Dia dos jornalistas: como conteúdos profissionais podem vencer fakes
Pesquisadores avaliam estratégias para combater desinformação
Agência
Brasil - De um lado do front,
postagens com conteúdos que se assemelham a notícias ou mesmo aqueles com
aparência de amadorismo, mas que se apresentam como se estivessem interessados
em denunciar irregularidades. Do outro lado, notícias e reportagens produzidas
por jornalistas profissionais baseadas em apuração e checagem de fatos. Eis o
duelo.
Vencer
essa disputa pela atenção da sociedade tem sido um dos maiores desafios da
categoria e dos veículos de comunicação, e esse é um debate que se impõe em
datas como o Dia dos Jornalistas, celebrado nesta segunda, 7 de abril.
De acordo com pesquisadores
ouvidos pela Agência Brasil, o que pode estar em jogo nessa batalha
é a garantia do direito humano à informação e também a manutenção da
democracia. Mesmo não se tratando de um contexto simples de ser enfrentado,
quem estuda o tema garante que há estratégias em diferentes dimensões para
proteger a sociedade.
Apelo da desinformação
O interesse maior de parcela da
sociedade por esses conteúdos desinformativos pode ser explicado também pela
elitização no acesso a conteúdos profissionais até a revolução digital, no
final do Século 20. Segundo a professora Sílvia Dal Ben, que faz pesquisa de
doutorado na Universidade do Texas, em Austin (EUA), sobre jornalismo
automatizado, a internet gerou um processo de democratização, tanto do acesso
ao conteúdo quanto dos meios de produção dos conteúdos.
Se o jornalismo sensacionalista
atrai muito os leitores, isso ocorre, no entender dela, tanto por causa do
ponto de vista estilístico, mas também pelas condições tecnológicas de
infraestrutura.
“Essa democratização dos meios de produção e da mídia, nos últimos 30
anos, abriu espaço para públicos, leitores, espectadores, terem contato com
mensagens e conteúdos jornalísticos de comunicação e de mídia que antes não
tinham”, pondera.
O problema é que também abre
espaço para disseminação de conteúdos que não são confiáveis e com interesse de
gerar manipulação. “É como se a gente vivesse hoje numa Torre de
Babel. As pessoas se comunicam, têm muita informação, mas parece que
elas não se entendem”, diz Silvia Dal Ben.
“É preciso mudar a mentalidade”
A
pesquisadora brasileira, que conclui a tese este ano nos Estados Unidos, avalia
que foi um “tiro no pé” a ideia de que, com a internet, a informação
deveria ser em um formato mais conciso, simples e curto. “A gente abriu espaço para uma alfabetização de conteúdo digital muito
superficial. Nós, jornalistas, precisamos mudar essa mentalidade e as práticas
jornalísticas de ficar produzindo notinhas mal apuradas e pouco aprofundadas”,
critica.
Ela não entende que postagens
apenas em nome de audiência possam fortalecer o jornalismo profissional. “A
base do jornalismo é informação checada. Com boa apuração, informação checada e
de qualidade”. Para vencer a “batalha”, o fundamental, como defende a
pesquisadora, é, em primeiro plano, oferecer para as audiências um conteúdo de
qualidade proporcionado por uma estrutura que garanta aos profissionais tempo e
recurso.
“Mais apuração”
No campo das estratégias,
inclusive, a professora Fabiana Moraes, da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), avalia que materiais desinformativos já têm sido combatidos pelo
jornalismo profissional com estéticas semelhantes às das fakes, mas
com conteúdos responsáveis.
Para ela,
pode ser útil buscar semelhanças à estética desses tipos de postagens e
incorporar informações socialmente responsáveis. “A estética é a forma, mas [é necessário] preenchê-la com um
conteúdo profissional, bem escrito e apurado. Ou seja, jornalismo”, diz a
docente que teve, na carreira jornalística, a marca de pautas aprofundadas em
direitos humanos, que lhe renderam, por exemplo, três prêmios Esso e seis
livros.
Ela considera que está
incluída, nesse contexto de batalha, outra “densidade de disputa”, tanto nas
redes sociais quanto fora delas. Isso porque, conforme considera, as fake
news têm facilidade de capturar essa atenção por conta do “espírito de
achaque”, com elementos de sensacionalismo e de baixa qualidade
informativa.
“Nova distribuição”
Outra estratégia que precisa
ser reconfigurada nesse cenário, segundo Sílvia Dal Ben, é o da distribuição de
conteúdo para as pessoas.
“Os jornalistas e os meios de comunicação têm que utilizar as mesmas
ferramentas que os influenciadores e as personalidades de redes sociais. E
distribuir os seus conteúdos de qualidade em diferentes formatos”, receita.
Da mesma forma, a professora de
comunicação Thaïs de Mendonça Jorge, da Universidade de Brasília (UnB),
defende necessidade de aperfeiçoar as estratégias de chamada de atenção, uma
vez que existe uma queda no interesse da leitura no País. “Nós temos que
interpretar mais e fazê-las compreender como aquele tema pode ser interessante
para a vida delas”.
A professora da UnB organizou a
publicação do livro o livro Desinformação - O mal do século - Distorções, inverdades,
fake news: a democracia ameaçada, resultado de uma parceria
entre a UnB e o Supremo Tribunal Federal
A pesquisadora defende
que a indústria de desinformação tem tentáculos que organizam e distribuem
os materiais para enredar o público. “Eles usam esse artifício do
bombardeamento. Muita gente não tem instrução e se deixa levar por essa onda,
que é uma ‘modalidade’ de informação”, lamenta.
“Alfabetização para a mídia”
Aliás, sobre o desafio diante
das audiências, segundo o que argumenta a professora Silvia Dal Ben, é
necessária a alfabetização de mídia para ensinar diferentes públicos a
diferenciar um conteúdo profissional com credibilidade de conteúdos falsos e
manipuladores. Em acréscimo, a professora considera que o caminho da
distribuição é outra ação importante nessa guerra, uma vez que há um fenômeno
internacional de se “evitar notícias”.
Inclusive, para o pesquisador
Josenildo Guerra, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), diante da
dificuldade notória de enfrentamento, são necessários produtos que
possam conciliar uma qualidade informativa com uma narrativa que possa se
tornar também interessante para esse público.
“É muito desafiador,
porque as fake news operam com informações truncadas e de
certo apelo que se tornam objetos de consumo fácil”. Por isso, ele defende mais
pesquisas para desenvolver novos produtos que aliem qualidade informativa com
uma narrativa que seja interessante e acessível para o público.
“Escuta plural”
A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Samira Castro, pondera, entretanto, que o jornalismo profissional tem uma força que as fake news não têm: o compromisso com a verdade, com a apuração séria, com a escuta plural e com a responsabilidade pública.
A representante da categoria
defende que, quando o jornalismo consegue traduzir temas complexos de
forma acessível, com rigor e sensibilidade, conquista confiança.
“E é essa confiança que pode vencer o ruído das mentiras. A
credibilidade, construída com ética e consistência, é o nosso maior trunfo
nesse duelo”.
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