sexta-feira, 25 de julho de 2025

Chocolate renasce no sul da Bahia com nova geração de produtores de cacau fino

Chocolate renasce no sul da Bahia com nova geração de produtores de cacau fino


Diante de desafios históricos como a praga vassoura-de-bruxa e os preços defasados, produtores resgatam a atividade com foco em qualidade, rastreabilidade e chocolate de origem e posicionam a região como referência em produtos finos.

Na terra de Jorge Amado e de seus personagens eternizados como Gabriela, do romance Gabriela, Cravo e Canela, uma nova geração de produtores e empreendedores tem investido na produção de cacau artesanal, de olho em um consumidor atento à forma como o chocolate é produzido e também disposto a pagar mais por uma barra do produto.

A região do sul da Bahia já foi uma das maiores exportadoras de cacau, mas perdeu espaço no mercado global depois da chegada da vassoura-de-bruxa, praga que dizimou lavouras no final de 1980 e ainda hoje é uma das principais vilãs.

Costa do Marfim e Gana lideram atualmente a produção global, e o Brasil ocupa a sexta posição na produção mundial do fruto.

Cerca de três décadas depois, filhos e netos daquela geração de produtores buscam novos caminhos para se manter na atividade, com foco na produção de cacau fino, na qual a qualidade ganha relevância em detrimento da quantidade.

Se antes o destino do cacau baiano passava quase exclusivamente pelas tradings e por multinacionais como CargillBarry Callebaut e Nestlé, que ainda mantêm presença industrial na região, o foco tem mudado para a produção local de cacau fino, com rastreabilidade, fermentação controlada e identidade própria, voltado à fabricação de chocolates bean-to-bar (do grão à barra) e também orgânicos.

O fator dos preços da amêndoa também contribuiu para essa virada estratégica, já que a venda do cacau tem como base as cotações negociadas na bolsa de Nova York.

Os produtores percebiam havia anos que a qualidade do cacau da região era alta, mas os preços internacionais então relativamente baixos da commodity não acomodavam essas variações premium. A alta do cacau nos últimos dois anos e meio e a maior demanda pelo produto de maior qualidade mudaram o cenário.

Os futuros da commodity, que rondavam os US$ 2.300 por tonelada no fim de 2022, subiram para até US$ 12.600 em dezembro de 2024. Neste ano, o cacau tem flutuado e perdeu força nos últimos meses, mas era cotado a US$ 8.240 em 24 de julho, ainda bem acima do patamar anterior.

Hoje, a região já é referência na produção de chocolates finos, com diversos produtos premiados dentro e fora do Brasil.

Na edição deste mês do Chocolat Festival, que ocorreu no centro da cidade de Ilhéus, foi possível encontrar dos mais diferentes tipos e usos para o cacau baiano: geleias, cremes, cervejas, além, claro, de diversas variações de chocolate.

“O cacau aqui é mais do que produto: é história, floresta em pé, transformação social”, disse Maurício Galvão, secretário de Turismo de Ilhéus. Segundo ele, 70% da produção da região é feita por agricultura familiar.

A meta, explica, é integrar o setor com educação, cultura e turismo.

“O turista colhe cacau, aprende sobre o processo e entende por que aquele chocolate tem um sabor diferente.”

Quarta geração da família

Marcela Tavares Monteiro, da Cacau do Céu, é uma das que apostaram na produção de cacau para chocolate fino e colheu os frutos com premiações em competições brasileiras e no exterior.

Ela conta que no final de 2008 viajou para o Canadá para estudar sobre a fabricação de chocolate, e, três anos depois, fundou a marca Cacau do Céu junto com a sua irmã, Manuela.

Da quarta geração de uma família tradicional do cacau, Monteiro diz que começou a trabalhar na produção bean-to-bar (do grão à barra) na região de Ilhéus, em 2009, antes mesmo de o termo se popularizar no Brasil.

“A crise agora dos preços não é uma crise para quem é daqui. É um preço justo, porque passamos tempo demais sendo mal remunerados”, disse Monteiro.

A crise mencionada por Monteiro é sobre o aumento dos preços da amêndoa na bolsa de Nova York, que nos últimos anos gerou pressão sobre a grande indústria de chocolate.

Hoje, a sua marca tem duas unidades produtivas no país: uma em Ilhéus, com produção de 500 quilos ao mês, e outra em Santa Rita do Sapucaí (MG), que produz 1,5 tonelada ao mês, mas conta com capacidade para 6 toneladas mensais.

“Antes da vassoura-de-bruxa, o cacau baiano era respeitado. Depois, perdemos qualidade e produtividade. Agora, com o cacau fino, estamos recuperando isso.”

