida e exercia a função de Titular do Cartório dos Feitos Cíveis da Comarca de Itororó.
Em 1952, após longa trajetória de participação ativa em movimentos políticos e estudantis, Hélio marca sua posição de esquerda, tendo no seu grupo de estudante do curso secundarista alguns nomes como Núbia Marques, José Rosa de Oliveira Neto, Fragmon Carlos Borges, Tertuliano Azevedo. Fugindo da repressão policial foi para a Bahia, passando por Cachoeira e São Felix, fixou-se em Itabuna, centro da região cacaueira.
Após concluir o curso de contabilista, passou a lecionar na Escola Técnica de Contabilidade, destacando-se na liderança de movimentos culturais. Em 1962, após criar a Itagraf, que se notabilizou como ponto de intelectuais, editando livros de escritores da região, fundou o Jornal de Notícias, que circulou naquela cidade até março de 1964.
Membro de partido comunista, dedicou-se à causa revolucionária, que abraçou desde jovem. Após o Golpe de 64, foi perseguido pelos militares, sendo obrigado a vender a gráfica juntamente com o jornal e transferiu-se para o município de Itororó. Forçado a esconder-se para não ser preso - como aconteceu com o seu sogro, Clodoaldo Cardoso, que amargou cerca de cem dias de cadeia em Ilhéus - Hélio Nunes entregou-se à depressão. Segundo depoimento de sua companheira, Hélio morreu amargurado, solitário, pois havia renunciado a viver.
Em princípios de 1971, com a posse do novo Governo Estadual da Bahia, fora nomeado um outro titular para o Cartório de Itajuipe, o que o obrigou a retornar para a comarca de Itororó, de onde viera transferido. A nova remoção obrigou o poeta a deixar sua família em Itajuipe, local de nascimento de sua esposa, professora Valquiria Cardoso.
O clima repressivo e o afastamento dos familiares, o fez entrar em profunda depressão vindo a ser fulminado em Itororó (BA) por um infarto do miocárdio em 21 de janeiro de 1973, aos 42 anos, deixando a mulher Valquiria, cinco filhos e três irmãos, dentre eles o também jornalista e escritor sergipano, Célio Nunes. Seu sepultamento ocorreu na cidade de Itajuipe, onde viveu por muitos anos.
Pássaro do Amanhã (poemas), capa do artista plástico Santa Rosa, seu único livro autoral, foi publicado em 1962. Hélio Nunes organizou e participou da coletânea Manhã Cinqüentenária, 1961, e da antologia organizada por Telmo Padilha, A Moderna Poesia da Zona do Cacau, 1977, além de publicar poemas e artigos em diversos periódicos. Promoveu vários encontros de lançamentos em Ilhéus e Itabuna de escritores do sul do país, entre os quais Eneida, Zora Seljan, Jorge Amado, Osório Borba, Sosígenes Costa.
Apesar da militância política, Helio Nunes era um homem frágil, extremamente emotivo, um homem de coração aberto, exposto. Um poeta lírico de versos brancos, ingênuo, mais um sonhador do que ativista. A coletânea de poemas, Pássaro do Amanhã, escrita a maneira da lírica socialista das décadas de 40 e 50 em todo o mundo, tinha a mesma forma poética aos dos poetas e companheiro de partido, José Sampaio, Enoch Santiago Filho e Jacinta Passos, José Oliveira Falcon, Thiago de Mello, Moacir Felix e outros.
2 poemas de Hélio Nunes
Poema a meu filho
Meu filho, chegarás na primavera:
Mil desculpas, não poderei oferecer-te
Aquele mundo alegre e humano que sonhei.
Meu filho, chegarás na primavera:
Quando adulto, não sê igual aos demais.
Tenhas o coração inquieto e a ternura de Valquira.
Meu filho, chegarás na primavera:
Ama e ama. Se te forçarem a odiar, odeia.
O Amor e o ódio têm suas grandezas.
Meu filho, chegarás na primavera:
Rosas e foguetes teleguiados também.
Vê nos povos, brancos e negros, teus irmãos.
Meu filho, chegarás na primavera:
Aos 18 anos lê estes versos, não são conselhos,
São desejos, devaneios de um pai sonhador...
Julho de 1959
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Não partirei!
Desejo de partir. Para onde - não sei.
De beber um copo de vinho
num porto qualquer. Ou não beber nada.
Olhar silencioso as gaivotas, o mar,
E os marinheiros no cais.
Desejo de partir. Para onde - não sei.
Folhear um jornal dentro de um avião
rumo a uma cidade que não conheço.
Andar por avenidas largas, ruas e praças.
Ser um desconhecido entre milhões.
Desejo de partir. Para onde - não sei.
Desejo chapliniano de ir pelos caminhos
na hora do alvorecer. Comer uma flor,
beber água numa fonte com as mãos em concha
e enxugar a boca nos punhos da camisa.
Desejo de partir. Para onde - não sei.
Não. Não partirei. Não partirei!
Trago um sonho para realizar com ela.
Trago esperanças maduras como frutos
e alguns versos novos para o povo.
Dezembro de 1956
Na Foto - o jornalista itajuipense Manuel Leal Helio Nunes e Jorge Amado.
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