Documentário
sobre Jorge Luis Borges refaz trajetória do escritor
Filme
do brasileiro Cristiano Burlan, "Em busca de Borges" teve gravações
na Suíça
Por: Estadão
Conteúdo
http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2016/06/documentario-sobre-jorge-luis-borges-refaz-trajetoria-do-escritor-5986165.html
O escritor argentino Jorge Luis
Borges
Para os 30 anos de morte de Jorge Luis
Borges, que se completam nesta terça (14/6), a viúva, Maria Kodama, prometeu
uma série de homenagens em várias partes do mundo. Talvez não saiba que uma
delas ocorre aqui mesmo, no Brasil, e sob a forma de um filme. O cineasta Cristiano
Burlan preparou Em busca de Borges, um singelo e
tocante documentário que será apresentado dia 17, às 21h, no Cinesesc, no
Festival do Cinema Suíço, em São Paulo.
E por que a Suíça? Ora, como se sabe, Borges
escolheu Genebra para passar a fase final da vida, já na companhia de Maria
Kodama. Tinha, com a cidade, uma relação estreita, pois lá vivera parte da
juventude e, como gostava de dizer (e escrever), lhe parecia a cidade onde se
podia ser mais feliz. Lá morreu, há exatos 30 anos, e lá está enterrado.
Portanto, se o filme de Burlan é uma viagem, esta deve procurar os vestígios do
escritor em especial em Genebra, mas passando também por Buenos Aires,
Lausanne, Zurique e São Paulo, de onde parte o personagem (Henrique Zanoni) em
busca de Borges.
De certa forma, o filme não busca
"explicar" Borges, já que este encerra dose considerável de mistério
em seus textos labirínticos e também em sua vida "sem
acontecimentos", como ele dizia. Borges pode ser objeto de estudos - e
estes à uma distância de 30 anos de sua desaparição física - que se multiplicam
como diante de um espelho de mil faces. Mas sempre sobra um resto por explicar,
algo na sombra ou imerso no mistério. E, portanto, o filme a ele dedicado faz a
paráfrase de um dos seus contos mais conhecidos, Em Busca de Almotássim,
no qual o percurso parece muito mais significativo do que a chegada.
Ouvem-se pessoas, vai-se a livrarias, anda-se pelas
ruas de uma Genebra gelada, mas a emoção maior é quando o acaso brinda o
cineasta com uma cantora argentina, também ela no cemitério, diante da lápide
de Borges. Este não desgostaria de ouvir a canção medieval para ele entoada na
fria tarde suíça: Honte, Paour, Doubtance, de Guillaume de Machaut, ano 1370.
Borges mudou-se com sua família para a Suíça em
1914. Lá estudou, e depois os Borges foram para Madri, só regressando à
Argentina em 1921.
Neto de avó inglesa, o escritor era fluente nessa
língua. Sua longa vivência no exterior e o caráter universal dos contos que começou
a escrever, estabeleceram a imagem de escritor cosmopolita e internacional. As
duas obras talvez mais famosas, Ficciones (1944) e O
aleph (1949), ajudam a construir essa imagem. Seus temas são espelhos,
labirintos, o tempo, o duplo. A linguagem límpida, clássica, à inglesa, também
reforçava a estampa de "escritor do mundo". O boom da literatura
latino-americana, nos anos 1960, ajudou Borges a se tornar internacionalmente
conhecido. No entanto, ao contrário do que acontecia com outros autores, como Gabriel
García Márquez, Manuel Scorza e outros, sua prosa de Borges não era vinculada a
regionalismos ou a exotismos. Soava europeia até a medula - o que não lhe valeu
poucas críticas.

No entanto, sua conterrânea, a ensaísta Beatriz
Sarlo, restabelece o quanto a literatura de Borges dialoga com certa
argentinidade. Em Borges, un Escritor de las Orillas (aqui traduzido como
Borges, um Escritor da Periferia), ela procura mostrar como a originalidade de
Borges está em justamente se situar nessa borda (uma das traduções possíveis de
"orilla") entre o ser argentino e o ser de todo o mundo.
"Busco a figura bifronte de um escritor que
foi, ao mesmo tempo, cosmopolita e nacional", escreve. E que encontra sua
voz universal ao situar-se nessa fímbria.
Em seu percurso pela obra borgeana, Sarlo mostra
como o jovem escritor, ao voltar da Europa, busca recuperar sua cidade de
nascença imaginada. Que não era mais aquela que ele reencontrava, mas a que
conservava em sua memória. Assim, transfigurada, e em forma poética, ressurge a
capital em Fervor de Buenos Aires. Este também é o Borges de contos como O
Homem da Esquina Rosada e O Sul. O mundo dos cuchilleros, dos valentões de faca
na mão. Ou dos escritores de periferia, como Evaristo Carriego, a quem dedica
um dos seus ensaios.
Diferente
de Tolstoi, para quem se deve cantar a aldeia para ser universal, Borges
preferia ficar com um pé na argentinidade e outra no cosmopolitismo. E escrever
desse fio de navalha a obra original que nos desafia até hoje.