Tavares investiu R$ 5 milhões para expandir sua fábrica em Minas Gerais para abastecer o Sudeste, hoje seu principal mercado consumidor. Em São Paulo, é possível encontrar o seu produto na Casa Santa Luzia.

O carro-chefe da marca são os produtos liofilizados com frutas naturais, como morango e maracujá.

“O desafio não é fazer chocolate. É vender chocolate”, disse.

A matéria-prima de Monteiro tem origem em sua própria fazenda e na de um produtor parceiro, João Tavares, da Fazenda Leolinda, cujas amêndoas dispostas em 340 hectares de terra foram reconhecidas em prêmios internacionais.

Depois de décadas produzindo para a indústria tradicional, ele conta que apostou na fermentação controlada, rastreabilidade e genética diferenciada das amêndoas para se diferenciar na produção de cacau.

Hoje, cerca de 70% da sua produção é considerada cacau fino.

“Com a vassoura-de-bruxa, ou a gente agregava valor ou quebrava. Foi uma questão de sobrevivência”, disse João Tavares.

Tavares explica que ainda não produz chocolates, mas está nos seus planos no futuro próximo.

Segundo ele, o principal desafio é a sucessão dos negócios — algo que foi reiterado por cacauicultores.

“Meus filhos foram para outras áreas, traumatizados pela crise que vivemos. E também há o desafio da monilíase. E o clima, que empurrou a safra para setembro.”

Da árvore à barra

A idealizadora da marca Modaka, Patrícia Viana Lima, é a quarta geração de uma família envolvida com a cacauicultura no sul da Bahia.

Ela comanda a produção de chocolates orgânicos a partir das amêndoas cultivadas na própria fazenda da família, no município de Barro Preto.

A marca, criada em 2012, é fruto de um movimento que começou em 2008, quando seus pais passaram a buscar formas de agregar valor à matéria-prima, que até então era vendida apenas como cacau in natura.

“Somos tree-to-bar mesmo. Tudo começa na lavoura, com cacau da nossa própria origem. E tudo é orgânico, certificado desde os anos 2000”, disse Lima. A fábrica da marca funciona dentro da fazenda.

Com uma média de 1,5 tonelada de amêndoas processadas por ano, e capacidade produtiva de 3 toneladas em anos mais produtivos, a Modaka trabalha com diferentes linhas de chocolate, todas orgânicas, além de produtos sazonais feitos com frutas como acerola, cacau e cupuaçu.

O carro-chefe inicial foram os amêndoas crocantes, mas aos poucos outras modalidades, como a barra e o nibs também ganharam espaço no portfólio.

“Temos uma variedade de tabletes que agrada diferentes perfis”, disse.

A gestão da Modaka hoje envolve cerca de oito pessoas que trabalham sob o sistema de parceria rural, popularmente conhecido na região como meieros.

Nessa modalidade, os meeiros trabalham em um sistema de parceria agrícola, no qual o trabalhador cultiva e colhe o cacau em uma terra que não é sua e, em troca, divide a produção com o proprietário da terra.

Além das parcerias, Lima tem dois funcionários contratados sob o regime CLT na fazenda e uma equipe enxuta na fábrica. “Temos o apoio de instituições como Sebrae e Fieb, que ajudam com projetos voltados à cadeia do cacau e do chocolate”, afirma.

Entre os principais desafios, Patrícia cita a baixa produtividade por conta de doenças como vassoura-de-bruxa e podridão parda, o clima instável, a mão de obra escassa e o dilema da sucessão familiar.

“Ainda sou eu à frente do negócio. Meu pai costuma dizer que a região não trabalhou a sucessão. Mas vejo que agora há um movimento em torno do cacau e do chocolate que está atraindo filhos, netos e bisnetos de volta para perto. A nova geração é mais digital, menos campo. É preciso equilíbrio para garantir continuidade.”

Cabruca, rastreabilidade e chocolate de origem

Na Fazenda Riachuelo, da Mendoá Chocolates, a meta é ampliar a produção própria e manter o foco em qualidade.

Com 2 mil hectares, dos quais 1.800 são dedicados à produção de cacau no sistema agroflorestal cabruca, que integra o cultivo à vegetação nativa da Mata Atlântica, a principal fazenda do grupo localizada em Ilhéus produz chocolate fino com rastreabilidade de ponta a ponta.

“Brincamos que fizemos uma sociedade com a vassoura-de-bruxa. Ela fica com 70% e nos deixa 30%”, disse Riane Brito de Costa, coordenadora de qualidade da Mendoá.

Desde 2023, toda a produção de cacau orgânico da fazenda é destinada exclusivamente à fábrica própria.

