sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

A FORMAÇÃO DE CRAQUES NA ITABUNA DO PASSADO

 

A FORMAÇÃO DE CRAQUES NA ITABUNA DO PASSADO

Seleção Regional venceu Itapé por 3X2,
com 2 gols de Juca Alfaiate e 1 de Lane
(Escalação do time no texto abaixo)

 Por Walmir Rosário*

Mas qual eram os segredos para Itabuna formar tantos craques? De cara posso garantir que para um atleta atuar no Campo da Desportiva Itabunense era preciso passar por um verdadeiro vestibular, nos “babas” disputados em campinhos dos bairros ou escolinhas de futebol. Aprovado, a partir daí poderia tentar uma vaga nos times amadores.

Tínhamos, por exemplo, a Academia de Futebol Grapiúna, dirigida pelo cirurgião-dentista Demóstenes Carvalho, e os times de Adonias da Mangabinha, de Tim do bairro da Conceição, dentre outros. E os que mais se destacavam eram convidados a jogar nas diversas equipes aspirantes até chegar ao time de cima das agremiações amadoras.

E os campinhos de bairro não eram raridades, como hoje! Bastava um terreno baldio mais ou menos plano, sem muitas pedras, e duas traves. Era assim na Borboleta (hoje rodoviária); banca do peixe, Escola de Celina Braga Bacelar, Maravalha, (centro); São Judas Tadeu; campo do Tênis, torre da Rádio Difusora, Malícia, Brasilgás, Vila Zara, Eucaliptos (bairro da Conceição); Cortume (Banco Raso) para se submeterem aos olheiros e indicarem futuros craques.

O América da Vila Zara, comandado por Adonias, em 1963, era um dos times de camisa que forneceu jogadores para várias equipes. Em 1972, o mesmo América mantinha praticamente a mesma formação, mesclado com jogadores mais novos. João Garrincha, Dema, Betinho Contador, Zé Nito, Luiz Fotógrafo, e tantos outros.

Lembrados até hoje nos papos de saudosismo, os craques do passado têm nome, sobrenome e história a ser contada pelas jogadas memoráveis, tanto nos campos de pelada como na velha Desportiva. Um desses exemplos são as escalações da Seleção de Itabuna de 1958 a 1965, quando reinou absoluta no cenário amador do estado da Bahia. Fora essa saga vencedora, as equipes de bairros (ou várzea, como queiram), ainda reinam absolutas na memória dos torcedores.

Eu costumo usar uma frase dita pelos veterinários: “de mamando a caducando”, que se encaixa bem na velha prática do futebol, quando os escolhidos para formar o time (ainda na base do par ou ímpar, para escalar primeiro) eram pela eficiência, meritocracia. Pouco importava se menino ou homem-feito, tinham que ter as qualidades para jogar em determinado campo e decidir a partida. Isso era fundamental para jogar num time de camisa.

Enquanto nos campinhos o jogo era na “paeta” (descalço), nos times de camisa se jogava de chuteiras, fabricadas por sapateiros especializados, como Lauzinho, ali na rua Silveira Moura, no bairro da Conceição, ex-jogador do Botafogo de Rodrigo e exímio profissional, dentre outros que competiam para fabricar os melhores produtos.

E jogar de chuteiras era preciso uma adaptação, pois elas eram feitas de acordo com a posição em o futuro dono jogava: macia para atacantes e rígidas para zagueiros. Já as travas poderiam ser de sola grossa ou alumínio, a depender do tipo de jogo, mais alta ou mais baixam de acordo com o clima e a característica do jogador – ou de maldade, segundo os comentários da época.

Uma coisa era certa: todas as chuteiras eram pretas, algumas com uma ou duas listras brancas, porém jamais cor-de-rosa rosa choque, amarelo alaranjado, pois eram feitas para proteger o pé e aumentar a potência do chute, nunca para aparecer. O mesmo acontecia com o corte dos cabelos, em maioria o de “soldado americano” e, de quando em vez, um maracanã para o encanto das moçoilas casadoiras. Definitivamente, não era o tempo de Neimar!

