Causo: Negociação à moda antiga
Bento era um homem de posses. Fazendeiro rico e empresário de sucesso, se a cidade em que morava fosse populosa nem saberiam como a conta bancária era recheada. Os trajes nada mudaram desde os tempos em que ele contava as moedinhas. Para ele, bom mesmo continuava a ser comer uma galinha caipira gorda, pescar, visitar Aparecida do Norte uma vez por ano. Terno e gravata só nas festas de formatura e casamentos dos filhos.
Bem, até o dia que ele teve que ir até Belo
Horizonte negociar um carro para a filha caçula e algumas máquinas para a
fazenda. Aquela era a quinta viagem se bobeasse à Capital Mineira. Pedro, braço
direito nos negócios, insistiu que caprichasse mais na beca para mostrar
firmeza na negociação. A contra gosto ele trocou a botina pelo sapato social e
deixou o chapéu de palha em casa, colocou uma camisa social.
Chegaram ao primeiro local. Bento escolheu as
máquinas que precisava e negociou as condições de pagamento. Conseguiu um bom
desconto, fácil, fácil. A primeira empreitada o enganou. Quando foi negociar o
carro, as habilidades pareciam poucas. O vendedor se recusava a baixar o valor.
Mas Bento falou tanto na cabeça dele que o convenceu depois de falar que se o
valor fosse melhor pagava com um cheque para 3 dias.
– Negócio fechado. Assina aí o cheque. Tem fundo,
né?
– Claro que tem!
– Mas não custa confirmar, né? – alertou Pedro.
O braço direito de Bento fez uma conferência rápida
e falou.
– Oh, baixa mais um pouco aí porque só mais um
pouquinho e dá pra pagar à vista em três dias, senão só daqui a uma semana ou
vamos ter que dividir – falou Pedro.
– Com uma semana tem jeito não, e se for dividir
voltamos a negociar, com juros – disse o vendedor.
– Nada de juros, uma semana ou dividir com juros.
Abaixa um tiquinho, não chega a R$ 100, compenso com umas galinhas –
sugeriu Bento.
– O quê? – bradou o vendedor.
– O valor do carro, o quanto acho que vale, mais
três galinhas, um super negócio.
– Galinha não é dinheiro! Nunca negociei com bicho!
– Dinheiro né não, mas é bão demais, caipira então,
mió que tem. Eu sempre negociei colocando bicho na jogada, todo mundo ficou
satisfeito.
– Bora então, cheque para três dias mais a
galinhada domingo.
Apertaram as mãos. Bento assinou o cheque. O
vendedor apareceu lá na fazenda domingo e comer até lamber os beiços. Disse que
realmente era bom demais. Criado na capital nem lembrava o gosto
de galinha caipira.
– Num falei com cê que né dinheiro, mas é bão
demais? Aposto que tá mais satisfeito do que se tivêssemos fechado com o valor
inicial.
– Menos, bem menos.
Na verdade, o vendedor estava satisfeito demais
mesmo, mas não podia dar o braço a torcer. Depois daquele dia, ano após ano ele
ligava para Bento para oferecer carros mais modernos, renovar a frota. Quando
Bento queria, na negociação sempre entrava uma galinhada de lamber os beiços,
os dois ficavam satisfeitos. O vendedor voltava cheio de causo pra cidade.
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Talita
Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em
conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e
publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.