O cacau convencional ou que apresenta algum grau de defeito é colhido e comercializado como commodity para as tradings, após ser classificado conforme o grau de qualidade.

A fábrica tem potencial para processar até 3 toneladas de chocolate por mês, mas atualmente opera com uma média de 1 tonelada, sendo que atualmente processa 179 kg por dia no período de entressafra, abaixo do pico anterior de 300 kg/dia.

“A manteiga de cacau subiu entre 20% e 25% este ano. Mesmo assim, seguimos com rastreabilidade total”, afirmou Costa. A maior parte da produção da Mendoá vai para São Paulo, mas os produtos também abastecem o mercado baiano e outras regiões.

A fazenda tem cerca de 100 funcionários na colheita e 26 na fábrica, todos contratados sob regime CLT, explica a coordenadora de qualidade do grupo.

Além do cacau, a Mendoá cultiva frutas como cupuaçu e cajá. A sibira do fruto, que prende as sementes à casca, são vendidas para empresas que produzem ração de peixe, enquanto que a casca do cacau é revertido em adubo.

No terreno da fazenda, há ainda a Escola Lava-Pés, mantida dentro da propriedade para atender os filhos dos trabalhadores. As aulas oferecidas são até o sexto ano.

Aproximadamente 20 famílias vivem na Fazenda Riachuelo, que existe desde 1855 e hoje é administrada com base em um projeto idealizado pelo pesquisador Raimundo Moroó, da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e com investimentos dos irmãos Geraldo e Leandro Almeida.

Para manter a qualidade do produto final, a separação entre o cacau para chocolate e o que vai para o mercado convencional começa na colheita: apenas os frutos no ponto ideal de maturação são fermentados e secos para uso próprio.

“Temos padrões que precisam ser seguidos, inclusive no ponto da colheita. O cacau que não utilizamos é destinado ao mercado de commodity.”

Mesmo com as dificuldades climáticas recentes, agravadas por fenômenos como El Niño e La Niña, que afetam os ciclos de chuvas e de safra e entressafra desde 2022, a expectativa é de retomada gradual da produção.

Segundo Costa, o cacau é uma planta sensível, que reage a variações de temperatura e umidade.

“É um fruto mágico, que se adapta às condições, mas sofre com o frio e a chuva excessiva”.

Um novo olhar sobre a terra

Em Itacaré, a cerca de 75 quilômetros de Ilhéus, a Fazenda Vila Rosa aposta em outro modelo de negócio, que mescla a aposta no cacau com o turismo rural para manter o local preservado.

O americano Alan Slesinger trocou a vida de paisagista em Nova York por um projeto multifuncional que mistura turismo, história, arquitetura e chocolate artesanal.

“Meu foco nunca foi produzir toneladas de cacau, mas mostrar o processo. Chocolate é poesia. Ele fala de amor, de amizade. O chocolate é só o meio”, disse.

Alan conta que vendeu seus imóveis no East Village, em Nova York, em 2006, no auge do mercado e investiu na fazenda na Bahia.

“Eu comprei aqui como quem entra faminto num restaurante e pede duas travessas cheias. Era um sonho”, lembra.

Hoje, a fazenda recebe milhares de visitantes por ano e está próxima do breakeven, conta. Só em janeiro, segundo ele, passaram mais de mil pessoas por ali.

O tour completo com todas as etapas de produção do cacau e a história do casarão da fazenda custa R$ 100 por pessoa.

O cacau cultivado ali vem de árvores antigas, e pouco produtivas. “Minha floresta é fantasma. Árvores velhas, alongadas. Não plantei para alta produtividade”, disse.

Além disso, produzir em larga escala, segundo ele, seria inviável. “Só o salário de um funcionário básico é R$ 30 mil por ano. Para isso, você precisa de muito cacau e minha fazenda é velha.”

Dois terços da receita da Fazenda Vila Rosa vêm do turismo rural de experiência: visitas guiadas, degustações, arquitetura e jardins.

O restante vem da venda de chocolates finos, feitos com o cacau local e comercializados também em uma loja própria no centro de Ilhéus.

O espaço virou referência regional, especialmente em dias nublados, quando se torna uma das principais opções fora das praias.

O projeto envolve entre 16 e 25 funcionários, conta.

“Eu vejo a fazenda como um organismo vivo. Um jardim que sempre está crescendo, amadurecendo, envelhecendo e renascendo”, disse. Aos 59 anos, ele se divide entre surf, criação artística e a gestão do espaço.

“Não sou arquiteto, mas aqui eu posso brincar. Tenho liberdade para criar. E isso, para mim, vale mais do que qualquer planilha de lucro.”

Fonte: Bloomberg

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