Mas, trejeitos e modas à parte, o que valia era pisar no gramado e dar conta do recado. Jogador bom era o eficiente e produtivo. Não podia ser “manioso” ou “vedete”, para não cair em desgraça e ser olhado de soslaio pelos “cartolas”. Assim era no Flamengo de José Baliza, ou no Botafogo do bairro da Conceição de 1976, que mesclava atletas mais experientes como Neném, à garotada do tipo de Bilo e Paulo Roberto. No mesmo time jogavam Danielzão, Pelé Cotó, Romualdo Cunha e os garotos João Garrincha, Beguinho, Alterivo e Douglas.

Naquela época, o número de jogadores era tão abundante, que os “cartolas” ainda se “davam ao luxo” de formar uma seleção regional, tendo como base os jogadores do bairro da Conceição. Essa seleção excursionava pelas cidades vizinhas, acumulava vitórias e títulos, dada a altíssima qualidade dos jogadores como: (em pé, a partir da esquerda) Faruk, Vitor Baú, Sílvio Sepúlveda, Pedro Mangabeira, Lauzinho e Guaraí; agachados Lane, Pedrinha, Juca Alfaiate, Macaquinho e Diocleciano (foto acima).

*Radialista, jornalista e advogado.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Aos 87 anos, morre no Rio a escritora Marina Colasanti

Aos 87 anos, morre no Rio a escritora Marina Colasanti


Era casada com o poeta Affonso Romano de Sant'Anna e deixa duas filhas

 

Por Agência Brasil - A escritora Marina Colasanti morreu nesta terça-feira (28), aos 87 anos. A causa da morte não foi divulgada, mas ela já vinha com a saúde debilitada. O corpo da escritora será velado no salão nobre da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, na Zona Sul do Rio de Janeiro, na manhã de quarta-feira (29), em cerimônia restrita a parentes e amigos.

Era casada com o poeta Affonso Romano de Sant'Anna e deixa duas filhas.

Marina Colasanti escreveu mais de 70 livros adultos e infantojuvenis e recebeu diversos prêmios por suas produções, incluindo o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras. No ano passado, foi homenageada como personalidade literária pelo Prêmio Jabuti.

Seu primeiro livro, Eu Sozinha, foi publicado em 1968. Em 2017, foi lançada sua última obra: Tudo Tem Princípio e Fim.

O presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Marco Luchesi, ressaltou o caráter variado e "de altitude" da obra de Marina: "Foi mestra em todos os campos: no diálogo com a gravura, com a pintura, a poesia, o romance, a literatura infantil, as narrativas breves e as artes plásticas. O Brasil e a Itália perdem um de seus maiores nomes. E eu perco, certamente, uma das grandes e queridas amigas, no âmbito da literatura, e não apenas. Devo a Marina muitos passos que tomei, inspirações e partilhas culturais, poéticas.”

A Câmara Brasileira do Livro divulgou nota de pesar, solidarizando-se com a família, amigos e leitores de Marina Colasanti, "uma das maiores referências da literatura brasileira". A nota lembra que a escritora recebeu nove estatuetas do Prêmio Jabuti, "que evidenciam sua grande contribuição para a cultura e a literatura nacional" e celebra sua vida e obra, "que são um presente eterno para a cultura brasileira e mundial".

Nascida na cidade de Asmara, então capital da Eritréia, Marina também viveu na Líbia e na Itália, antes de emigrar com a família para o Rio de Janeiro na década de 40. Marina fazia parte de uma família de escritores e artistas e estudou na Escola Nacional de Belas Artes. Além de escrever, também ilustrou muitas de suas obras.

Ela trabalhou no Jornal do Brasil e na Editora Abril e continuou colaborando como colunista e cronista para diversos veículos ao longo de sua carreira. Também apresentou programas na extinta TVE e traduziu diversas obras italianas para o português.

