Entrevista com Marcello Bedeschi, líder comunitário italiano, um dos iniciadores da JMJ na década de 1980 ao lado do Papa João Paulo II
De 1 a 6 de agosto, centenas de milhares de jovens de todo o mundo estão reunidos na capital portuguesa, na presença do Papa Francisco, para a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa. Quase 40 anos depois de ter sido lançada por João Paulo II, a Jornada Mundial da Juventude continua sendo um dos eventos internacionais mais importantes, dando à Igreja Católica um perfil excepcionalmente alto no mundo e na mídia.
Marcello
Bedeschi, um líder comunitário italiano, foi um dos iniciadores da JMJ na
década de 1980 antes de se tornar presidente da Fundação “Youth Church Hope” de
1991 a 2021, que foi renomeada como “Fundação João Paulo II para a Juventude”
após a morte do pontífice polonês em 2005. Ele relembra as origens e o
desenvolvimento desses encontros.
Como seu relacionamento próximo com João Paulo II
contribuiu para a criação da JMJ em 1984-85?
Conheci
Karol Wojtyla nas décadas de 1960-70, quando ele ainda era arcebispo de
Cracóvia, porque ele tinha um vínculo especial com meu bispo em Ancona, Carlo
Maccari, que havia sido seu colega de trabalho durante o Concílio Vaticano II.
Em suas conversas telefônicas, mas também quando meu bispo me enviava em
missões à Polônia, eu sempre notava o grande interesse desse cardeal de
Cracóvia em acompanhar os jovens. Ele sempre nos falava sobre os jovens,
observando seu entusiasmo e sua alegria de estarem juntos. Ele organizou uma
série de encontros na Polônia que, de certa forma, foram os primeiros passos
para a JMJ. Isso representou uma visão da catolicidade como uma forma de nos relacionarmos
uns com os outros como irmãos.
Quando
se tornou papa, ele procurou desesperadamente uma oportunidade para colocar
essa ideia em prática. No final do Ano Santo da Redenção, em 1983-84, nasceu a
ideia de um encontro de reflexão e oração para os jovens em Roma, para que eles
pudessem se encontrar com o Senhor. Foi assim que passei a fazer parte de um
comitê de quatro pessoas para organizar esse encontro, em conjunto com o
Pontifício Conselho para os Leigos, então presidido pelo cardeal italiano Opilio
Rossi, que logo seria substituído pelo cardeal Eduardo Pironio, que
desempenharia um papel decisivo no lançamento da JMJ.
Então, foi com base nesse primeiro encontro que o
conceito da JMJ foi gradualmente tomando forma?
Esse
primeiro encontro em 1984 atraiu jovens de 80 países, o que foi uma grande
surpresa. João Paulo II aproveitou então a oportunidade do Ano Internacional da
Juventude, proclamado pela ONU, para lançar a ideia de outro encontro, em 1985.
Esse encontro, novamente em Roma, também funcionou muito bem. Isso levou João
Paulo II a escrever uma carta formalizando a ideia da Jornada Mundial da
Juventude, que se alternaria entre o nível diocesano e um encontro mundial,
organizado a cada dois ou três anos. A primeira JMJ diocesana ocorreu em 1986,
seguida pela primeira JMJ internacional em Buenos Aires, em 1987. João Paulo II
supervisionou pessoalmente todo o projeto, incluindo todos os detalhes e
símbolos, como o fato de confiar aos jovens a cruz da JMJ para que ela pudesse
ser levada ao redor do mundo. Essa abordagem tomou forma concreta mesmo em
lugares impensáveis, inclusive quando a cruz foi levada clandestinamente para
além da Cortina de Ferro, em países comunistas. Lembro-me dessas viagens com
grande intensidade.
Como foram escolhidas as primeiras cidades-sede?
