Lula, FHC e a tentação dos pequenos favores
Diz a lenda que Assis Chateaubriand, magnata
da imprensa entre os anos 1940 e 1960, costumava responder aos pedidos de
aumento salarial de seus empregados com uma pergunta retórica: “Mas você não é
repórter? Precisa de dinheiro pra quê?”
Era no tempo do rei - ou quase isso. Na
concepção do dono dos Diários Associados, o salário de um jornalista era um
detalhe entre outros rendimentos indiretos provenientes do ofício.
Em outras palavras, o repórter não precisava
ter dinheiro para ter acesso a restaurantes, festas, presentes: bastava se
relacionar com as pessoas certas - as interessadas em manter um bom
relacionamento com quem poderia escrever sobre elas.
Desde que comecei a trabalhar como jornalista
já recebi ofertas de viagem, convites para shows, jantares, ingresso para
assistir corrida de automóveis e até de passeio de helicóptero. Aceitar seria
divertido, mas significaria colocar sob suspeita qualquer notícia relacionada à
generosidade das empresas.
Fico imaginando a vida de quem, em vez de
espaços na imprensa, tem a prerrogativa de propor projetos de lei. Ou de
sancioná-los.
No exercício do poder, políticos costumam
dizer que, ao fim do mandato, é estranho acostumar-se novamente a abrir
(literalmente) as próprias portas. Por extensão, deve ser estranho voltar a
abrir a carteira após anos circulando entre agrados de anfitriões e convidados
– há sempre, imaginamos, alguém disposto a acertar a fatura. Digamos, a reforma
de um sítio. Ou um apartamento. Ou a pensão dos filhos.
Na estranha história da reforma de um sítio
frequentado pela família Lula, paga supostamente por empreiteiras investigadas
na Lava Jato, não é o valor da obra ou das encomendas entregues no local os
elementos de suspeição. É o fato de um ex-presidente, influente no governo da
sucessora e com razoáveis pretensões eleitorais, ter supostamente aceitado o
agrado de empresários interessados em manter o bom relacionamento institucional
em troca de favores pessoais.
Não importa o quanto esses agrados pareçam
picuinhas. Quando se trata de figuras públicas, tenham ou não mandatos, é
justificada a atenção da imprensa e das autoridades sobre a proximidade entre
eles e as empresas interessadas em operar por meio de agrados ou atalhos.
Tão estranho quanta essa proximidade para além
da margem de segurança é usar simpatias e antipatias partidárias para espernear
ou cravar quem (não) inventou a roda. Em uma disputa tão acirrada entre
partidos, é bom lembrar os versos de uma velha música: “tudo aquilo contra o
que sempre lutam é exatamente tudo aquilo que eles são”.
Confortável, até então, no camarote de onde
assistia à dissolução do patrimônio petista - o discurso de que, apesar dos
erros e das prisões de aliados, tudo foi feito em nome de um bem maior, jamais
em troca de benefícios pessoais - Fernando Henrique Cardoso será cobrado, a
partir de agora, a explicar por que diabos uma empresa privada repassaria,
durante anos, recursos para a conta de Mirian Dutra, ex-amante de quem
reconheceu o filho, no exterior.
FHC, que até ontem subia no pedestal para
pedir a renúncia de adversários, jura que os recursos eram dele. A
transferência era feita, segundo noticiou a colunista Mônica Bergamo, por meio
da assinatura de um contrato fictício de trabalho entre dezembro de 2002 e
dezembro de 2006. O acordo, afirmou a jornalista, foi intermediado por um
lobista.
À Folha o ex-presidente
admitiu manter contas no exterior e ter mandado dinheiro para o filho da
jornalista, que foi presenteado recentemente com um apartamento de € 200 mil em
Barcelona, na Espanha.
O que faz da vida dele, por óbvio, é questão
de foro íntimo. Mas, se pau que bate em Chico também bate em Francisco, as
perguntas de sempre, válidas para qualquer homem público, sobre correlação
entre despesas, patrimônio e favores de desempenhados por terceiros podem e
devem ser feitas. Em situação parecida, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) foi
alvo de uma devassa por tentar justificar a origem de recursos para pagar a
pensão de uma amante – a suspeita é que o acerto era cortesia de uma
empreiteira. br.noticias.yahoo.com/lula-fhc-e-a-tentação-dos-pequenos-favores-131327682.html
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