Marina se declarava feminista e foi uma das integrantes do primeiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Muitos de seus livros refletem sobre o lugar da mulher na sociedade e trazem protagonistas femininas.

Em entrevista ao programa Trilha de Letras, da TV Brasil, em 2019, Marina falou sobre a paixão pelos livros, que nasceu na infância: "Os livros foram o meu colete salva-vidas. (...) Lemos muito! Em situações, às vezes, adversas, complicadas... E os livros eram uma farra! Companheiros de brinquedo, eram nossa fonte mais rica de imaginário".

Ela preferiu não se definir com apenas um estilo literário: "eu sou prosa e verso na mesma medida. Isso atravessa o olhar. Você tem um olhar poético ou não tem um olhar poético. É a maneira de aproximar-se do mundo. E eu acho que eu tenho os dois."

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

A Cronica de Walmir Rosário Direto de Canavieiras - CANTINA TICO-TICO É HOMENAGEADA AOS 75 ANOS

 

CANTINA TICO-TICO É HOMENAGEADA AOS 75 ANOS

Deroaldo e Ronaldo na Cantina Tico-Tico Foto Enault Freitas

Por Walmir Rosário*

No nosso tempo de menino em Itabuna uma das maiores diversões era assistir ou participar dos jogos de futebol. Era a nossa mania municipal. Campinhos não faltavam nos bairros e até no centro da cidade. Bastava uma bola, a marcação das traves, muitas vezes com pedras, e a meninada com vontade de brincar. Sobravam muitos, geralmente os sem habilidade.

Agora, bom mesmo, era assistir aos jogos e treinos dos times amadores, principalmente da invencível Seleção de Itabuna. Como nem sempre estávamos providos de recursos para o ingresso, recorríamos aos jogadores amadores que possuíam a carteirinha da Liga de Desportos Atléticos (Lida), e entrávamos com eles. Claro, sem pagar nada.

E existiam os funcionários que dificultavam nosso ingresso, enquanto outros facilitavam. E uma dessas figurinhas carimbadas era Raimundo Pereira Borges, um multifuncional no Campo da Desportiva, pois “jogava nas 11”, era bandeirinha, árbitro, goleiro, diretor da Lida e dono do bar interno da Desportiva. Uma figura alegre, brincalhona, afável, mas que sabia ser sisudo quando o assunto requeria.

Zinho e Esposa

Raimundo Pereira Borges era pouco conhecido. Para nós era Zinho – só os mais velhos –, depois Tico-Tico, novo apelido que ganhou quando em 27 de janeiro de 1950 inaugurou, junto com sua esposa Miralva, a Cantina Tico-Tico, bem próximo do Campo da Desportiva, na rua Almirante Tamandaré, ao lado do conhecido Jardim do Ó, local em que funciona até os dias de hoje.

E a escolha do nome foi pra lá de inusitado: um dia Zinho informa a seu irmão Antônio, conhecido como Tote, dono do Bar dos Operários, que iria abrir uma cantina e aproveita para pedir uma sugestão quanto ao nome que daria. Nesse momento, Tote saia de detrás do balcão e se dirigia ao banheiro com um rolo de papel higiênico, e mostrou ao irmão: “Bota o nome de Tico-Tico, como essa marca de papel higiênico”. E imediatamente foi aprovado o nome.

O local era pequeno, mas abrigava a todos, principalmente quando as empresas próximas liberavam os empregados para a “merenda” da manhã e da tarde. Bem em frente, onde hoje existe a Igreja Universal, funcionava uma revenda Volkswagen, com cerca de 50 funcionários, muito deles com o lanche anotado no caderno.

Refrigerantes, sucos e refrescos, pastéis bem recheados de carne, banana real, bolos de milho, tapioca e aipim, além das batidas de gengibre e maracujá fazem o maior sucesso. Com o passar dos anos a Cantina Tico-Tico ganhou conceito e frequência diversificada, com mecânicos, radialistas, jornalistas, bancários, advogados, comerciários, muitos dos quais buscavam o lanche fora da hora de grande movimento.