Muitas
Igrejas nacionais queriam sediar a JMJ. A nacionalidade argentina do cardeal
Pironio levou à organização da JMJ em Buenos Aires, da qual o padre Jorge Mario
Bergoglio participou como um simples padre jesuíta. Em 1989, a JMJ em Santiago
de Compostela voltou a dar destaque à importância da peregrinação e da
caminhada. Peregrinos de toda a Europa convergiram para a Espanha por uma
grande variedade de meios. Esse movimento ajudou a popularizar a caminhada como
um meio de encontrar Deus. O Papa queria que esses encontros ajudassem os
católicos a refletir sobre as questões mais importantes ligadas à fé cristã. A
JMJ também desenvolveu uma dimensão cultural, com exposições organizadas em
colaboração com os Museus do Vaticano. Na JMJ de Colônia 2005, a exposição
sobre a Face de Cristo foi como outra catequese em si, além dos ensinamentos
oferecidos pelos bispos.
Durante
a JMJ do Rio, o encontro do Papa Francisco com os povos indígenas da Amazônia
na Nunciatura Apostólica ajudou a lançar sua reflexão sobre ecologia, o que
levou à elaboração da encíclica Laudato Si’ e ao Sínodo sobre a Amazônia. A
Fundação João Paulo II para a Juventude tem sido muito ativa na organização de
oficinas sobre esses assuntos nas JMJs subsequentes em Cracóvia, Panamá e agora
em Lisboa.
Os franceses têm boas lembranças da JMJ em Paris,
em 1997. Ela foi um marco importante para muitos católicos, dando-lhes um novo
ímpeto em uma época em que se sentiam fragmentados e uma minoria em uma
sociedade secularizada. O evento de Paris marcou um ponto de virada na história
desses encontros?
A
análise da imprensa sobre a JMJ em Paris, tanto nos jornais católicos quanto
nos “seculares”, mostra que esse evento foi fundamental. Ele demonstrou a
capacidade dos jovens de se engajarem no diálogo e de trabalharem juntos para
dar vida à mensagem cristã. Muitas lembranças de Paris em 1997 permanecem
gravadas em minha mente. Lembro-me, por exemplo, que organizamos uma exposição
sobre Jesus na Prefeitura de Paris. Isso provocou alguns protestos de ativistas
seculares, mas as obras foram um grande sucesso. Também fiquei impressionado
com um incidente durante a celebração de boas-vindas no Champ de Mars, em
frente à Torre Eiffel: João Paulo II se queimou com os braços de sua poltrona
de ferro, que estavam fervendo por causa do calor e da falta de sombra. Um
soldado correu para o quartel da École Militaire, localizado logo atrás do
pódio, para providenciar outra cadeira mais confortável para o Papa. João Paulo
II ficou emocionado e se divertiu com esse gesto, e sempre me contava sobre
isso!
A JMJ continuou após a morte de João Paulo II em
2005. O que você acha da maneira como seus sucessores investiram nesse legado?
Não há
dúvida de que João Paulo II foi o primeiro a iniciá-la, mas ele também queria
que a passagem do bastão acontecesse naturalmente. Por isso, a ideia foi
retomada por Bento XVI e pelo Papa Francisco, que têm personalidades muito
diferentes, mas que mostram uma verdadeira continuidade na forma como
participam das JMJs. O relançamento da JMJ de Lisboa, após a pandemia de
Covid-19, não era uma conclusão precipitada, mas foi gradualmente colocada de
volta nos trilhos. Para a Itália, esperávamos a participação de 20.000 jovens:
agora registramos 65.000. O mesmo fenômeno pode ser observado em todos os
países europeus. Portanto, há um verdadeiro entusiasmo!
Uma das
coisas que mais me emociona são as vocações que nascem durante a JMJ: vocações
para o sacerdócio, para a vida religiosa, para a vida familiar, para o
trabalho… Para muitos jovens, mesmo em tempos de crise, a JMJ deu um impulso
decisivo para sua vocação e direção. Os sacerdotes e os líderes dos movimentos
católicos precisam estar cientes disso.
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