Eu mesmo fui cliente assíduo da Cantina Tico-Tico quando a redação do Jornal Agora ficava do outro lado do Jardim do Ó. Todos os dias, eu, o saudoso colega Euclides Batista (Zoca) e o diagramador Paulo Fumaça dávamos uma paradinha nas “Olivetes” para o lanche sagrado. Barrigas abastecidas, trocávamos uns dois dedos de prosa com Zinho e os filhos Ronaldo Deroaldo (Peu) e Deroaldo Ronaldo.

E aos poucos o nome Zinho foi sendo transferindo para Tico-Tico, um expert na área de lidar com o público e que soube repassar esse conhecimento aos filhos. Lembro-me, ainda menino, de quando ele dirigia o bar do Campo da Desportiva e num domingo o presidente da Lida o proibiu de vender cachaça, só cerveja e refrigerante. Foi uma revolta geral, mas Zinho soube tirar de letra e apaziguar.

Deroaldo e Ronaldo no interior da cantina

E todo esse sucesso do Tico-Tico não subiu à cabeça da família que soube se dedicar a servir bem aos fregueses, com bebidas e comidas de boa qualidade, muitas delas fabricadas em casa. Um dos filhos, Deroaldo Ronaldo, optou pelo trabalho na cantina e deu adeus à advocacia, num tempo em que os despachos e sentenças eram raridades, pela falta de juízes e promotores.

E por todo o sucesso dessa família à frente da Cantina Tico-Tico ao longo de 75 anos ininterruptos, o Serviço Brasil de Motivação e Marketing (Simmbra), liderado pelo empresário Valdir Ribeiro, prestará, nesta segunda-feira, 27, às 11 horas, uma homenagem à Cantina Tico-Tico, com um Certificado de Excelência. E Valdir Ribeiro ressalta que uma empresa familiar dificilmente consegue sobreviver no mercado por todo esse tempo.

Raimundo Pereira Borges, o Zinho, ou o Tico-Tico, nasceu em 7 de maio de 1930 e faleceu em 18 de janeiro de 2011, deixando um legado para a família, que soube perpetuar um empreendimento, que embora pequeno alcançou e soube se manter no patamar do sucesso. Além de Ronaldo Deroaldo e Deroaldo Ronaldo, Zinho deixou as filhas, Cássia, Clélia, Hélia e Alcimar.

Vida longa à família Tico-Tico.

*Radialista, jornalista e advogado.

 

Reportagens do Jornal Agora sobre Zinho

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

A Cronica de Walmior Rosário - Direto de Canavieiras

 

ANIVERSÁRIO DE NELSON NO CALENDÁRIO DE EVENTOS

 
Comida de sustança no aniversário do Lord Nélson

Por Walmir Rosário*

Pois é, meu amigo festeiro Nélson Barbosa emplaca mais um evento anual. Desta feita para comemorar seus 80 anos (há quem diga que o número é maior) com um lauto almoço, daqueles de fazer inveja a qualquer vivente. Comida de “sustança” e bebidas ao gosto do freguês, melhor, dos ilustres convidados. Prenúncio de Mac Vita lotado. Dito e feito!

Aliás, isso não causa nenhuma surpresa dado o conhecimento de Nélson em toda a cidade de Canavieiras, da ilha da Atalaia à Ilha do Gado, do Porto Grande à Burudanga, passando por todo o centro da cidade e por onde mais o valha. Em todos esses locais ele é reverenciado desde os tempos de menino até os dias de hoje, o que demonstra que é um “cabra bem chegado”.

Por pouco, muito pouco, o nosso chegado Nelson, ou Almirante Nélson, não seria batizado Sebastião, nome marcado na folhinha do dia 20 de janeiro, santo largamente festejado aqui por Canavieiras. Como quem não queria nada preferiu se aninhar no quentinho do ventre de sua mãe até o dia seguinte, 21, sob a proteção de Santa Inês, venerada como mártir da pureza.

Posso garantir que toda a proteção de Santa Inês não foi suficiente para tornar o Almirante, ou o Lord Nélson, longe das coisas profanas, a começar pela juventude, quando passou a ser conhecido como Nélson Amarelão (mas só para os íntimos). Soltou-se na vida, ganhou a capital baiana e por lá fez história no seu trabalho no Derba e como homem de muitos amigos.

Aposentado retorna a Canavieiras com o objetivo precípuo de viver como na juventude, rodeado de amigos. E local melhor para encontrar os simpatizantes do que em ambientes que se comercializam os elixires da alegria – cervejas, cachaças e outras beberagens. Nem preciso completar que são nesses locais que as amizades são feitas, seladas à primeira vista.

E com o Nélson não poderia ser diferente, ressaltando suas qualidades, todas influenciadoras de amizade, bem querer, como dizem os mais antigos. “Sujeito fino, educado e atencioso”, exaltam os amigos da antiga e os recém-chegados. Pessoa de fino trato, dizia o saudoso amigo e jornalista desocupado Tyrone Perrucho, parceiro nessas incursões etílicas.

Acredito que essa inusitada comemoração de aniversário numa terça-feira, dia em que grande parte desse mundão de meu Deus está trabalhando, deve ter sido influência do indigitado Tyrone, que sempre pregava: “A melhor data para fazermos nossas farras é num dia de semana, para matar de inveja esse povo que ainda teima em trabalhar”.

Pelos meus cálculos, essas comemorações de aniversários e outras datas festivas realizadas nos ditos dias de semana são mais produtivas, pois deve economizar bastante o número de convidados. Não sei se esse é, também, o pensamento do Lord Nélson, ou é apenas um plano para chamar a atenção da sociedade para sua condição de feliz aposentado. É, deve ser apenas isso.

Num telefonema que atendeu durante um encontro nosso na semana passada, enquanto apreciávamos umas cervejas, entendi que ele estava sendo requisitado para realizar evento igual monta lá pras bandas da capital e adjacências. Pelo que apurei, eram os amigos de Arembepe que o intimavam para que se fizesse presente em mais uma comemoração de seu aniversário.

Tudo leva a crer que Nélson não transmitiu o cargo e o cetro de Rainha da Rua das Flores – em Arembepe – por seguidos carnavais. Ainda bem que não fomos colocados em segundo plano e, ainda por cima, vamos promover a abertura do Mac Vita numa plena terça-feira. A depender do andar das comemorações, poderemos propor à Prefeitura que coloque o aniversário do Almirante Nélson no calendário de eventos de Canavieiras. Nada mais justo!

*Radialista, jornalista e advogado.

sábado, 4 de janeiro de 2025

A Cromica de Walmir Rosário - Direto de Canavieiras

 

“SÓ MORREREI DEPOIS DE VER PELÉ JOGAR”

Em 1965 o Santos de Pelé jogou em Ilhéus (foto acervo Santos)

Por Walmir Rosário*

O brasileiro sempre foi apaixonado pelo futebol. Não conheço nenhuma pesquisa que nos coloque no topo da pirâmide entre os vários países do mundo, mas nem precisa, somos nós e pronto. Nenhum povo alcançou os nossos feitos em copas do mundo, temos resultados fantásticos nos campeonatos mundiais de clubes e mais que o valham.

E nos apaixonamos por um clube, devotando a ele toda a nossa paixão. Pra cada um de nós o meu time é o melhor e só não ganhou o campeonato por fatores extracampo, como as decisões dos árbitros de futebol, cujas coitadas das mães são xingadas por qualquer motivo fútil. Pouco interessa se os diretores não contrataram os melhores jogadores e sim pernas de pau.

Mais que torcer por um time, alguns se apaixonam – no bom sentido – pelos craques, e isso tenho como provar desde meus tempos de menino lá pras bandas do ainda bucólico bairro da Conceição, em Itabuna. Tínhamos os nossos craques, jogadores dos times amadores e da imbatível Seleção Amadora de Itabuna, mas também devotávamos nosso amor pelos craques do Rio de Janeiro e São Paulo.

E um desses era o Tio Coló, que não era bom de bola, mas gostava de jogar com estilo. Estilo, aliás, era com o próprio: não dispensava uma calça de linho passada a ferro com goma, um sapato do tipo mocassim branco, camisa esporte listrada, fino violonista. No máximo se permitia andar com sandália japonesa, a legítima, nas cores preto e branco, como do Santos de Pelé.

E ele era um exímio motorista, escolhido a dedo por grandes empresários para viagens, muita delas voltadas para jogos de futebol. Segurança total com o Tio Coló ao volante. E quando o assunto versava sobre futebol ele cortava qualquer conversa e dizia em alto e bom som: “Só morrerei depois de ver Pelé jogar”. Já era um mantra incorporado ao tema futebol.

Pois bem, lá pros idos de 1964, se não me engano, chega a grande oportunidade para o Tio Coló realizar seu eterno desejo, com a notícia dada na resenha esportiva da Rádio Bandeirantes de São Paulo, informando que o imbatível Santos viria a Salvador enfrentar o Bahia. Foi um alvoroço no salão de sinuca de Ismael. Seria agora ou nunca para Tio Coló.

Na mesma hora começaram a planejar a viagem entre os presentes. Tio Coló, o mestre de obras da prefeitura, Antônio Cruz, o comerciante Nicanor Conceição, o dono de bar Teles, o comerciante de leite e cana Nivaldo (Cacau). O próximo passo seria alugar um carro e embarcarem para a capital baiana e assistir ao jogo com o Rei do Futebol, Pelé.

E no próprio bairro da Conceição alugaram um carro de praça (táxi), o jipe de Eliseu, também interessado em assistir à partida. Na data marcada partiram para Salvador onde realizariam o sonho, antes considerado impossível. E as estradas daquela época eram horríveis, de terra batida até Jequié, e daí pra frente o asfalto da Rio-Bahia e da BA- 324 até a capital.

Chegaram um pouco antes do início do jogo, e torceram por Pelé, que marcou os dois gols do time santista. Partida encerrada, eles tomaram a estrada de volta e ao chegar a Feira de Santana Eliseu se sentia cansado. O jeito era passar o volante para o colega Tio Coló. E esse era um gesto ímpar, pois o jipe de Eliseu ninguém dirigia. E Tio Coló seria o primeiro a ter o privilégio.

Tomaram um café e partiram, passaram por Feira de Santana, e tocaram pela famosa Rio-Bahia. Madrugada pela frente, muitos caminhões e ônibus na estrada tornavam intenso o movimento. Lá pelas tantas, um caminhão tenta ultrapassar outro e dá de cara com o jipe que conduzia nossos torcedores que voltavam pra casa.

O choque foi inevitável e o caminhão atingiu o jipe do lado esquerdo. Rodovia interditada por causa do acidente os passantes iniciaram o atendimento aos seis ocupantes do jipe, todos bastante machucados e iam sendo levados para o hospital mais próximo. Na realidade, somente quatro puderam ser atendidos: Antônio Cruz, Teles, Nicanor e Nivaldo Cacau.

Na direção Tio Coló não resistiu ao impacto da colisão e morreu no local. O Mesmo destino teve Eliseu, o proprietário do jipe, que se encontrava sentado logo atrás do banco do motorista. Assim que a notícia chega a Itabuna, se instala um clamor no bairro da Conceição, que passa a chorar seus mortos e feridos.

Acredito que, em relação ao Tio Coló, a profecia foi feita: morreu exatamente após ter assistido jogar o seu grande ídolo, Pelé, o Rei do Futebol. Nunca mais um solo de violão do Tio Coló, que sempre era lembrado quando o assunto no salão de sinuca de Ismael era o futebol. É triste entrar para a história por sua morte, pois todos queriam que ele ressaltasse sua alegria ao ver Pelé jogar. E logo mais, em 1965, Pelé jogou em Ilhéus, pertinho de casa.

*Radialista, jornalista e advogado.